Frank Bullitt (Steve McQueen) tem certa fama dentro do departamento de polícia e por esse motivo é requisitado diretamente por Walter Chalmers (Robert Vaughn) para resolver um assunto delicado. Johnny Ross está sendo caçado pelos criminosos que pretende delatar em uma audição pública e precisa da proteção da polícia até dar seu depoimento e cumprir as expectativas de Chalmers, que pretende ver sua carreira decolar depois de tal vitória contra o crime. A situação complica quando Ross é baleado por assassinos profissionais em seu esconderijo junto com o policial que o acompanhava. Frank Bullitt não pretende deixar isso barato e parte para perseguir os responsáveis a qualquer custo.
Talvez “Bullitt” seja um precursor daquilo que viria a se tornar uma característica comum do gênero Ação nas décadas posteriores. São inúmeros os exemplos de obras sem vergonha de demonstrar quão simples e até pobres são na parte humana da história, com algumas suprimindo ativamente qualquer tentativa de aprofundamento porque consideram a ação como o único aspecto digno de atenção. Não se trata de dizer que ele não é mais importante, mas esquecer do resto também não é uma solução inteligente. É mais ou menos o que se vê aqui quando praticamente todo o diálogo e desenvolvimento de enredo envolvendo interações humanas têm papéis notavelmente menores. Felizmente, nem de longe é um exemplo vergonhoso como alguns vistos anos mais tarde, em que o diálogo e os personagens seriam melhor escritos pela compreensão limitada de um chimpanzé. É uma saída relativamente esperta de limitar as palavras para limitar, assim, as oportunidades de deslizar feio. Apenas um gostinho desse lado ruim se nota na relação do protagonista com sua namorada, um arco dramático que parte de lugar algum e progride precipitadamente sem um argumento sólido.
Ao menos esse estilo de diálogo de poucas palavras funciona perfeitamente para o personagem que Steve McQueen cria. A impressão inicial não é de que o roteiro mantém as frases curtas e as conversas breves de propósito, e sim de que o próprio Frank Bullitt é um cara de personalidade fechada e quase anti-social. As pessoas até tentam falar um pouco com ele, que apenas responde com pausas constrangedoras seguidas de respostas objetivas e conclusivas. Se alguém pergunta qualquer coisa a mais do que o necessário, ele responde com a informação e nada mais; fala o que quer e tenta conseguir o que deseja da pessoa, fim. É só mais tarde que se pode perceber que as poucas palavras não são exclusivas do protagonista, apenas acontece de McQueen conseguir absorver tal característica melhor que o resto do elenco em seu personagem.
Isso é ótimo. Pelo menos a parte mais importante da experiência se sai bem nas circunstâncias peculiares proporcionadas. Pouco se liga para a personalidade do Detetive Delgetti, do Sargento Stanton ou do Capitão Bennet. Todos são coadjuvantes de pequena relevância em um enredo enxuto por natureza, focado principalmente na investigação e nos planos do protagonista para resolver sua situação complicada. Como há pouco espaço para drama e desenvolvimento de personagem, é de se celebrar que ao menos o protagonista consegue operar bem dentro dos moldes, transformar as poucas palavras em um traço anti-social de um homem que vê morte com freqüência e pode tomar um tiro no que seria um dia de trabalho qualquer para outra pessoa. Como alguns pontos mostram, “Bullitt” até poderia ter explorado os impactos de uma rotina desumana melhor do que faz. Do jeito como está, parece que apenas Steve McQueen fez seu dever de casa enquanto o próprio roteiro deixa a desejar.
Uma ramificação curiosa dessa objetividade extrema, desse foco em falar apenas o necessário em interações interpessoais, pode ser notada também naquilo que se mostra um dos aspectos mais interessantes. “Bullitt” tem uma mensagem, ou melhor, uma filosofia por trás de seu enredo que enriquece muito eventos que seriam mais banais sem isso. Toda a seqüência de ação final, por exemplo, cresce muito dessa forma. Analisando em termos de direção, ela é competente por instigar tensão: o protagonista procura seu alvo num ambiente favorável para quem quer sumir, seja no meio de outras pessoas ou no escuro, então a chance de fracasso é real e notável. Por fim chega o momento da conclusão deste conflito e não há espetáculo, não há uma trilha sonora triunfante ou uma grande celebração reconhecendo o valor do protagonista ou exaltando a derrota do vilão. Só há a nudez da realidade e os fatos crus aguardando o espectador. É um pouco do que se encontra em alguns filmes europeus e seus finais um tanto súbitos e pouco românticos — lembro da sensação sentida em “Jules et Jim” e “Mouchette“. Poderia dar muito errado e parecer um evento fraco para concluir uma obra inteira, porém aqui se trata de um ponto final adequado para tudo o que se viu antes: uma história sobre um personagem que prefere não gastar seu tempo com frases de efeito e se preocupa com o necessário apenas.
Objetividade encontra reflexo no ritmo de “Bullitt”. De todas suas qualidades, não são as cenas de ação que carregam a obra nas costas, embora seja de fato memorável a longa perseguição de Mustang pelas colinas de São Francisco. A força da experiência, mesmo assim, não se encontra em tais momentos, mas em como uma cena se liga a próxima energicamente e com a fluidez que carrega o espectador por horas de filme sem esforço. Não se trata apenas de acelerar o ritmo como alguns cineastas imaginam, mas de montar o conteúdo de forma que exista uma relação causal dinâmica que está sempre levando a obra para frente. Isso por vezes significa momentos de suspensão de descrença aumentada, tal como o protagonista encontrar informação ou chegar numa conclusão entre cenas sem que o filme explique isso de fato. Talvez o benefício de um ritmo melhor cadenciado tenha sido maior do que o defeito da falta de lógica.
“Bullitt”, como dito anteriormente, tem um pouco da identidade dos filmes de Ação das décadas seguintes de focar na adrenalina e esquecer do resto. É uma equação com alto risco de dar errado, vide tantos filmes vazios e genéricos por aí que nem ao menos se preocupam em criar um protagonista interessante. Nem sempre se trata da existência de drama e humanidade na história, mas do mínimo de caracterização para manter o espectador interessado. É isso que se encontra aqui. Por mais que existam pequenos defeitos nos diálogos limitados e em alguns saltos de lógica súbitos, a experiência conserva seu valor em outros aspectos bem melhor trabalhados.