OASIS. Este é o nome da tecnologia que ocupa o tempo de milhões de pessoas ao redor do mundo, que saem de suas vidas muitas vezes miseráveis para ganharem um novo rosto, um novo corpo e novas habilidades em um jogo de realidade virtual que oferece tudo o que eles poderiam esperar. Wade Watts (Tye Sheridan) é um destes. Todos os dias ele foge de sua vida pobre numa periferia feita de contêineres empilhados para tornar-se Parzival, juntando-se a amigos que ele nunca viu na vida real e ama como se fossem conhecidos de infância. Tudo é muito legal e pode tranquilamente render décadas de entretenimento, sem dúvida, mas há um extra sobre toda a experiência: James Halliday (Mark Rylance), o falecido criador do OASIS, deixou para trás três chaves escondidas que permitem ao portador delas herdar seu legado. Além de diversão, Parzival tenta juntar as pistas e se tornar o novo mestre daquele grande universo em “Ready Player One”.
A realidade virtual não é uma tecnologia nova. Mesmo antes de ser lançada ao grande público como ela é hoje em dia, já existiam idéias e previsões bem sólidas sobre o que ela viria a ser, tipo em obras como “Strange Days“, “Tron” e “Matrix”. No entanto, não dá para dizer que todo o potencial foi atingido. A experiência proporcionada atualmente é satisfatória e, normalmente, um tanto diferente do que se vê em jogos tradicionais, possibilitando uma maior imersão do jogador e seus sentidos no universo virtual proporcionado. Ainda assim, não dá para dizer que chegou-se no nível dos filmes, gente caminhando em esteiras onidirecionais e tendo feedback sensorial para além do audiovisual. Com certeza não se alcançou esse naipe de interação, diversão e complexidade como o OASIS de “Ready Player One”, que reúne tudo isso e, possivelmente, a maior coleção de referências à cultura pop de todos os tempos.
Por si, isso possibilita uma imensidão e variedade gráfica sem precedentes. O OASIS não é um lugar com identidade visual limitada a algum tipo de inclinação temática como qualquer obra tradicional. Exemplo disso é um jogo sobre piratas apoiar-se nos cenários tropicais, oceanos e ilhas paradisíacas intercaladas com o convés do barco populado por piratas em roupas suadas e velhas. Ou então um jogo de terror introduzir uma cidade inteira habitada por zumbis e criaturas mutantes, repleta de ambientes escuros, quase desertos e com poucos suprimentos. Seja lá qual for a proposta, é comum haver consistência no design da obra, o que resulta num espectro de coisas que podem ser esperadas pelo espectador. “Ready Player One” não tem nada disso. O exemplo mais próximo é a vida real com as duas opções oferecidas por um futuro distópico, pobreza intensa ou tecnologia resultando em sofisticação — ou seja, um cenário cyberpunk. Quanto ao resto, não há limites. Existem centros tecnológicos parecidos com cenários de “Mass Effect” ou planetas arrasados pela guerra com personagens de todos os tipos: orientais, no estilo de personagem de Final Fantasy, pilotando um DeLorean; um ciborgue alienígena empunhando um rifle de assalto de “Halo” acompanhado por uma garota que pilota a moto de “Akira” e por um samurai.
Nessa falta de sentido, “Ready Player One” ganha o título de maior reunião de franquias diferentes em um produto só. E sem perder o foco, já que este é justamente apresentar um mundo em que não há restrições de licença, exclusividade por console ou de direitos autorais. Os jogadores podem fazer o que quiserem, serem quem quiserem e jogar tantos tipos de jogos dentro de mesmo jogo que, na verdade, está mais para um novo mundo sem limitações gráficas ou de jogabilidade. Cinematograficamente falando, o resultado disso é um “Wreck-It Ralph” amplificado; as sequências baseadas em jogos populares com uma evolução forte em termos de ambição, complexidade tecnológica, uso de licenças populares e de direção, que conta com Steven Spielberg no comando de sequências perigosamente perto de loucas demais para serem descritas adequadamente.
O simples fato das cenas funcionarem com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo já é motivo para elogio. Em uma cena já no começo, há uma corrida no estilo “Corrida Mortal” envolvendo no mínimo uns 40 carros de vários tipos — carros-monstro, motos, DeLoreans, carros de corrida etc — batendo uns nos outros ao mesmo tempo que armadilhas levantam do chão, dinossauros invadem a pista e derrubam prédios em cima de carros que explodem aos montes. Ou mesmo um planeta em que todos lutam entre si ao mesmo tempo e o tempo todo. Existe lógica e clareza no conteúdo mostrado por conta de uma direção que consegue fazer malabarismo com mil elementos e possibilita identificar o que acontece em tanto caos e estímulos simultâneos. Steven Spielberg apenas ressalta uma verdade bem conhecida sobre sua habilidade em narrativas visuais. Ou, no mínimo, uma capacidade de tornar as imagens de “Ready Player One” compreensíveis, sucesso que existe também por conta da alta qualidade da computação gráfica. Elementar, já que mais da metade do filme é feito completamente em CGI e que todas as grandes cenas dependem de efeitos especiais.
No entanto, existem certos pontos que incomodam profundamente, alguns por estarem ligados intimamente a idéia principal do filme. Por exemplo, os comentários iniciais do trailer quase universalmente giraram em torno de quantos personagens era possível identificar no vídeo, um prato cheio para o pessoal que gosta de dissecar e analisar quadro por quadro por referências ou pistas sobre a história. Não precisa se esforçar muito para notar que toda essa diversidade de personagens e elementos da cultura pop é muito mais do que uma jogada de publicidade, uma forma de vender o filme. “Ready Player One” joga essa carta em todas as oportunidades que consegue, talvez a ponto de centrar-se demais e se tornar uma constante caçada de referência, usar isso como uma forma de tentar manter o espectador ligado ao que acontece na tela. Entretanto, o destaque dado é excessivo. A não ser que coisas como ver um hadouken ou King Kong na tela provoque risadas infalivelmente, tudo isso não passa de curiosidades ou, como o próprio filme chama, easter eggs, conteúdo extra sobre um conteúdo que é bem fraco em essência.
Em outras palavras, “Ready Player One” é o tipo de filme completamente previsível, sendo facilmente decifrado nos primeiros três minutos quando o protagonista narra a premissa da história. Ele descreve como o mundo real funciona, o que é o OASIS e fala das três chaves necessárias para tomar controle do jogo. E o que acontece nas próximas duas horas? Sem muita surpresa, o protagonista busca as três chaves e corre contra o tempo para que pessoas más não coloquem as mãos no prêmio. Nada contra tramas simples. Incontáveis filmes comerciais funcionam muito bem com histórias já conhecidas e sem tanta novidade. A diferença é que estes frequentemente trazem algo novo à mesa e, mais do que isso, algo eficiente. Spielberg pode até colocar cem mil personagens ao mesmo tempo e tornar tudo isso inteligível, mas não significa que as cenas em si sejam excelentes, empolgantes ou qualquer coisa do tipo. Impressiona pelas circunstâncias darem certo, uma conquista técnica que não salva o longa de seus outros problemas.
Talvez o grande problema de “Ready Player One” seja se maravilhar tanto com sua proposta de unir todas as referências de cultura popular em um lugar só que ele acaba se esquecendo da base. Nela, deveria haver uma história instigante ou, pelo menos, cenas de ação que compensem uma trama rasa. Neste caso, não há nem um, nem outro. Há uma história incrivelmente óbvia e carente de personagens interessantes, grandes momentos ou cenas de ação. Praticamente tudo isso é bom e cumpre seu papel, mas nada além disso. Missão cumprida, mediocridade evitada, fim.