Não sabia direito o que esperar depois de assistir depois de tantos anos. Em algum momento da minha infância, assisti a “E.T. the Extra-Terrestrial” na televisão durante alguma tarde de final de semana. Mas os detalhes se perderam com o tempo e apenas os momentos mais inesquecíveis e marcantes ficaram na memória, aqueles de que qualquer um lembraria. Assim, quando o filme era tratado como uma das jóias do cinema moderno 15 anos depois, só havia como concordar por memória afetiva ou discordar por segurança. De um lado, dificilmente alguém reprovaria ou discordaria por conta de todo o afeto acerca do filme. Mas e se, talvez, houvesse mais nostalgia envolvida do que competência de fato?
Num dia qualquer de um pequeno subúrbio da Califórnia, algo inacreditável acontece. Uma nave espacial pousa no meio da floresta fora da cidade e pequenos homenzinhos de cabeça grande, dedos brilhantes e pescoços que esticam saem da nave para explorar os arredores. Mas os humanos estão no encalço das criaturas e elas acabam indo embora com pressa, deixando para trás um de seus companheiros na Terra. Quem encontra o E.T. pela primeira vez é Elliott (Henry Thomas), que junto de seus irmãos Gertie (Drew Barrymore) e Michael (Robert MacNaughton), tenta ajudar a criatura a voltar para casa antes dos adultos a capturarem.
Antes mesmo de criticar qualquer coisa, é muito fácil entender por que há tanto amor envolvido em tantos discursos sobre “E.T. the Extra-Terrestrial”. Existem alguns momentos que não podem ser descritos com outras palavras além de mágico, cenas que justificam completamente sua presença em montagens de cenas icônicas do cinema. Não há como dizer que o sucesso e a magia não estão ali. Eles estão, pontualmente. São pontos altos em um resto não tão atraente, que não chega a ser incompetente nem particularmente marcante. É fácil distinguir a cena da bicicleta passando em frente à lua da subtrama envolvendo a separação dos pais de Elliott, por exemplo. Assim como os melhores momentos com o E.T. se destacam quase puramente pelo seu carisma, outros mostram os mesmos sinais de entretenimento raso de outras obras da época.
A primeira parte envolve principalmente a estranheza de ver a criatura pela primeira vez e depois se acostumar com ela. É fácil olhar fotos e achar o boneco bonito, talvez realista; achar o design encantador, talvez marcante por nunca ter sido esquecido ao longo dos anos. As memórias que se conservaram relembram o dedo com a pontinha brilhante e o peito que acende em vermelho, dos olhos azuis e do nariz arrebitado na cabeça comprida. Por fotos e nas lembranças, tudo é maravilhoso. Rever depois de mais de 10 anos mostra que a verdade, ao menos nos primeiros momentos, é bem diferente. O alienígena se mexe estranho, meio travado com suas perninhas pequenas, não reage direito ao ambiente e sugere que a nostalgia distorceu sua imagem para melhor. Por que ele se mexe tão estranho? Apesar de parecer um problema, logo fica claro que é essa a intenção de “E.T. the Extra-Terrestrial”.
A primeira impressão é bizarra mesmo e, aparentemente, é isso que a obra quer. Achar ele um anãozinho cabeçudo, travado e desajeitado é parte da impressão desejada e também é o que os outros personagens acham. Não é como se o filme tratasse o alienígena diferente daquilo que se vê, esperasse convencer o espectador dessa forma. Ele é desastrado mesmo, sem a mínima noção de como usar as coisas sem fazer uma grande sujeira no processo; não consegue pegar as coisas na mão direito porque os dedos são longos e desajeitados. E por mais que “E.T. the Extra-Terrestrial” tente fazer graça com alguns destes momentos, falhando especialmente quando esse desajuste vira galhofa total, o que importa mesmo é que esta impressão esquisita passa com o tempo. Logo, as melhores características surgem e a criatura demonstra todo o carisma conforme vai aprendendo a viver com os humanos, junto de todos seus hábitos, gestos e palavras. A história aprende a usar as limitações a favor da construção de personagem.
É a partir daí que vários dos melhores momentos de “E.T. the Extra-Terrestrial”, talvez todos eles surgem. As palavras aprendidas pelo extraterrestre tornam-se os bordões repetidos ocasionalmente e, mais tarde, as cenas memoráveis. Não muito mais do que coisas simples, como ele falar “Ouch” ou repetir “Home”, compõem estes momentos, que só dependem da sensibilidade de saber quando usá-los para que tenham sentido, graça ou algum impacto. Infelizmente, não é sempre que isso acontece ou não em quantidade o bastante para tirar a atenção de uma narrativa genérica e pouco profunda.
Em outras palavras, o enredo não depende completamente da figura do extraterrestre, está longe de tentar ser um estudo de personagem. A outra parte da história é muito menos atraente. Uma parte lida com o E.T. tentando voltar para casa, a oposição a isso sendo a perseguição dos humanos; a outra é menor e envolve as relações da família de Elliott. Essa segunda, em especial, lidera no quesito decepção por ir de nada a lugar algum. Tenta-se expor nos primeiros momentos a situação tensa dentro de casa, com o pai tendo abandonado mulher e três filhos para fugir para o México. Todos sentem falta dele, a mãe ainda não sabe lidar com a situação e é isso. De alguma forma “E.T. the Extra-Terrestrial” tenta transformar a vinda da criatura em um tipo de escapismo positivo, uma esperança de unir a família novamente que não funciona muito bem. Funciona em termos de proporcionar aventuras entre as crianças e o alien, não mais do que isso.
“E.T. the Extra-Terrestrial” costuma ser relembrado por diversos motivos. Um deles é a utilização inteligente de som e imagem na construção de personagem, como o antagonista Keys (Peter Coyote) ser filmado quase sempre da cintura para baixo e caracterizado pelo barulho do chaveiro em seu cinto. Mas quando enfim chega a revelação do tal vilão, ela passa longe de algo memorável. No geral, a experiência toda é feita de pontos altos e outros decepcionantes. Ao mesmo tempo que a trilha sonora genial de John Williams estabelece uma atmosfera de êxtase jovial e fornece palco para eventos icônicos, outras questões mais básicas deixam muito a desejar. Juntando tudo em um mesmo monte, é fácil ver como a subtrama sobre o pai ausente falham perto de outros momentos de entretenimento mais simples, como a última perseguição.
2 comments
Que análise rasa!
Peço perdão pelo vacilo.