A derrota por pontos contra “Pretty” Ricky Conlan não abala a determinação de Adonis Creed (Michael B. Jordan) de se tornar o campeão de boxe peso pesado. Os anos trazem vitórias atrás de vitórias até que o rapaz finalmente conquista o título tão almejado e chega onde quer. Mas ainda falta algo. Ele ainda não se sente completo com sua grande conquista e a chegada de um oponente trazendo de volta seu passado certamente não ajuda em nada. Um desafio chega direto da Ucrânia: Ivan Drago (Dolph Lundgren), o homem que matou Apollo Creed, volta à América com seu filho Viktor (Florian Munteanu) para tomar o título recém conquistado de Adonis. “Creed II” segue os passos das continuações do primeiro “Rocky” sem a mesma elegância de seu predecessor, porém ainda é uma experiência de vários pontos altos no geral.
“Creed” foi um golpe inesperado. Com tantos outros remakes, reboots e continuações de clássicos saindo, um filme novo da série “Rocky” não era inesperado ou mesmo antecipado. Havia o risco de ser uma mancha desnecessária após uma conclusão satisfatória para o personagem em “Rocky Balboa”, talvez uma cópia pesada da mesma forma que foi “Star Wars: The Force Awakens“. Então o filme foi lançado e quaisquer expectativas negativas e temores sumiram rapidamente. Sim, a estrutura básica e muitos elementos específicos do roteiro retornaram com uma cara diferente, só que nada soou como um trabalho preguiçoso buscando apenas o lucro de fãs imersos em nostalgia. As diferenças se destacaram o bastante para dar um toque de originalidade à história. “Creed II”, por sua vez, tinha um mundo inteiro para seguir após o primeiro ressuscitar a série usando ferramentas familiares. E o que ele faz? Mantém-se dentro da zona de conforto e escolhe elementos facilmente identificáveis de continuações do passado para construir sua história.
Mas também não é uma lógica tão óbvia a ponto de transformar “Creed II” em “Rocky II”, ambos tratando da revanche do protagonista e eventual conquista do título. A trama até passa direto por esse ponto e mal estabelece direito o que aconteceu desde o primeiro, tanto que achei que o primeiro oponente vencido fosse o mesmo que derrotou Adonis antes. A partir deste ponto, o grande pecado se apresenta na forma da previsibilidade. É óbvio já no começo que a estrutura é a mesma de “Rocky III” somada aos oponentes e idéias adjacentes a eles de “Rocky IV”.
Tudo bem, pode-se argumentar que o primeiro também emprestava bastante do primeiro “Rocky”, porém aqui parece que as inspirações foram escolhidas a dedo, mecanicamente. Uma peça desse filme, essa peça desse outro, essa virada e mais esse personagem e pronto! Talvez a intenção fosse evitar algo muito ousado para não arriscar matar o sucesso iniciado há pouco tempo por seu predecessor, mas isso só importa comercialmente falando. Em termos de competência e qualidade, é uma infeliz decisão dar ao espectador algo que ele já conhece de cabo a rabo, bastando ele ter visto o que veio antes.
Também não é possível perceber o mesmo impacto da direção intensa de Ryan Coogler nas cenas de luta. Não é esforço qualquer que consegue pegar o ponto alto de uma série e elevar a um nível ainda mais alto, ainda não conhecido, por isso a direção de Coogler fez tanta diferença. Isso não significa que o desempenho em “Creed II” seja ruim, apenas existe a perceptível diferença entre o muito bom e o excelente. O lado bom é que Steven Caple Jr. aprende com o exemplo do passado e, junto com a produção, valoriza principalmente as sequências de luta. Elas são claramente o foco de todo o longa, o ponto onde o dinheiro se concentra e isso é notado nos espetáculos de iluminação: luzes apagadas no ambiente inteiro com o total controle da luz de holofotes direcionando o espectador para as fantásticas entradas dos lutadores. E tudo isso antes mesmo das lutas começarem. Quando os socos começam a ser trocados, não há como evitar o sentimento de empolgação. Querendo ou não, é como assistir a uma partida de esporte dos ângulos mais privilegiados e com toda a ênfase permitida pelo cinema e seu controle de imagens e som.
Há o grande diferencial do orçamento injetado na obra. Fotograficamente, toda a produção evoca a grandiosidade de um evento que faria a cidade inteira sair comentando sobre ele. De quebra, são imagens que ainda podem se gabar de beleza. Há cores vivas e há contraste, a nitidez de imagem típica de filmagens de esporte junto de estilização visual expandindo esse formato esteticamente. Além disso, o som tem um papel importante no impacto dos eventos. Cada golpe não é só uma deixa para o comentador dizer que o oponente sentiu esse golpe ou que Adonis está começando a dar a volta por cima, ele é praticamente sentido pelo espectador. Um soco é um estrondo nas caixas de som passando a impressão que tomar uma porrada dessa na cara não deve ser pouca coisa. Aos poucos isso evolui e logo se questiona como tal personagem ainda está de pé depois de um murro que poderia derrubar uma parede. A intensidade cresce e a cena se torna mais que um evento narrativo: é uma empolgante experiência sensorial. “Creed II” reconhece que quaisquer caminhos preparados pelo enredo fora do ringue eventualmente culmina naquilo que acontece dentro dele. Ver como essa dinâmica ainda funciona com uma fórmula previsível só deixa no ar o potencial perdido por não se investir mais na originalidade.
De certa forma, nada disso é novidade por já ter aparecido um pouco diferente em “Creed“. Falta principalmente o diferencial de ver algo conhecido ainda melhor do que antes, mas isso não impede esta continuação de funcionar como a dose de entretenimento enérgico que ela tenta ser. O problema mesmo é a estrutura ser emprestada tão explicitamente do passado da série. Conhecendo o direcionamento geral dos eventos, por mais que os detalhes sejam diferentes, abate um tanto o investimento de audiência. Sim, certas idéias podem ser tratadas como novas e algumas até chegam a dar margem para Michael B. Jordan impressionar no campo da atuação com as viradas dramáticas da trama. Uma delas, por exemplo, ressignifica a idéia original por trás da luta entre o mocinho e um membro da família Drago, algo que se constrói muito antes da luta sequer acontecer, e ainda envolve uma mudança na relação com o próprio Rocky (Sylvester Stallone). “Creed II” poderia ter seguido mais esse caminho, usando novas idéias narrativas para trabalhar o passado sem ficar à sombra dele.