“A Star is Born” não muda muito de seu predecessor de 1937. Dessa vez, Esther Blodgett (Judy Garland) é cantora e dançarina que toca em um modesto grupo de Jazz por todo o país. Numa parada em Hollywood, ela se apresenta diante de uma platéia de ambos celebridades e gente normal, esbarrando por acidente com Norman Maine (James Mason), decadente astro do cinema, em mais um de seus freqüentes episódios embriagados. Depois de evitar que ele passe uma vergonha monumental, ela é introduzida pelo ator no vistoso e irresistível mundo da fama.
O primeiro retorno de “A Star is Born” pode ser considerado também o mais popular. Judy Garland novamente resgata sua carreira de por diversos altos e baixos, inconstância encontrada também em sua vida pessoal da atriz e parcialmente responsável por seus problemas profissionais. Ironicamente, a mesma obra que representou um dos maiores picos de popularidade e sucesso resultou eventualmente em mais um motivo para tristeza. Por um lado, foi indicada ao Oscar e Globo de Ouro em 1955; por outro, perdeu o primeiro prêmio para Grace Kelly em mais um item da coleção de decisões polêmicas da Academia. Outro começo de derrocada para uma atriz em constante inconstância. No entanto, não há como descrever este filme como qualquer outra coisa além de uma adição respeitável a um legado resiste até hoje. Falhas aqui e ali não mudam o fato deste ser um show de Judy Garland.
De todas as mudanças vistas aqui, essa é uma das mais notáveis por estar diretamente ligada à outra: a presença de uma série de números musicais reforça o protagonismo maior de Esther. Ambos são detalhes que fazem toda a diferença na hora de colocar “A Star is Born” diante de sua contraparte de 17 anos antes. O foco narrativo claramente muda para Esther e o drama individual que enfrenta ao sair de uma vida comum para encontrar uma rotina totalmente diferente entre trabalhar para um grande estúdio e viver com um marido autodestrutivo. Já não se trata mais tanto daquilo que se sacrifica quando se tem um sonho, de tudo que fica no caminho conforme se progride na estrada do sucesso. Há um peso menor no preço pago e na ponderação a respeito de valer a pena, no lugar disso havendo mais destaque à protagonista e seus feitos durante a caminhada da fama.
Antes mesmo dela entrar em palco, aliás, o novo foco dá as caras nos visuais. A horizontalidade do formato Cinemascope ostenta composições com vida e conteúdo em todas as porções do quadro. Gente entrando, gente saindo, um cavalo cruzando os bastidores enquanto bailarinas passam em primeiro plano e Norman Maine surge de “white tie” tentando montar em um dos animais. Mais do que nas dificuldades, a história se centra no aspecto extravagante e diferenciado de uma vida de estrela. Em seguida, “A Star is Born” entra com um grande número de Garland cantando e dançando em um palco com outros dois rapazes, no qual demonstra o incrível vozeirão herdado por sua filha, Liza Minnelli, em uma canção característica de outros musicais da época. Uma voz principal e outras duas em coro como reforço enquanto os astros caminham, rodam e sapateiam pelo palco, ritmo visual em perfeita consonância com o ritmo musical das canções. Eis que surge a primeira diferença em Esther Blodgett: ela já não é mais uma garota do meio do nada tentando o sonho de grandeza, é uma grande artista desde o começo.
Os números musicais são todos interpretados por Judy Garland e, assim como da mise-en-scène, não se pode reclamar da forma como se executa a decisão artística de favorecer o lado vistoso da fama. A atriz demonstra uma proficiência até então desconhecida por mim. Mais do que isso, impressiona a ponto de ser fácil imaginar ela acompanhando Gene Kelly ou Fred Astaire sem dificuldade. Ela realmente faz valer o protagonismo que recebe, mostra que há algo a ser visto na grande estrela de “A Star is Born” ao demonstrar o pacote completo. Constantemente solta a voz para ouvidos mais do que receptíveis, qualidade inevitável quando alguém canta tão bem músicas igualmente agradáveis; brilha na dança em seu aspecto clássico de demonstrar domínio de coreografia, além de sair-se bem nas que simulam o improviso; e ainda não decepciona na representação de uma personagem carismática, mesmo parecendo um pouco velha para o papel.
Mas nem tudo são flores. Se, por um lado, a mudança no enredo é bem trabalhada no geral e não se coloca automaticamente como um problema diante do “A Star is Born” de 1937, existem alguns detalhes evidentes. A história pontualmente sofre das limitações de Garland em algumas exigentes cenas dramáticas, nas quais dificilmente convence que está tendo algo mais que um chilique em vez de uma crise emocional. Mas nada se iguala a James Mason como Norman Maine, uma pulga atrás da orelha que faz sua presença sentida. Ele não atua mal, não ofensivamente ou incomodamente mal no sentido padrão da expressão. Sinto que o seu é um caso de escolha errada de elenco. Ele faz o que sabe e, infelizmente, isso não é o que combina com seu papel.
Deixando claro, não se trata de esperar um Fredric March de Mason, visto que o roteiro como um todo muda as prioridades e, conseqüentemente, os personagens. Este último tem um ar exuberante e chamativo que não soa certo com o carisma autodestrutivo de Norman. Ele é flamboyant demais para o papel. Mesmo o destaque indo mais para a garota, o rapaz continua sendo parte essencial de todo o drama que a envolve desde o começo. Sem um Norman Maine forte, uma parte de “A Star is Born” fica ofuscada.
Ainda há outros detalhes menores. A escolha do Cinemascope como formato ocasionalmente gera distorções bizarras nos cantos e no centro do quadro, principalmente nas composições mais tradicionais e com geometria mais visível. Outro ponto tem a ver com a versão assistida, restauração de 1983 com 22 minutos a mais. Junto com um dos melhores números da obra, antes cortado, vêm também várias fotos de produção ocupando o lugar de algumas cenas deletadas. Sobre essa última parte, basta dizer que a quebra no ritmo e na narrativa visual não é tão boa quanto o processo similar feito em “Greed“, de 1924. De qualquer forma, nem é necessário pensar muito para decidir o que pesa mais e, sem dúvida, os acertos soterram os erros com certa folga. Acima destas questões, há uma versão, no mínimo, bem interessante e com uma parcela considerável de originalidade sobre o “A Star is Born” de William A. Wellman.