Vários nomes surgem quando se fala em sedutores lendários. Don Juan de Marco, Marquis de Sade, Clark Gable, Honore de Balzac, Warren Beatty e vários outros pertencentes à ficção, entre eles James Bond, Barney Stinson, Hank Moody e Don Draper. São muitos, incluindo ditadores e monarcas que abusavam de sua posição de poder para conseguir estes benefícios, e um número ainda maior de pessoas que admiram e levam esses homens como ídolos e seus feitos como metas. Entre alguns dos mais famosos está Giacomo Casanova, a referência principal quando se fala em sedutor italiano.
Giacomo Casanova (Donald Sutherland) é um aventureiro por natureza, desbravando principalmente os oceanos de lençóis entre as pernas das moças curiosas por uma noite com ele. A vida do rapaz se resume a visitar os lugares que lhe apetecem e passar quanto tempo julgar suficiente até encontrar algum outro atrativo em outro lugar distante ou não, mas que certamente envolverá a companhia de uma bela moça a ser enfatuada por sua erudição e diversa experiência em aventuras erráticas pelo continente. Este é o retrato de alguém tornado famoso por fazer tudo ao mesmo tempo sem fazer nada, uma enorme coleção de grandes feitos vazios.
Feitos vazios? Mas como pode ser isso, sendo ele uma figura admirada mais de dois séculos após sua morte? Bem, tudo depende do ponto de vista. Há quem não ache que uma vagina é o centro da existência humana, aquilo que vale mais do que qualquer quantia em ouro e faz qualquer tempo gasto valer a pena. Há quem ache o órgão feminino excelente, mas não a ponto de dedicar a maior parte da vida buscando conquistar o maior número a todo custo. Assim, há uma razão para esse filme se chamar “Casanova de Fellini”, uma maior que o diretor ser tão renomado na indústria a ponto de seu sobrenome fazer parte dos títulos — e não é exclusividade da tradução brasileira, o original se chama “Il Casanova di Federico Fellini”. Bem, talvez haja um pouco de ego, mas não é só isso.
Costuma-se dizer que contadores de histórias devem amar seus heróis e também seus vilões, talvez até mais que os heróis porque é fácil demais reunir qualidades negativas em um personagem que eventualmente será completamente detestável. Caso isso aconteça, faltará motivo para o público se relacionar com o vilão em um nível mais profundo do que o desprezo, algo que dizem ser pior até mesmo que o ódio. E Fellini aparentemente já declarara antes do início da produção que não gostava da figura da Giacomo Casanova. Bem, por que fazer um filme sobre ele então? Difícil dizer, mas algo muda no meio do caminho por conta da obra não cometer o erro de não gostar de seu protagonista e conseqüentemente o espectador fazer o mesmo. A própria página do filme na Wikipédia aponta que o diretor reconsiderou sua posição, então talvez essa criação de empatia pela figura do personagem tenha salvado a obra.
Mesmo assim, fica claro que Federico Fellini não morre de amores por Casanova. Embora também seja conhecido em parte por amar as mulheres e algumas outras partes específicas de seus corpos, o diretor não se mostra um fã do homem conhecido por ter uma coleção de quase 1000 aventuras sexuais, algo que até poderia fazer sentido dado o gosto similar dos dois. O que se vê na representação de “Casanova de Fellini” é, antes de mais nada, uma estrutura narrativamente solta e episódica de vários eventos da vida do famoso sedutor conforme ele viaja de cidade em cidade, de uma ilha situada no meio do nada para encontrar uma moça vestida de freira até uma estalagem no interior do país para participar de uma orgia inesperada. Neste ponto, as histórias de Fellini tinham menos da estrutura padrão e mais um fluxo de tema, tom e estilo. Saltos de um lugar para outro a centenas de quilômetros de distância unidos pela natureza dos eventos que ocorrem nos dois locais.
“Casanova de Fellini” é esquisito num primeiro momento. A idéia de sátira crítica do diretor não parece funcionar muito bem porque tudo é Fellinizado, como se modos, costumes e vestimentas da época excêntricos por natureza tivessem esse fator amplificado. Em cima disso ainda há uma camada de exagero teatral nas atuações durante os atos sexuais e um artifício narrativo representado por um pássaro mecânico sempre acompanhado de uma melodia debochada de Nino Rota na trilha sonora. Não desce exatamente bem, mas aos poucos passaa fazer sentido conforme nasce a visão do diretor sobre a vida do protagonista. Se o sexo, algo que resume a reputação de Casanova, não é levado a sério, o que se extrai disso? Claramente não há admiração pela odisséia sexual, mas pelo menos a empatia por essa condição miserável se nota conforme o próprio protagonista reflete sobre sua situação ao longo da história.
Romantizar o ato sexual seria o mesmo que celebrar a virtuosidade erótica do personagem, então se busca uma alternativa de transformar tudo em um grande teatro onde o protagonista faz o papel de palhaço triste, relativamente. Não obstante, o conceito às vezes soa pouco para uma obra com mais de 2h30 de duração e isso se reflete em seqüências que não parecem essenciais para a compreensão da grande mensagem da obra. Tratando de um roteiro episódico, alguns poderiam ficar de fora por outros cumprirem sua função bem o bastante. Já outros elementos são acertos completos por funcionarem como a cola entre todas essas seqüências distantes: a interpretação certeira de Donald Sutherland fazendo o personagem ganhar vida através da comunicação não verbal enquanto a verbal se perde um pouco na dublagem italiana; e a estética da produção em conjunto com o figurino, altamente beneficiado pelas livres rédeas de tornar tudo mais excêntrico do que já seria naturalmente. Não é de graça que um Oscar foi dado a este último elemento.