Tendo recentemente comprado a coleção de filmes de Ingmar Bergman da Criterion Collection, deparei-me com um detalhe peculiar: os filmes não foram organizados por ordem cronológica como costuma acontecer com boxes desse tipo. No lugar disso, a coleção foi organizada como se fosse um festival de cinema, uma retrospectiva do trabalho do diretor dividida em noite de abertura, três categorias de exibição e uma noite de encerramento. “Sorrisos de uma Noite de Amor” funciona como a grande estréia de tal festival fantasioso, iniciando uma longa jornada de quase 40 filmes com uma partida dos comuns temas dramáticos para algo mais leve, uma comédia de amores ocupando lugares errados.
Fredrik Egerman (Gunnar Björnstrand) é o que todo jovem advogado sonha ser. Ele tem dinheiro, um belo escritório, assistentes para todas as funções e uma jovem esposa de 19 anos esperando em casa. As pessoas sabem quem ele é e até mesmo sobre suas aventuras na vida pessoal, inclusive o caso que ele teve com a famosa atriz Desiree Armfekdt (Eva Dahlbeck) por alguns anos. Quando os dois se reencontram numa ocasião em que a artista está na cidade se apresentando numa peça de teatro, começa uma série de jogos envolvendo uniões infelizes, ciúmes, possessão e desejos mal direcionados. Mas tudo há de se resolver com os três sorrisos de uma noite de verão.
Não é muito comum ver isso acontecer e é ainda menos comentado por não ser um assunto a que as pessoas reagem bem. De qualquer forma, às vezes há uma situação em que um casal não tem nada a ver, uma pessoa não combina com a outra e deixa evidente para todos de fora que é uma união esquisita. Ou melhor, há situações com dois ou mais casais assim num mesmo grupo e em que é possível imaginar uma reorganização que combinaria as pessoas melhor. Não se vê uma boa explicação para tais uniões estranhas e, não surpreendentemente, elas frequentemente duram muito pouco. Mas e se fosse possível trocar as pessoas de lugar? “Sorrisos de uma Noite de Amor” brinca com essa noção sem esquecer completamente da carga dolorosa que pode acompanhar tal processo de reordenação envolvendo rompimentos e aproximações súbitos.
Mesmo assim, às vezes parece absurdo como os personagens abordam tão diretamente a idéia de trocar casais como se não fosse nada. É claro que existe algo inerentemente controverso em pensar, por exemplo, que tal pessoa ou até si mesmo faria um par mais apropriado com outro alguém. Assim acontece que se tenta não pensar no assunto, muito menos falar sobre e fazer algo a respeito, então, é praticamente uma não opção. “Sorrisos de uma Noite de Amor” às vezes parece tratar isso de forma um tanto leviana e simplista por mais que se pense em suspensão de descrença e que é um evento possível apenas no universo do cinema. A expectativa de ver uma idéia polêmica colocada em prática nasce e morre numa mesma obra, criada quando o enredo inesperadamente a aborda e morre quando tudo acontece mais através de um arranjo brando do que por um plano bem pensado. É o único problema da obra, francamente, e um não tão grave.
Há de se argumentar que a importância de fato não está tanto nos detalhes concretos, e sim nos temas maiores da história. “Sorrisos de uma Noite de Amor” fala de encontrar amor, de não encontrar amor e de todas as desculpas às vezes criadas para justificar decisões que no fundo a pessoa sabe que são equivocadas. É como o caso do protagonista, Fredrik Egerman, e sua escolha de tomar uma esposa de 19 anos e toda a imaturidade que acompanha esta característica. Todos os comentários das pessoas de fora evidenciam algo que o personagem só não vê porque não quer, ele se esforça para encontrar razões para justificar sua escolha de tomar uma esposa jovem e tola, o completo oposto de sua personalidade sóbria e pragmática. Mais freqüentemente do que não, a vida mostra os frutos da insistência no erro até o final e o resultado, por mais intenso que seja, nunca é totalmente inesperado.
Este tipo de olhar para dentro é que diferencia “Sorrisos de uma Noite de Amor” de outras obras que tomam o risco de representar um lado incomum na realidade, algo que poderia ser apontado como a marca de Ingmar Bergman na história. É ela que se encontra no melhor de seus filmes e ela que evita que alguns eventos da premissa se deixem afetar demais por sua extravagância. A própria explicação por trás do título já traz consigo uma carga de significado e brilho a eventos que seriam mais brandos sem a conexão com os sorrisos de uma noite de verão. É uma parte pequena, considerando a obra como um todo, mas de impacto surpreendentemente maior que a natureza modesta da analogia. Aliás, seria mais fácil chamar de poesia e também não seria surpresa se a obra inteira tivesse nascido dela, com todos os eventos se desdobrando a partir da idéia condensada no título.
O mesmo valor positivo pode ser atribuído aos personagens. A trama se constrói principalmente através da interação entre personagens, logo é essencial que eles sejam pessoas por quem o espectador se interesse. Exceto talvez pelo melodramático ator interpretando o filho de Fredrik, o resto do elenco opera na tênue linha da excentricidade beirando a caricatura sem nunca chegar neste último ponto. Digo isso porque as características de cada personagem não sugerem o acaso como sua fonte, e sim um planejamento calculado para que a rigidez e a virilidade sejam qualidades comuns entre dois amantes de uma personagem e conseqüentemente diga algo sobre as tendências românticas dela, além de estabelecer palco para um conflito entre os dois homens. Exaltando personalidades até próximo do limite do aceitável, “Sorrisos de uma Noite de Amor” agrega substância às idéias simples de sua trama. Por mais que não seja um dos melhores de Ingmar Bergman, ainda conserva traços também encontrados em outros trabalhos mais memoráveis.