Esta é a primeira versão que realmente atualiza o conceito dos anteriores. Comandada por Barbra Streisand e seu parceiro da época, Jon Peters, “A Star Is Born” conserva a estrutura original, eventos-chave e algumas poucas linhas de diálogo para relembrar o espectador de que ainda se trata de uma refilmagem. O resto vai de Hollywood para os bastidores do mundo da música, de um astro de cinema para um astro do rock e de números musicais para canções interpretadas pela dupla de protagonistas, dois músicos-atores. Ademais, é considerada a versão mais fraca quase unanimemente, ainda que não seja o resultado terrivelmente ofensivo que podem dar a entender.
John Norman Howard (Kris Kristofferson) é um roqueiro errático no ápice da fase drogas do clássico lema de três partes. Um gole de Jack Daniels puro, uma rápida cheirada para ficar esperto e ele está pronto para começar tudo de novo. Ou, pelo menos, é o que ele acha. John Norman está em queda livre: seus shows estão cada vez piores e seu comportamento, mais incontrolável que nunca. Por acaso ele encontra Esther Hoffman (Barbra Streisand) em uma de suas noitadas pela cidade e se sente intensamente atraído pela garota, tanto por seu talento artístico quanto por sua personalidade. Os dois logo passam a se ver e crescer juntos conforme Esther entra para o show business.
Dá para entender facilmente por que tantos se incomodaram com “A Star Is Born”: é a versão mais simplificada da história, de longe. A duração de 139 minutos — 18 a mais que a de 1937, a mais curta — pode até não indicar isso, mas é o que acontece. Esse tempo a mais é utilizado principalmente com as canções interpretadas por Kristofferson e Streisand, enquanto o tempo de narrativa tradicional corta consideravelmente alguns bons personagens, mudando não só sua função dentro do novo contexto como também sua influência nos eventos. De fato, não faria sentido trazer de volta Oliver Niles como chefe de estúdio ou Libby como assessor de imprensa porque não há espaço para eles no universo da música, ambos são produtos da era de ouro de Hollywood. A simplicidade dá as caras nessa poda de personagens, por exemplo, não compensada nem em um dos momentos mais importantes da trama. Sem assistir aos dois anteriores, seria complicado imaginar que há uma motivação por trás de um evento crítico que parece acidental da forma como é mostrado.
Isso mostra que tirá-los quase completamente da história não era como a melhor solução. A obra sofre com isso e fica praticamente resumida à relação entre John Norman e Esther Hoffman. Todo e qualquer alto e baixo provém diretamente do envolvimento dos dois enquanto os coadjuvantes participam quase como figurantes populando os cenários. Tudo isso tem origem na produção e idealização de “A Star Is Born”: era para ser mais do que uma releitura, Streisand supostamente exerceu seu poder de estrela e de produtora o máximo que pôde e transformou num show seu. Mas a versão de 1954 não foi um show de Judy Garland? Foi, mas porque desde o começo a idéia foi colocá-la no centro e aproveitar sua qualidade de atriz de vários talentos dentro do gênero Musical. Uma decisão planejada, ao contrário de imposta, como acontece aqui.
Antes mesmo do filme sair, algo sem precedentes acontece: o diretor escreve dois artigos para duas grandes revistas expondo o caos que foi a produção, mais especificamente como era difícil trabalhar com Streisand. Poucos trechos já denotam que os problemas não são as típicas discussões criativas: reclamações por mais closes — vide o final; querer escolher as tomadas em que ficava melhor; brigar com Kristofferson e aí por diante. Talvez isso explique muita coisa para todo mundo, mas devo discordar a respeito de ser a única razão para a química esquisita, mas não inexistente, entre a dupla principal. Ao menos há o bom senso de ajustar a narrativa para fazer o envolvimento do casal ter tempo de tela e assim justificar todas as viradas que partem dele. Mesmo que a atração entre os dois não seja flamejante como a foto da capa sugere, o enredo cria uma boa porção de momentos entre os dois para indicar o quanto eles são unidos.
Se for para apontar o dedo para indicar um grande culpado pelos problemas de “A Star Is Born”, diria que é a própria Barbra Streisand. Talvez não tanto pela comentada mania de controle sobre a produção inteira, mas por sua performance como atriz. Para que exista química entre duas pessoas, é matemática básica, um mais um. Se um não quer, dois não fazem e assim por diante. Olhar para ela interpretando Esther é vê-la no caminho certo fazendo as coisas erradas. A nova versão da personagem é mais ativa, independente e de gênio forte; já não é mais a garota do interior perdida em Hollywood ou a cantora talentosa de ambição limitada. De começo, parece uma atualização interessante da personagem por conta do próprio John Norman ser um homem mais quebrado que seus predecessores. Ela não só é conduzida até crescer e se tornar grande, como já detém uma personalidade forte desde o começo. Infelizmente, demora pouco para esta faixada mostrar que é só isso, apenas potencial não alcançado pela atriz responsável.
Por outro lado, não se pode dizer o mesmo de sua capacidade como cantora. As canções de “A Star Is Born” evitam que esta seja uma tentativa rasa e falha de refilmagem, do tipo que faz as pessoas torcerem o nariz quando escutam uma notícia sobre Hollywood revisitar um clássico. Streisand pode não ser boa atriz, mas essa mulher sabe cantar e não é pouco. Sua introdução e primeira apresentação são, de longe, as demonstrações mais poderosas de talento entre todos os “A Star Is Born”. Quando ela solta a voz, vem junto a impressão de que, sim, nasce uma estrela. Por todo o destaque que exigiu, a cantora-atriz não deixa de impressionar quando começa a cantar e faz o espectador pensar que ela realmente é um achado, não um rostinho bonito na multidão.
Quanto aos números interpretados por Kris Kristofferson, estes não são nem de longe tão bombásticos. Não aqueles em que está sozinho, pelo menos, mas isso é facilmente justificável e coerente com o estado decadente de seu personagem. Seus shows devem ser ruins e as pessoas devem sair desapontadas porque ele está em má forma. Deixando claro, não são composições ruins ou mal executadas. Kristofferson inclusive compensa a balança dramática com uma interpretação claramente mais investida e competente que a de sua parceira. É visível a credibilidade que ele dá ao estado grave da crise de John Norman, o tipo de eficiência que cria um plano de fundo para o papel sem que haja exposição; está nos olhos, na expressão do ator, o ar de traumas e coisas mal resolvidas que ainda incomodam no presente.
Sem a música, “A Star Is Born” seria muito pior do que é, talvez um fiasco ofensivo para o legado anterior. Com ela, até mesmo a tentativa de fazer o casal Kristofferson-Streisand ser o carro-chefe da obra funciona ocasionalmente. Basta os dois sentarem para tentar compor algo juntos e cantar juntos para que a química pretendida dê sinais breves de vida, como quando toca o dueto “Lost Inside of You”. Não é para menos que a trilha sonora eventualmente vendeu mais de 15 milhões de cópias e “Evergreen” se tornou um dos maiores hits da carreira de Streisand. É o irmão menos favorecido dos outros dois filmes, mas ainda assim se salva por alguns pontos fortes.