O tempo não foi exatamente favorável para “The Two Towers”. Não pelos efeitos especiais terem envelhecido a ponto de serem inaceitáveis, o que dificilmente acontecerá por conta da direção de arte ter garantido que eles se encaixem no cenário, mesmo não sendo mais de ponta. As pessoas costumam lembrar dele como o filme do meio, aquele que fica entre a magnífica introdução de “The Fellowship of the Ring” e a conclusão intensa de “The Return of the King” sem conseguir chegar perto dele. Frodo não acabou de sair do Condado nem chegou a Mordor ainda, está na metade do caminho e fica 4h55 chegando em seu destino; uma descrição chula, para dizer pouco, pois há muito mais a ser encontrado aqui do que a lembrança pode sugerir. Certamente é tão bom quanto seu predecessor, se não um avanço em diversos sentidos.
A Sociedade do Anel está fragmentada. Um de seus membros foi dado como morto, outro foi confirmadamente morto e outros dois, capturados por um grupo de orcs. Temendo que o Anel poderia corromper outros membros da Sociedade, Frodo Baggins (Elijah Wood) abandona o grupo e segue viagem com Samwise Gamgi (Sean Astin) em direção a Mordor. Mas eles não estão sozinhos. Uma criatura que já acompanhava o grupo há um tempo finalmente mostra seu rosto: Gollum (Andy Serkis), o antigo detentor do Anel durante séculos. Em outro ponto do mundo, Legolas (Orlando Bloom), Aragorn (Viggo Mortensen) e Gimli (John Rhys-Davies) passam pelo reino de Rohan na busca pelos dois hobbits sequestrados pelo inimigo.
Todo o trajeto de Frodo e Sam, que antes era mais ou menos uma série de infortúnios dos quais eles não podiam se defender direito, evoluiu um pouco quando eles ganham alguns presentes. Frodo deixa de ser totalmente vulnerável e para de fingir que morre a cada novo ataque para ter alguma forma de atacar ou, no mínimo, de se esquivar do combate. Mesmo assim, não dá para considerá-lo ainda como alguém que consegue dominar batalhas e superar os mesmos tipos de obstáculos que o resto da Sociedade do Anel. Seu tipo de cena de ação é um tanto diferente e não é do tipo que dura muito tempo antes de se tornar repetitivo. Afinal de contas, “The Two Towers” não muda as coisas a ponto dos inimigos deixarem de ser Orcs e Nazgûls. As cenas continuam girando em torno do suspense, mais do que da ação, e dependendo da tensão sobre ele ser finalmente capturado ou não. Mas então surge um elemento novo, uma ameaça de dentro.
Se um grupo de pessoas começa a falar de “O Senhor dos Anéis” e ninguém menciona “My precious”, então há algo muito errado. É muito mais frequente que alguém acabe imitando Gollum ou lembrando de seus discursos com si mesmo, sua voz inconfundível ou jeito de se portar como um verme. Ou seja, mais um personagem memorável da série, no mínimo. Tudo a respeito dele soa estranho. Ele não é orc, elfo, hobbit, anão ou qualquer coisa próxima disso. Toda a atenção que chama para si provém de uma originalidade que nenhum outro personagem da Terra-Média chega a atingir. Já é sabido desde o começo que Gollum foi corrompido pelo Anel, desfigurado fisicamente e transtornado mentalmente até se tornar um indivíduo instável com apenas uma constante em sua mente: o Anel. O personagem transcende uma caracterização incrível para ser um tipo de duas-caras da aventura. Ao mesmo tempo que Frodo e Sam suspeitam de suas intenções mal escondidas, eles precisam de Gollum para guiá-los até Mordor.
Assim, não dá para dizer que “The Two Towers” é um simples filme do meio eclipsado de ambos os lados por obras mais competentes; sem conteúdo original para sustentar-se por si, porém funcionando em um contexto geral por ser uma ponte que oferece entretenimento o bastante. Não, este não é nenhum “The Desolation of Smaug“, que poderia muito bem ter sido condensado nos outros dois filmes. Muito embora “The Two Towers” tenha passado por dificuldades em sua concepção — o projeto era para apenas dois filmes em vez de uma trilogia; e alguns eventos do livro foram abordados ainda em “The Fellowship of the Ring” — a equipe de roteiristas conseguiu arranjar uma forma de tornar a segunda aventura até mais movimentada que sua predecessora. Então apresentou-se o valor esquecido de um filme que continua a expansão de antes, prepara terreno mais concretamente para o que está por vir e ainda trata de recompensar o espectador com cenas de escala nunca vista antes.
Naturalmente, é fácil deduzir que os roteiristas não escolheriam o segundo filme para concluir a história de uma trilogia. “The Two Towers” não poderia ir longe demais e deixar pouco conteúdo para a última parte nem se limitar e agregar pouco ao conteúdo de “The Fellowship of the Ring“. Como Gollum deixa bem claro, todo o arco dos Hobbits encontra um meio termo muito agradável entre estes dois pólos. Quanto ao resto dos personagens, eles ainda não podem entrar de cabeça na grande guerra anunciada desde o primeiro filme, mas isso não quer dizer que alguns conflitos não podem existir. Tudo começa com a busca por Merry e Pippin, capturados por um bando de Uruk’Hai no final do primeiro filme, e termina bem longe disso, explorando algumas das diversas pontas soltas de antes e até introduzindo algumas novas. A traição de Saruman volta a ganhar foco, por exemplo, o que traz mais uma oportunidade de explorar um pedaço de mundo inédito ao envolver também outros elementos novos. Entre eles, um dos reinos dos homens, Rohan dá as caras pela primeira vez.
E este é só o começo das grandes novidades de “The Two Towers”. Há um sentimento constante de que as coisas estão esquentando, chegando perigosamente perto da crise anunciada anteriormente. Sauron está reunindo suas forças, seu exército cresce a cada dia que passa e uma hora ele irá atacar. Ele não é do tipo que ficará esperando passivamente os heróis arranjarem um jeito de desafiar o impossível e derrotá-lo. Mas ainda não é hora do grande embate. Dá-se passo a frente dos pequenos esquadrões de Orcs de “The Fellowship of the Ring” e entra algo que já pode ser chamado de um exército, dando um gosto da grande guerra que está por vir. E como toda guerra, esta também é feita de várias batalhas, uma das quais está aqui, abrindo as portas para o combate de grande escala e para cenas de ação que exploram o potencial dos guerreiros do grupo. Além do mais, possibilita que a direção de Peter Jackson brilhe mais do que nunca. Os membros da Sociedade do Anel estão acompanhados de milhares de outros soldados e um número ainda maior de orcs do outro lado do campo de batalha. É o momento de criar ordem a partir do caos, de mostrar a dificuldade e o desespero de um exército com poucas perspectivas de futuro, de dar o primeiro grande vislumbre de todas as premonições e mostrar que o fracasso não é uma possibilidade tão distante assim. Tudo enquanto o entretenimento de cenas bem dirigidas domina a atmosfera.
No geral, “The Two Towers” não pode ser acusado nem de longe de distorcer ou subverter aquilo que foi iniciado anteriormente. É apenas a progressão natural das coisas, um passo que teria que vir uma hora ou outra. Novos elementos foram introduzidos para diversificar a jornada dos personagens, alguns arcos são retomados para serem concluídos e, em ótima hora, uma grande batalha deixa os ânimos em alta para o último capítulo da história não ser o único com toda a ação de grande porte. Definitivamente não dá para dizer que esta é uma ligação apenas competente entre dois colossos. Há um pouco da expansão e introdução de universo do primeiro com a ação intensa do terceiro, elementos que, quando combinados, resultam numa história original e competente por si.