“Black Panther” é o filme de super-herói melhor avaliado desde “The Dark Knight”, aparentemente. E o que isso quer dizer? Absolutamente nada. Não importa o que a maioria diga — ou até mesmo eu: não dá para levar opiniões alheias ao pé da letra. Sempre há a chance de deixar-se levar pela empolgação alheia e encontrar algo bem diferente na hora de conferir o filme. Antes que possa parecer um começo de texto incrivelmente óbvio e sem razão, escrevo tudo isso tendo em mente a aparente tendência de que todo novo filme da Marvel é o melhor filme da Marvel. No caso deste longa, isso acontece de um jeito especialmente mais intenso sem que a obra em si corresponda à empolgação aparentemente unânime. Ao menos de acordo comigo, o que também não quer dizer nada.
Após a morte de seu pai em um atentado cometido pelo Soldado Invernal, T’Challa (Chadwick Boseman) retorna a Wakanda para ser coroado como rei e assumir o manto de Pantera Negra. Ele precisa ser um líder forte para manter seu país e suas riquezas escondidos do resto do mundo, evitar que sua fonte de Vibranium e sua tecnologia sejam explorados por nações mal intencionadas. Nada que impeça indivíduos gananciosos de tentar a sorte mesmo assim. Mas tudo muda quando Erik Killmonger (Michael B. Jordan) surge com um propósito bem diferente: desafiar diretamente o trono de T’Challa.
Sempre que falo que um filme foi decepcionante, alguém acaba entendendo que eu não gostei. Nem sempre é o caso. Muitas vezes a obra começa boa, promete uma série de coisas interessantes e acaba não cumprindo as expectativas que ela mesmo originou. Em outras situações, simplesmente ver uma execução fraca dá idéias à audiência do que poderia ter sido melhor, diferente e até retirado completamente do produto final. “Black Panther” encaixa-se um pouco nos dois casos, mais para o segundo deles. Deixando de lado qualquer expectativa não relacionada ao que o próprio longa gera — inclusive trailers e a aparição em “Captain America: Civil War” — ele pode ser perfeitamente caracterizado como decepcionante. Definitivamente havia potencial para explorar um outro lado do personagem voraz, agressivo e cheio da paixão visto antes, um lado mais ligado à tradição de seu povo e a um tipo de paixão mais amistoso e benevolente.
Neste sentido, é curioso como “Black Panther” é um filme de origem ao mesmo tempo que não é. Diferente de várias outras origens, que são histórias auto-contidas e encaixadas na linha do tempo por algum fã que presta atenção nas datas de um filme de super-herói, este longa continua praticamente logo após “Captain America: Civil War” — exceto pelo ocasional flashback e um prólogo pré-créditos iniciais. A história de Wakanda e seu povo é contada ao longo de uma narrativa descompromissada com os detalhes de sempre: quem é o Pantera Negra, por que ele existe, como conseguiu seus poderes etc. A própria coroação de T’Challa serve como veículo para vários destes detalhes, abrindo portas para uma construção de mundo muito bem concebida e interpretada por um elenco visivelmente dedicado. Seja no coadjuvante de poucas palavras de Daniel Kaluuya ou na agressividade de Danai Gurira, é possível ter uma ótima noção do povo que habita Wakanda. O fato de suas crenças, costumes e simples traços — como o carregado sotaque africano — serem convincentes é mérito de um elenco focado em fazer aquele mundo fantasioso soar um pouco crível que seja. Contudo, nada disso é gratuito: a apresentação de mundo ter tanto destaque tem reflexo na trama.
No entanto, este foco facilmente identificável no mundo não é tudo. Ele convence de que se trata de um povo africano pouco influenciada por clichês americanizados — tendo em vista que se trata de fantasia, claro — porém “Black Panther” ainda depende de um enredo para orientar tudo. É ele que cruza o caminho caminho do protagonista com elementos de tradição, hereditariedade, cultura, mudança e rebeldia. Sem isso, a obra seria um grande plano de fundo sem nada em primeiro plano; vários coadjuvantes montando palco sem que ninguém suba nele. Infelizmente, é nesse ponto que as coisas passam a dar errado. A trama propriamente dita tem vários dos ingredientes da clássica receita Marvel, e não digo isso no bom sentido, pois eles levam o longa mais para o patamar de item de linha de produção do que de ponto fora da curva.
Novamente pode-se encontrar uma dupla de vilões completamente esquecíveis e de utilidade pontual. Ambos, em certo grau, querem algo do protagonista e colocam-se em seu caminho, providenciando obstáculos que devem ser superados antes de um embate definitivo que, francamente, não deixa dúvida sobre seu desfecho. Inclusive, previsibilidade é um problema notável de “Black Panther”. Tudo bem, é um filme formular, mas nem por isso deve abrir mão de tentar enganar o espectador ou introduzir alguma novidade para variar o conhecido. E tudo bem — novamente — existe um cenário inédito com personagens nunca vistos ou pouco conhecidos, mas nas decisões básicas de estrutura e progressão de história é sempre mais do mesmo.
Talvez a maior surpresa seja encontrar efeitos especiais bem abaixo do nível já não muito alto dos filmes anteriores, os quais tiram credibilidade dos cenários potencialmente bonitos de Wakanda e, pior, atrapalham algumas cenas de ação de um filme de ação que só fica realmente atraente neste aspecto perto do clímax. O começo, em contrapartida, parece lento e sem propósito para uma trama que não precisava de muita enrolação para chegar onde quer. Não obstante, outra possível surpresa são as piadas, especialmente para quem esperava um filme mais sério. Também não significa que chegam ao nível de humor ridiculamente exagerado de “Thor: Ragnarok“. O incômodo vem em doses menores e igualmente letais de comédia falha, algo mais perto das piadinhas anti-climáticas de um “Doctor Strange” e “Avengers: Age of Ultron“. Poucas e extremamente fora de hora.
O único detalhe que não surpreende tanto, dadas as últimas tendências, é a politização inserida onde quer que fosse possível. Aproveitou-se a oportunidade da produção ser quase exclusivamente composta por negros para colocar diversas mensagens e motivações ligadas a racismo, união étnica e ativismo social. Ou melhor, até tentam fazer um esforço para fingir que as pregações são parte inerente da trama, mas não posso dizer que conseguem. Dito isso, é puramente questão de opinião julgar essas tentativas como algum tipo de avanço ou desenvolvimento da fórmula já vista antes. Para mim, “Black Panther” ainda parece estar na zona de conforto do estúdio sem nem se destacar do resto em termos de competentência. Exceto por Wakanda e toda sua cultura e povo, apenas a trilha sonora parece ter melhorado em relação ao que se viu antes.
2 comments
Gostei de sua análise, Caio, mas permita-me discordar em um ponto: “Ele convence de que se trata de um povo africano pouco influenciada por clichês americanizados”.
Na minha opinião e reflexão, o filme peca em sua contextualização sociopolítica justamente por exagerar estereótipos “americanizados” para a construção daquela sociedade. O que os produtores do filme fazem é simplesmente transportar uma metrópole americana (de um futuro próximo) para o coração da África, revelando absurda falta de imaginação e coerência. A mensagem passada é a de que a única via de desenvolvimento social e econômico é a americana, ora, a sociedade mais avançada do planeta (Wakanda), construída a partir do isolamento em relação às demais nações, mesmo com uma cultura muito diferente da europeia, é uma sociedade de classes à imagem e semelhança da sociedade americana. As cenas pós-créditos servem para reforçar isso: a ONU é escolhida para abrir Wakanda ao mundo e a “caridade”como forma de se relacionar com os oprimidos. Há algo mais americano do que isso?
Se há alguma “pregação” no filme, como você sugere, é a apologia à sociedade de classes americana e à integração dos negros a partir dessa base, sem provocar qualquer ruptura social. A questão racial é mostrada da perspectiva da “paz” entre os povos, isto é, nada “revolucionário”. A ideia (apresentada de maneira enviesada) de “ruptura” é delegada ao vilão (sádico), cujo plano diabólico é proporcionar aos negros e negras dos demais países a possibilidade de lutar por igualdade. Recordei os antigos filmes do 007, em que essas características eram relacionadas aos soviéticos.
A cultura africana é exaltada através da trilha sonora e do figurino, que estão excelentes, na minha opinião. Mas aquilo que é o mais importante em uma cultura (a forma em que se dão as relações sociais e a própria organização da sociedade) permanecem propriedade dos americanos. Não é dado aos africanos o direito de construírem, de fato, uma sociedade nos seus moldes.
Fala L.D.!
Acho que se divergir MUITO do que você descreveu, especialmente na parte de metrópole ultratecnológica escondida no coração da África, é difícil porque tem toda a questão dos quadrinhos. Wakanda já tinha um modelo a ser seguido, aí fica difícil sair disso demais. Concordo em relação a pregação do filme porque justamente pareceu uma reivindicação bem artificial inserida num contexto que não tinha me incomodado muito. A motivação do vilão foi fraca e encabeçou todos os discursos politizados que eu não gostei. Por exemplo, o que me fez gostar bastante de Wakanda em geral, o cenário do filme, foi o investimento dos atores na manutenção de um ambiente crível, não tanto ser uma sociedade ultra-tecnológica por si. Digamos que a caracterização foi fraca e a interpretação do conceito compensou e muito. Trilha sonora, figurino e atuações incluídos nessa segunda parte.
Abraço!