Parabéns aos tradutores da época por transformarem um belo título em algo idiota. “The Asphalt Jungle” é o que poderia ser chamado de “A Selva de Pedra”, mas aí seria muito próximo às novelas lançadas nos Anos 70 e 80, mesmo que precedendo-as por mais de 20 anos. É por isso que a tradução mais literal permanece a mais certeira: “A Selva de Asfalto”. É nela em que a história se centra e é lembrando do título que algumas imagens inesquecíveis vêm à mente. “O Segredo das Jóias” soa como uma ultra-simplificação, uma mudança de foco inadequada para algo que é apenas um detalhe de um filme rico em atmosfera e plano de fundo, aspectos essenciais para ambientar uma visão de mundo pessimista e dependente de um ambiente visivelmente opressor.
Depois de algum tempo detrás das grades, Erwin Riedenschneider (Sam Jaffe) é solto para desfrutar de uma vida livre dentro da lei. Ou ao menos era isso que as autoridades esperavam. O homem desaparece poucas horas depois de chegar na cidade e não deixa rastros. Ele ressurge com um novo plano de conseguir o prêmio dos prêmios: roubar uma loja de jóias e conseguir no mínimo 500 mil dólares em espólios. Em parceria com um financiador notório, o advogado Alonzo Emmerich (Louis Calhern), Riedenschneider monta uma equipe de criminosos para realizar o plano, mas nem tudo dá certo como esperado.
“The Asphalt Jungle” sempre pareceu cativante por conta de seu título. Tanto furor a respeito de uma tradução estúpida se dá porque a idéia original desperta certa curiosidade do que seria a tal selva de asfalto e como o conceito é aplicado ao enredo. Assim como se aguarda em todo filme de 007 o momento em que o título é mencionado, acontece o mesmo com esse Noir de John Huston. E eventualmente o filme mostra que, sim, faz jus às fantasias prematuras ao trazer em sua ambientação um elemento narrativo capaz de falar mais alto que os próprios personagens. É algo a se considerar, tendo em vista quão freqüentemente o plano de fundo é tratado como apenas isso, um elemento secundário para a ação, os diálogos e o movimento.
Os primeiros planos de “The Asphalt Jungle” demonstram perfeitamente o tipo de lugar onde a história se passa. É uma cidade grande onde não há carros, pessoas e movimento, vida fluindo nas calçadas e dentro dos restaurantes cheios de gente energizando o clima com sua simples presença. Sem crianças na rua e jovens correndo atrás das garotas, apenas um outro lado sujo e quase abandonado é explorado. Externamente, os becos e as ruelas sem ninguém; Sterling Hayden caminhando com apenas o vento fazendo companhia enquanto um carro passa pela região: policiais o procurando. Qualquer tipo de vida e agito automaticamente caem sob a suspeita de serem problemáticos, exceto por alguns poucos momentos em que tal julgamento negativo desaparece propositalmente.
A fotografia apenas ressalta o aspecto prisional dos ambientes, seja qual for sua natureza. A existência de lugares de vários tipos, uma variedade para evitar apenas uma natureza de cenário, denota como até um lugar elegante como a mansão de um advogado rico pode parecer um reduto de desolação tanto quanto uma estação de polícia ou um centro de apostas ilegais. Parece óbvio mencionar como tudo parece cinza e sujo porque, bem, a fotografia é em preto e branco. O significado vai além do quesito estético e vive também através da direção inteligível de John Huston. Além de clareza eliminando qualquer dúvida a respeito de contextualização física, pode-se encontrar também uma composição evidenciando como, enfim, até uma cama pode ser um tipo de prisão. Querendo ou não, todos os envolvidos se colocam num abismo pessoal de sua própria maneira.
Falar de coisas dando errado chega a ser constatar o óbvio. A raiz da maioria dos conflitos é a presença de quebra de expectativa, algo dando errado e exigindo uma mudança de atitude do personagem a fim de que continue em direção aos seus objetivos. É ainda mais verdade no caso do Noir, em que o fracasso é uma sombra eternamente perseguindo e freqüentemente engolindo os personagens antes do final de tudo. Então, sim, uma parte elementar de toda a história, para além de todo o planejamento e execução do roubo, se dá na forma das rachaduras se expandindo até que o dano seja irreparável. “The Asphalt Jungle”, como a maior parte de seu gênero, depende muito de como a ruína vem a ser. E é exatamente por isso que ele perde parte de sua força quando isso acontece num tom praguejado de casualidade.
Talvez seja a falta de surpresa ou a aparente vagarosidade de como cada erosão cresce e se torna mais profunda, isto é, como os planos dão mais e mais errado até culminar em um estado definitivo. “The Asphalt Jungle”, diferente de outros Noir, dedica um tempo considerável a este quesito sem previamente criar um aumento de tensão progressivo de forma que a energia chegue em um nível alto e possua boa margem para que a redução inerente de um longo período nunca seja muito sentida. A força do final, por exemplo, depende de um eco de roteiro enunciado em um só diálogo de mais de uma hora e meia antes. Dificilmente é o que se chamaria de resgate dramático, mesmo com a direção de Huston novamente se destacando na idealização imagética da cena.
O campo das atuações traz suas próprias particularidades também. De um lado, prazeres pequenos como Marilyn Monroe em um de seus primeiros papéis e no que eu chamaria, particularmente, de seu ápice de beleza por ainda estar intocada pela agressiva fabricação de imagem de Hollywood, que ainda não tinha moldado rigidamente sua persona nas telas. Ver Louis Calhern lutando para manter sentimentos reprimidos enquanto deixa sua personalidade de advogado e negociador assumir em alguns pontos, traços de seu conflito real vazando pelas costuras, é outro dos deleites oferecidos por “The Asphalt Jungle”, assim como Sam Jaffe como o meliante alemão. Infelizmente, tais interpretações competentes trazem consigo o infeliz efeito resultante da comparação, na qual Sterling Hayden se sai visivelmente pior que todo o resto do elenco com sua dicção atropelada e exageradamente tentando soar máscula em todas as frases. É o que o senso comum chamaria de atuação no estilo clássico hollywoodiano, falando rápido e durão; talvez corretamente até certo ponto e com certeza sem o mesmo sucesso de outros atores.