A história é um pouco diferente com esse. Enquanto a maior parte dos filmes da primeira fase do Universo Cinematográfico Marvel normalmente é esquecida por um motivo ou outro, “Iron Man”, mesmo sendo o primeiro de todos, manteve boa reputação. Agora, quantas pessoas têm a obra relativamente fresca na memória já é outra história. Curioso é como até no caso do cinema a primeira impressão é a que fica, basta ver como as impressões mistas de “Man of Steel” projetaram uma sombra de insegurança no futuro do Universo Estendido DC. Filmes posteriores tiveram um papel na confirmação das expectativas, é claro, porém um primeiro gosto não deixa de ser um fator notável.
Tony Stark (Robert Downey Jr.) herda de seu pai o império das Indústrias Stark, um patrimônio bilionário datando dos tempos da Segunda Guerra e baseado na venda e desenvolvimento de armas. Sem todo esse dinheiro não haveria vida de playboy de carros, garotas, viagens, festas e exageros para Tony, que não tem freios em aproveitar cada centavo de sua fortuna infindável. Mas tudo muda quando ele parte para o Afeganistão para apresentar um novo míssil e é capturado por terroristas. Sua fuga surge na forma de uma armadura que o transforma em uma máquina de combate. Eis que nasce o Homem de Ferro.
Sempre há uma boa razão por trás de toda série longa, seja o Universo Cinematográfico Marvel, James Bond ou Godzilla. Adaptações de livros, especialmente dos muito populares, seguem algo parecido com um pequeno diferencial de ter um público relativamente garantido, tão substancial quanto a popularidade da obra em questão. Mas até mesmo esses últimos dependem de um acerto inicial para liberar a produção de continuações ou expansões de universo. Essencialmente, “Iron Man” é exatamente isso, algo que deu certo o bastante e marcou época por se diferenciar da maioria dos filmes de super-herói do passado em vários sentidos. Abordagem, tom, efeitos especiais e até qualidade propriamente dita. Houve algo de especial aqui: para o estúdio, o lucro incentivou novas produções; para o público, a qualidade despertou o interesse pelo que viria a seguir.
Para não dizer que a maior parte do subgênero era de qualidade questionável — uma inverdade por conta de “Batman Begins”, “The Dark Knight” e “Hellboy”, entre outros — “Iron Man” se exalta por ser único em seu tempo. A trilogia de Christopher Nolan do Batman não foi a primeira com histórias se levando a sério, assim como a presença de humor não é exclusiva ao longa da Marvel. Algo mais deu certo em ambos os casos para fazer as pessoas valorizá-los e eventualmente aguardar por mais. O caminho trilhado é diferente nos dois casos, ao passo que o resultado atingido é similar quando se tem uma perspectiva de longo prazo. O primeiro, querendo ou não, foi uma influência forte para a entonação sóbria do começo do Universo Estendido DC; já o segundo deu início a um universo compartilhado em seu vigésimo segundo capítulo atualmente.
A influência de Robert Downey Jr. é um ponto relativamente óbvio e bem comentado, não menos importante e curioso. É freqüente ouvir comentários sobre a carreira do ator não estar na melhor das fases na época, de seu salário baixo e de grande parte da performance ter sido improvisada. Apenas este terceiro elemento importa tratando de impacto direto na qualidade do filme. Improvisação normalmente faz as pessoas pensarem no talento imenso do ator para falar a primeira coisa vinda à mente, qualquer coisa e ainda ter um ar de proficiência ao invés de mal preparado. Isso está certo em partes: é de se admirar, embora de forma alguma seja espontâneo e puramente oriundo de talento, há preparação e muita por trás de um improviso coerente com o contexto de cena e as características de personagem. “Iron Man” se beneficia muito de protagonista e ator em sintonia. Downey Jr. fala por cima de outros atores, às vezes parece tão imerso em seu próprio mundinho que poderia muito bem-estar atuando sozinho caso não fosse típico de Tony Stark responder as próprias perguntas freqüentemente sarcásticas e banhar-se nas águas de seu narcisismo. Não é acidente nem milagre isso funcionar, trata-se de direcionar o esforço para o lugar certo.
Então, sim, existe um homem debaixo da armadura e o resto de “Iron Man” se ajusta mais a ele do que à persona recém-criada do Homem de Ferro. Indo na direção oposta da seriedade sem necessariamente depender de gracinhas constantes, algo que viria a ser comum mais adiante, “Iron Man” como um todo funciona como uma extensão da persona de Tony Stark. Há um tom despreocupado na narrativa, leve e despretensioso. “AC/DC” e “Black Sabbath” tocam e é fácil imaginar o protagonista escutando isso enquanto desenvolve uma tecnologia revolucionária. Ele constrói uma armadura nunca vista antes, se torna um super-herói e não perde a pose, muito menos tenta suprimir o orgulho que sente de si mesmo. Tal leveza se traduz como confiança do filme em sua própria abordagem abertamente desconectada do passado do subgênero. Funciona individualmente por demonstrar foco e visão, essenciais para uma obra unificada em seus diversos elementos, e também numa visão geral por conta da tendência duradoura estabelecida.
Um ponto relativamente negativo dessa influência no futuro do MCU é a confusão de outros roteiristas considerarem a ação reduzida daqui como parte da fórmula em vez de uma particularidade. Realmente não há muita ação no sentido clássico da palavra, herói e vilão trocando murros e usando seus poderes ao máximo até que um prevaleça. Não necessariamente é necessário ver pancadaria aberta, embora isso muitas vezes funcione, muitas vezes a graça é ver Tony Stark empolgado em construir sua armadura e já testar a função de vôo no calor do momento como uma criança com um brinquedo novo. Há alternância e ritmo e valor narrativo de uma vez só aqui, duas coisas que nem sempre se encontram juntas, apesar de deverem. Por fim, o que dizer da criação de uma cena pós-créditos? Parece besteira hoje em dia, mas ver algo do tipo pela primeira vez depois de uma obra exalando a segurança de que haveria, sim, um Universo a se criar é a cereja o bolo de fato, usando a expressão mais comum aplicável.