Laputa é uma lenda conhecida por poucos, mas estes mesmos poucos costumam ser obcecados por ela. O castelo no céu intriga todos que ouvem falar dele. A garotinha Sheeta é perseguida por estes obcecados justamente por ser uma das poucas conexões existentes com esta lenda. Um grupo de piratas quer chegar no castelo para saquear as riquezas infinitas abandonadas por quem morava lá, já outro grupo de militares liderados por uma figura obscura tem planos desconhecidos em mente. Quando uma das fugas de Sheeta a coloca na superfície e ela é acolhida pelo jovem Pazu, eles tentam dar um jeito de escapar dos facínoras e encontrar o tal castelo escondido.
Pensar a respeito de “O Castelo no Céu” não tem sido tão fácil como normalmente é na maioria das análises. É um como não ter nada em especial para falar de bem ou de mal, mais por falta de elementos causando uma impressão significativamente positiva ou negativa. Isso não quer dizer que falta um julgamento geral sobre a obra, pois tenho certo na minha cabeça o quanto que gostei dela, algo como a nota final. Ao pensar nas razões por trás dessa nota, por outro lado, a confusão começa porque os mesmos motivos por trás do sucesso maior de “Porco Rosso” ou “Princesa Mononoke” são vistos aqui sem a mesma impressão forte.
Uma releitura do mundo banal com elementos fantásticos, mas nem tanto. A vida das pessoas na superfície tão normal quanto poderia ser, com as pessoas acordando cedo para ir trabalhar na mina e voltar no final da tarde; avózinhas preparam alguma comida gostosa no forno, os homens voltam com os músculos lustrados de carvão e suor, tudo nos conformes da normalidade. Ao mesmo tempo, existe uma família de piratas do ar voando em dirigíveis e mini-helicópteros funcionando com asas tipo as de libélulas, além do exército também usar fortalezas voadores parecidas com o que se veria na série Final Fantasy muitos anos mais tarde. O mais místico que se chega é um castelo que voa e um amuleto que permite levitação. São elementos impossíveis de existir na realidade, porém nenhum que extrapole a fantasia longe demais.
Na verdade, não é tão surpreendente os mesmos elementos resultarem em produtos diferentes. Praticamente toda série longa possui um ou mais produtos muito abaixo ou acima da média. O porém neste caso é que a diferença não é notável a ponto de se poder dizer que algum quesito falha muito mais fortemente. “O Castelo no Céu” sofre daquilo que pode ser chamado de um sucesso mais modesto, o que não é realmente sofrimento algum. Talvez ter visto outras obras melhores de Hayao Miyazaki tenha amenizado o impacto dessa, que talvez poderia parecer no mínimo um pouco mais original se tivesse sido vista antes.
Como dito, a questão não é “O Castelo no Céu” ser pior, apenas um pouco menos impactante que seus similares. Comparar com outras obras é prejudicial para o sucesso individual desta, que nem de longe passa por uma experiência incompleta ou frustrante. E como já de praxe dos filmes do Estúdio Ghibli, a trilha sonora é o aspecto dominante da experiência. As melodias sequer tentam roubar a cena ao serem tocadas num volume modesto e apenas complementar às imagens. Mesmo assim, nunca passam batidas. Há ao menos um momento em toda grande seqüência para relembrar o espectador da virtuosidade de Joe Hisashi conduzindo a ação quase que espontaneamente, sem esforço aparente. Não é verdade, claro, pois não há como algo de tamanha harmonia entre som e imagem surgir do nada.
Os mesmos elogios podem ser rasgados para a qualidade do desenho. “O Castelo no Céu” captura elabora sua identidade singular principalmente pela forma como cada ambiente é construído. O vilarejo passa uma atmosfera de conforto e acolhimento, quase desperta a vontade de adormecer numa cadeira de balançar ao som do crepitar da fogueira morrendo devagar. E subitamente isso muda para um lugar completamente diferente, para uma fortaleza de pedra servindo de prisão para os protagonistas. O clima fica diferente. Então uma batalha, uma fuga, uma amizade construída do nada. Esses são os bons momentos de “O Castelo no Céu”, pontos altos em uma aventura competente, ainda que dificilmente comparável a outra que envolve essas surpresas e novidades a quase todo momento como “A Viagem de Chihiro“. A história sobre ganância e um castelo flutuante, em essência, não consegue ser muito cativante e muitas vezes perde o holofote para outros momentos secundários da aventura.
A única parte realmente esquisita da experiência é parecida com a de “Porco Rosso“: há uma certa enfatuação por figuras femininas infantis que não soam de todo ingênuas. Claro, não vou dizer que os dois filmes celebram pedofilia porque seria um exagero e uma acusação das grandes. Todavia, é difícil não estranhar comentários sobre a bunda grande de uma criança ou um bando de homens crescidos claramente atraídos por uma garotinha de não mais de 10 anos depois que a mãe deles fala que ela será uma mulher e tanto.
São detalhes minúsculos que só não passam despercebidos porque são muito estranhos e até gratuitos, mesmo sem fazer nenhuma diferença para o resto da história. Nunca diria que algo assim é responsável pela impressão um pouco mais morna de “O Castelo no Céu”. Ela existe por causa de um enredo simples que não aproveita completamente a vastidão de possibilidades da máquina de conceitos do Estúdio Ghibli. É como contar uma história de um cavaleiro de armadura brilhante e cavalo branco: pode até ser uma excelente história se o enredo retrabalhar o conceito, que por si não é tão atraente.