“North by Northwest” é até hoje considerado um dos melhores filmes de Alfred Hitchcock, sendo também a quarta e última parceria entre o diretor e Cary Grant. Confesso que não concordei com a primeira afirmação na primeira vez que o assisti, talvez por estar esperando demais após ler que era um dos maiores filmes americanos de todos os tempos, o que não afeta o fato de eu ter gostado bastante ainda assim. A certeza que tive foi de que não era uma obra prima inquestionável, estando mais para um clássico suspense do diretor com alguns elementos maiores de aventura muito similares às missões de um famoso personagem do cinema. Hoje, numa segunda visita, fico feliz em dizer que a experiência foi ainda mais prazerosa.
Roger O. Thornhill (Cary Grant) é um publicitário de alto escalão com uma dúzia de tarefas na mão. Sem poder lidar com todas de uma vez só, ele vive na correria de um compromisso para outro fazendo malabarismo com as responsabilidades para que ninguém fique insatisfeito com seu trabalho. É uma rotina ativa, só não tanto quanto outra que estaria por vir. Roger é confundido com George Kaplan e passa a ser perseguido por Philip Vandamm (James Mason), inclemente criminoso que está bem convencido de que Thornhill está fingindo ignorância. Na mira de um grupo de facínoras e sem saber como entrou em tal confusão, Roger sai pelo país tentando esclarecer as coisas enquanto ainda tem vida.
Uma coisa que definitivamente não havia percebido tão bem na primeira vez foi a complexidade da trama. Ou melhor dizendo, a competente sofisticação na construção de um enredo que nem chega a ser imensuravelmente complexo, uma rede de pistas e becos sem saída, mas que merece nota por criar uma saia justa no melhor jeito hitchcockiano. Talvez da forma mais natural de todas, tudo simplesmente acontece e os problemas já começam a empilhar antes mesmo de ter tempo de adivinhar qualquer coisa. O espectador encontra-se tão perdido quanto o protagonista e segue junto dele procurando pistas para entender o que diabos está ocorrendo. A bomba cai do céu de uma vez só e do nada um vilão de terno e gravata surge acusando Roger de ser outra pessoa e de estar de palhaçada, jogando jogos em vez de revelar-se logo. No mínimo, “North by Northwest” consegue criar um problema e deixar o espectador curioso a respeito de como tudo será resolvido.
Poucos filmes conseguem criar um estopim tão poderoso como esse, mas ainda é relativamente comum achar alguns que são bons em criar problemas e não tanto em resolvê-los. Uma história que começa colocando os personagens numa enrascada gigantesca, um desafio que finalmente parece estar à altura dos envolvidos e talvez até acima deles, que possa mostrar a eles que não há chance de sucesso. A situação começa a dar errado e a esperança vai se reduzindo até chegar num ponto em que tudo parece perdido. Aí um personagem que era para estar morto aparece e salva todos inesperadamente; um tiranossauro entra quebrando tudo para brigar com os velociraptors. Tanto faz a forma escolhida, permanece o incômodo desequilíbrio de quão fácil e rápido as coisas se resolviam. Não há nada como um deus ex machina desnecessário em “North by Northwest”.
Ambos a complicação da situação como seu esclarecimento são tratados com o mesmo cuidado em “North by Northwest”. Primeiramente, a ameaça fica muito pouco tempo sendo um antagonismo clássico de gente malvada seguindo sua agenda. Figuras mais proeminentes surgem para mostrar que há mais do que dois capangas e um revólver, algo como um grupo de pessoas cujos planos o espectador só descobriria com cenas de exposição gratuita. Como esperado, uma obra de Hitchcock — e o roteiro de Ernest Lehman, certamente — reconhece o valor da informação e da falta dela. Só importa que o personagem seja convincente na demonstração de que realmente tem uma malha de tramóias possivelmente desagradáveis para o protagonista.
Todo esse processo é feito de forma orgânica e quase brincalhona, a qual se encaixa perfeitamente na persona cômica e leve de Cary Grant, muito embora este seja um papel mais sério. É tudo meio absurdo e o protagonista não sabe direito o que fazer. Seu instinto está longe do típico macho alfa em perigo que sai destruindo tudo, então ele sai investigando tão bem quanto uma pessoa normal faria. O Roger Thornhill de Grant não está para fazer graça e até tenta abraçar uma pose de durão, mas simplesmente não consegue esconder o carisma imenso que provavelmente o levou ao topo de sua profissão como publicitário. O resultado é freqüentemente cômico e acidentado sem perder eficiência em sua tarefa de mostrar pedaços de informação gradualmente e ainda incrementar o perigo vez ou outra. “North by Northwest” traz pela enésima vez o modelo do inocente arrastado a um problema que não lhe diz respeito e, pela enésima vez, faz o público esquecer de que já viu isso antes, desta vez em uma história que viria a influenciar outros filmes famosos no futuro.
Vale dizer que essa identidade bizarra e aparentemente não muito bem definida está longe de ser um problema de atuação ou de escrita de personagem. O carisma provém de Cary Grant como pessoa e da própria personalidade que ele constrói dentro da obra, algo próximo ao que Roger Moore faz com o papel de James Bond: adiciona um toque mais cômico e galante sem destoar. Aliás, é impressionante como “North by Northwest” funciona como um precursor das aventuras do agente britânico mais famoso do cinema, introduzindo elementos de outras obras de Hitchcock numa dinâmica mais aventuresca de perigos reais e fantásticos ao mesmo tempo. Por exemplo, um assassinato não é resumido a um galpão vazio e uns tiros de pistola, não quando é possível criar uma situação absurdamente complexa para livrar-se do protagonista. Aí é claro que ele ganha uma chance de revidar e passar por lugares extravagantes, como pontos turísticos e outros países, em sua tentativa de livrar o nome e impedir o vilão.
“North by Northwest” também se aproxima de outras formas. Os capangas menores caçam o protagonista com métodos tradicionais e deixam os mais incomuns para o facínora maior, tudo no mesmo estilo de um Stromberg e seu alçapão acionado com um botão ou a arma debaixo da mesa, o qual deixa as armas de fogo para seus subordinados. Por fim, essas similaridades são mais que curiosidades e comparações arbitrárias. As semelhanças denotam um filme à frente de seu tempo, um que se fosse estrelado por James Bond com certeza seria uma de suas melhores histórias.