Finalmente chega a conclusão de uma das trilogias mais importantes de todos os tempos. Depois que de dezenove indicações ao Oscar acumuladas com os dois primeiros filmes — e seis vitórias — “The Return of the King” traz outras onze indicações e, surpreendentemente, onze prêmios. Foi um recorde inusitado: um filme de Fantasia indicado em tantas categorias, vencendo todas e empatando o recorde de maior número de vitórias no Oscar junto com “Ben-Hur” e “Titanic”. Pois bem, a terceira parte da Saga do Anel conquistou o pódio frequentemente ocupado por filmes que dificilmente se comunicam tanto com sua audiência. Foi mais que um blockbuster vencendo Melhor Filme, a Academia felizmente deixou passar a oportunidade de esnobar uma obra extremamente merecedora do aplauso recebido, sem dúvida entre os grandes trabalhos da história da cinema.
Após a destruição de Isengard pelas mãos dos Ents, Saruman encontra-se derrotado enquanto Merry e Pippin finalmente estão a salvo. A resistência segurou a investida em Abismo de Helm e o exército humano vive para ver mais um dia, mas o futuro não promete nada agradável. A força bruta de Mordor continua sua marcha com o único objetivo de conquistar o reino dos homens em Gondor, prometendo destruir tudo em que puser as mãos e trazer uma era de desolação nas mãos do lorde das trevas, Sauron. Com a moral em declínio constante, a determinação acaba sendo a última fortaleza da Sociedade do Anel, elemento imprescindível para Frodo (Elijah Wood) destruir o Anel e finalmente acabar com a ameaça iminente. Todos chegaram longe demais para desistir nas horas decisivas da guerra.
Dois anos antes deste terceiro capítulo, “The Fellowship of the Ring” introduziu um universo nunca visto antes. Multifacetada com uma riqueza de detalhes fluindo de raças, reinos e culturas diferentes, a Terra-Média de J.R.R. Tolkien foi apresentada com informações na medida certa: sem deixar os dados predominarem e a narrativa tornar-se artificial, nem fazendo o extremo oposto e largando o espectador alheio em um mundo desconhecido. Em seguida, com praticamente tudo já no lugar, “The Two Towers” conseguiu achar espaço para continuar trazendo conteúdo novo ao mesmo tempo que preparava o terreno para concretizar as profecias, as premonições e os temores anunciados desde os primeiros momentos da saga. O que sobra então? Encerrar as apresentações e as novas adições para finalmente começar a concluir algo. Chega a infame hora do confronto, quando finalmente se tem toda a certeza necessária para saber se os esforços foram em vão ou não. Em termos de conclusões, finais e encerramentos, “The Return of the King” está em casa.
Nada disso quer dizer que o filme é um grande final de 4h23, claro. Considerando a trilogia como um todo, ele com certeza é caracterizado por conter o final da história, porém possui sua própria estrutura quando visto individualmente. A jornada de Frodo cruza com alguns dos piores obstáculos de todo o trajeto e o coloca em uma posição diversa do que foi visto antes, por exemplo. Ele já havia passado do patamar de meramente carregar o Anel no pescoço sem consequência alguma, mas é em “The Return of the King” que esta evolução mostra suas ramificações mais evidentemente. Toda a inocência vista no começo, de alguém que nunca pensou que sofreria tanto, morreu e deu lugar a algo mais. O Anel tem poder e influência. Se ele manteve o espírito de Sauron vivo ao longo dos séculos e chegou a tentar até os mais nobres dos corações, como Galadriel e Bilbo, não há razão para ele não influenciar também o próprio Frodo. Tal situação rende uma nova face ao personagem e, notavelmente, as maiores oportunidades para Elijah Wood abandonar sua expressão facial mais ou menos costumeira e atuar de verdade, relacionar-se com Gollum (Andy Serkis) e Sam (Sean Astin) de forma muito mais instigante que antes.
Similarmente, as melhores oportunidades surgem também para Peter Jackson na parte da Direção. Nunca faltaram cenários belíssimos para ele e seu Diretor de Fotografia usarem como ilustrações da Terra-Média, pois os dois predecessores eram muito bem servidos disso. Nem mesmo cenas de ação de todos os tipos chegaram a faltar antes, as quais foram evoluindo dos encontros entre grupos pequenos até batalhas com centenas de soldados. No entanto, nunca houve nada como o que se vê em “The Return of the King”; e muito dificilmente haverá exemplos que façam algum tipo de frente respeitável e comparável. Seu sucesso vai muito além de simplesmente aumentar a escala e afirmar que é uma questão de tudo ou nada, uma batalha que define o destino de todos os envolvidos de uma vez por todas. Isso é simplista e óbvio, características que nunca fariam deste longa algo melhor ou sequer próximo de seus predecessores em termos de qualidade.
Não dá para negar que existe entretenimento até mesmo na idéia básica de gerar milhares de tropas usando computação gráfica e criar uma guerra baseada em inteligências artificiais enfrentando-se incansavelmente até um dos lados deixar de existir. Contudo, mera existência está longe de suficiência. A batalha do Abismo de Helm foi memorável e o ponto mais alto de “The Two Towers“. Nada superado facilmente. Levando isso em consideração, “The Return of the King” toma o caminho sensato e constrói uma batalha colossal não apenas em sua escala mas também em seu planejamento, o qual é essencial para que problemas complexos não sejam resolvidos com soluções simples e, assim, acabem com a credibilidade da obra. Com o terreno muitíssimo bem preparado pela relação dos personagens com sua missão e o primeiro gosto da guerra dado no filme anterior, deixou-se claro tudo o que está em jogo e as consequências do fracasso, restando demonstrar na prática o significado de todos os anúncios prévios.
A computação gráfica, embora presente em diversos momentos das cenas de batalha, nunca chega a roubar espaço do realismo tão essencial para que o combate seja percebido como algo crível e, acima de tudo, orgânico. Nada perto de bonecos digitais enfileirados com precisão milimétrica antes da batalha e reagindo com movimentos secos, sem vida e sintéticos durante o conflito em si. Peter Jackson mostra cuidado na criação de indivíduos banais com a idéia de seres vivo ativos e reativos, ao passo que o roteiro segue o mesmo caminho na representação da guerra como algo além da infantaria e da cavalaria, aproveitando para introduzir um último pedaço de informação na forma de novas unidades de guerra capazes de virar o jogo e mudar totalmente a dinâmica do combate. Mais do que variedade, estes momentos traduzem perfeitamente o sentimento de desespero de um exército que acreditava que seus números seriam suficientes, que a guerra poderia ser vencida com todo o esforço já realizado antes na busca e manutenção de aliados. Para não dizer que concretiza-se firmemente um sentimento derrotista — o que parece possível, dadas as qualidades descritas — é possível dizer que a tensão se mantém presente durante todo o conflito, um mérito tão respeitável quanto.
E como se não bastasse, a guerra como um todo tem um impacto significativo nos principais arcos de personagem. Para Frodo, é uma mesma batalha lutada em outro front; cujos resultados são igualmente determinantes para o futuro de toda a Terra-Média. O verde do Condado nunca será novamente se Aragorn (Viggo Mortensen) não sair vitorioso e assumir sua posição como rei dos homens, herdeiro legítimo de Isildur. Como os dois predecessores mostram e “The Return of the King” reforça, existe um propósito bem definido por trás de tanta ação. Adicionalmente, é aqui que se encontra a hora de ouro das sequências de ação da série. Existem muitos soldados, estratégias variantes, unidades de todos os tipos e uma direção eficiente coordenando todos estes elementos numa sinfonia do caos. Mas um dos mais notáveis diferenciais de “The Return of the King” é o simples fato dele ter um final propriamente dito. Ambos “The Fellowship of the Ring” e “The Two Towers” são incríveis, mas não posso falar que suas respectivas conclusões são dignas de nota. Climaxes incríveis? Sim, seguidos de momentos finais suavemente reticentes. Nada dos excelentes momentos finais vistos aqui, todos os quais finalizam esta saga épica da melhor forma possível. Pelo menos não resta a impressão de que algo poderia ter sido diferente. Eu certamente não mudaria nada.