Rever os filmes da Marvel que vi antes de começar o site infelizmente tem alguns detalhes como “Iron Man 3”. Universalmente criticado e tratado como um dos piores do Universo Cinematográfico Marvel, estando normalmente perto do final das listas por aí, o longa foi uma incrível decepção em vários sentidos. Primeiramente, o público esperava alguma experiência que continuasse o alto astral deixado por “The Avengers” no ano anterior. Não que houvesse chance de igualar um filme que reuniu todos os heróis apresentados anteriormente, mas também não precisava ser um anti-clímax tão deprimente. Em segundo lugar, tratava-se do Homem de Ferro, o herói que, sozinho, deu início ao Universo Marvel no cinema em grande parte por seu carisma. Vê-lo em uma história ruim foi especialmente infeliz.
Após a destruição de Nova York durante a invasão Chitauri, Tony Stark (Robert Downey Jr.) passa por maus bocados enquanto tenta lidar com seus próprios problemas pessoais. Flertar tão intimamente com a morte deixou sequelas graves no homem, que se afastou de Pepper Potts (Gwyneth Paltrow) para ficar isolado em sua oficina na esperança de se distrair o bastante de seus tormentos. Os dois lados da vida de Tony entram em crise: a segurança nacional é ameaçada pela figura de Mandarim (Ben Kingsley), enquanto um homem chamado Aldrich Killian (Guy Pearce) ressurge do passado para se aproveitar da distância entre Tony e Pepper.
Inicialmente, “Iron Man 3” não é a merda inacreditável como é considerado frequentemente. Estar entre os piores do MCU não significa que ele seja uma declaração de guerra contra o bom gosto, o que também não elimina o fato de ser uma obra fraca. No entanto, se os primeiros 40 minutos forem levados em consideração, não há nada tão ofensivo assim. Alguns elementos incomuns inclusive marcam presença, preocupações que a maioria das obras do gênero nem chega a abordar. Por exemplo, quais tipos de conflitos internos e psicológicos o Homem-Formiga enfrenta? Ou qualquer um dos Guardiões da Galáxia? A maioria dos problemas pessoais acabam externalizados como questões a serem resolvidas com alguma atitude concreta; seja salvar alguém importante, derrotar um vilão ou indicar que o nó psicológico foi desfeito por algum motivo. Curiosamente, explora-se justamente o fracasso da compensação de conflitos internos através de ações externas quando Tony tenta dar um jeito em sua cabeça construindo coisas. Em teoria, é como pintar a parede para consertar um vazamento, uma forma diferente de encarar uma história desse gênero.
Mas esta é uma experiência enganadora. Imagino que boa parte da decepção exista porque “Iron Man 3” não é ruim desde os primeiros minutos. Ele piora exponencialmente sem muito aviso, pegando o espectador de surpresa com algumas viradas que não fazem muito sentido. Em outras palavras, cenas de ação, ataques de ansiedade e até algumas revelações de muito mau gosto. Como dito, chega a ser interessante como se introduz o conceito de crises de ansiedade em um herói normalmente visto como todo poderoso. Há a ousadia de afligir o Homem de Ferro com um problema totalmente humano, mas não a competência de trabalhar este arco. Simplesmente estabelecer uma relação linear entre um assunto e uma crise psicológica é uma linha de raciocínio fraca e ineficiente.
E como se não fosse ruim o bastante, ela é simplesmente deixada de lado sem mais. O que parecia ser uma nova abordagem do conceito de super-herói logo retorna para as mesmas soluções de sempre, evitando um desenvolvimento condizente com a condição do protagonista para simplesmente acabar com os caras malvados e tomar uma decisão incrivelmente simplista. Mas até aí, é possível fazer um esforço e esquecer um pouco essa parte, abrir os braços para a ação e esperar que ela compense os erros de “Iron Man 3” nessa outra parte. Mas até aí consegue-se errar em vários momentos. Se a ação é visualmente bem dirigida em vários momentos, os quais deixam claros a geografia do cenário e exatamente o que cada personagem está fazendo, ela costuma entrar de forma atrapalhada, sempre errando a janela de oportunidade por começar muito subitamente. Em um momento, há a crescente tensão de um personagem resistindo ao calor extremo de estar praticamente sendo cozinhado vivo, a qual é seguida por uma decisão rápida de reagir ao ataque e interrompida do nada pelo vilão cuspindo fogo na parede. Sim.
Isso é pouco, considerando o nível de ruindade dos momentos perto do final. Mas os problemas de “Iron Man 3” não começam da metade para frente, eles têm origem na história em quadrinhos que inspirou o filme. O arco “Extremis”, respeitado por algum motivo que falho em identificar, tem seus elementos bons e outros muito ruins, todos estes últimos aparentemente reunidos aqui. Além de uma motivação muito fraca da forma que foi exposta inicialmente, ela ainda é desenvolvida para investir no mau gosto e não deixar dúvida que o plano do vilão é incrivelmente idiota. Os vilões brilham com luz laranja e soltam fogo pela boca e braços, são totalmente sem graça. E não só isso, pois há também toda a surpresa supostamente espertinha por trás do Mandarim, que coroa o elenco de antagonistas como rei dos fracassados.
Tudo isso está ligado diretamente a uma prática recorrente de nenhum perigo parecer realmente ameaçador. Cada cena de ação surge e é resolvida logo na sequência sem transmitir que foi um obstáculo essencial ou minimamente difícil de ser superado. Assim como os vilões — grandes e pequenos — é difícil levar qualquer coisa a sério em “Iron Man 3”. Quase se deseja que o o humor inconsistente fosse o único responsável por isso, especialmente considerando a gravidade do outro fator. A ausência total de suspense resulta numa ausência total de peso na história. Os ataques de ansiedade vêm e vão rapidamente; as cenas de ação surgem do nada e logo acabam sem dar tempo do protagonista suar; os maiores problemas prometem muito e são resolvidos como qualquer outro. Isso sem contar a já mencionada questão do Mandarim, que simboliza perfeitamente a filosofia adotada aqui: nada é realmente relevante, no final das contas.
No geral, o efeito do conceito de nunca colocar nada em jogo por tempo o bastante para ser relevante faz de “Iron Man 3” uma obra completamente descartável. Todos os elementos envolvidos não passam de idéias e apenas idéias. Sem desenvolvimento algum, elas apenas ocupam espaço sem fazer diferença. Este não é um filme sobre decisões estúpidas do passado que voltam depois de muito tempo; não é sobre o conflito de Tony Stark com si mesmo; não é sobre a tensão do relacionamento de Tony e Pepper; e definitivamente não é sobre a ameaça de um vilão que tenta expor os podres do invencível orgulho americano, o mesmo que levou os Starks à riqueza. É mais fácil dizer que este filme é sobre nada, realmente.