Jean Paul Getty (Christopher Plummer) tem todo o dinheiro do mundo; um jeito elegante de dizer que ele é um dos homens mais ricos do planeta. Mas todo o dinheiro de sobra tem uma contraparte de desumanidade, pois o bilionário mal tem apreço pelas pessoas, sejam elas serviçais, conhecidos ou parentes. Pior ainda é sua extrema indisposição de gastar seu dinheiro, o que se torna um problema especialmente complicado quando seu neto, John Paul Getty III (Charlie Plummer), é sequestrado por uma quadrilha que exige um resgate de 16 milhões de dólares. Infelizmente para os sequestradores, que achavam que seria um dinheiro fácil, a quantia só será paga se Gail Harris (Michelle Williams) conseguir convencer seu ex-sogro a salvar o garoto. Essa é a história de “All the Money in the World”.
Pode ser baseado em uma história real que aconteceu durante os Anos 70. Pode ser o filme mais novo de Ridley Scott. Pode ser um indicado no Oscar. No entanto, nenhum desses atrativos chega perto daquilo que com certeza levou muita gente para os cinemas: a substituição de Kevin Spacey por Christopher Plummer. Antes fosse uma simples mudança de última hora — como quando um artista aceita um papel e acaba abandonando por conflitos de agenda — pois Spacey foi retirado de “All the Money in the World” depois que ele já havia sido praticamente finalizado. Suas cenas já haviam sido gravadas e foram quase totalmente regravadas com Plummer no papel, com exceção de uma. Isso foi sem precedentes na história de uma indústria com uma quantidade imensa de absurdos e escândalos, do abuso sexual recente até rivalidade entre irmãs e diretores largando a carreira para jogar video-game. Tamanha surpresa não poderia ser diferente, considerando que a estréia foi cancelada e as refilmagens feitas às pressas para que ainda fosse possível competir no Oscar 2018. O resultado foi uma indicação de Melhor Ator Coadjuvante para Christopher Plummer, o que praticamente resume as boas qualidades do longa.
A grande idéia no centro de “All the Money in the World”, na verdade, não é o sequestro do neto de um bilionário que chamou a atenção na mídia. Como o próprio título sugere, tem muito mais a ver com dinheiro e seu valor, além de como ele pode ser tratado de forma muito diferente dependendo da pessoa. Para uns, é a única forma de reencontrar a família; para outros, é uma recompensa almejada; e para poucos, um mero intermediário para comprar cosias e acumular fortuna. É o ponto de vista de Jean Paul Getty — o último caso — que alimenta o grande conflito da trama. Ele acredita que pessoas são impossíveis de confiar por conta de sua imprevisibilidade e segundas intenções entrando no meio do que elas prometem fazer. Por isso, ele prefere seu dinheiro e sua fortuna, que não usam máscaras.
Só isso já é uma crença controversa o bastante para descrever a índole do personagem, mas “All the Money in the World” faz questão de ir além desta descrição geral para entrar nos detalhes da imoralidade do bilionário. Se é possível ir mais longe, Getty chega lá. Se uma declaração controversa faz o espectador torcer o nariz e pensar em como ele pode seguir uma filosofia tão desumana, há mais por trás daquilo. Sempre existe uma nova confirmação das profundezas daquele egoísmo. Adequadamente, Christopher Plummer traz em sua interpretação de doses pequenas a confirmação de tudo o que se pensa de seu personagem. Palavras são vento, mas na boca do ator são manifestações de crenças individuais e formas infalíveis de fazer a audiência acreditar que ele não está blefando ou tentando montar um show midiático. Ele é elegante demais para mostrar sua verdadeira face de uma vez, então se pronuncia em partes, causando uma indignação de efeito prolongado — já que o espectador fica pensando no ato absurdo — seguida de uma intensificação não muito tempo depois. Percebe-se então que a questão monetária tem uma presença bem mais impactante que ser moeda de troca. Tudo depende de sobre quem se fala.
Embora tudo isso pareça bom, Getty é apenas um coadjuvante em “All the Money in the World” — como a própria indicação ao Oscar sugere. Ele não aparece na maior parte do tempo, faz uma aparição vez ou outra para trazer alguma novidade ao arco do garoto sequestrado. Totalmente não funcional, deixar uma situação muito tempo estagnada e dependente de um coadjuvante está longe de ser uma forma inteligente de usar o tempo. A duração não é longa por si e parece ser mais extensa que 132 minutos por passarem tanto tempo numa mesma estaca. O garoto permanece sequestrado e interage com um dos sequestradores, que fala do que vai acontecer se não houver resgate; enquanto isso, a mãe sofre por não ter dinheiro suficiente e o velho Getty continua irredutível. Tudo parece mover-se mais devagar, qualidade que pesa muito negativamente considerando o filme no geral. Ao pensar nele criticamente, sua lentidão é um aspecto que evidencia-se entre o resto, sobrepondo a competência de Plummer no papel e a construção de seu personagem no roteiro. Mas só há uma outra característica imbatível em termos de notoriedade: a fotografia.
Queria muito dedicar este parágrafo para dizer que a fotografia é um aspecto redentor de “All the Money in the World”, que surpreende por ser tão bom em meio a tantos outros pontos medianos. Mas não: de todas as coisas fracas, frustrantes ou ruins, a fotografia é de longe a pior delas. Normalmente, quando encontro algo ruim em um filme, por pior que seja, tento pensar no que os envolvidos tentaram fazer e no porquê deu errado, corrente de pensamento que costuma ser bem elucidativa sobre outros aspectos da obra também. Contudo, neste caso não consigo pensar em uma razão que possa ser tão forte para sobrepor a praticidade elementar de criar uma imagem clara e de elementos discerníveis. É muito difícil encontrar uma boa justificativa para uma fotografia exageradamente escura que não permite identificar o que está sendo filmado num cenário cheio de objetos e até feições nos rostos dos atores. Uma cena ou outra, tudo bem, mas a maioria esmagadora das cenas parece estar sub-exposta. Dificilmente diria que é um problema técnico porque eu sinceramente duvido que cometeriam um erro tão básico. Quando fica difícil enxergar o que está passando na tela, existe um problema muito difícil de ignorar.
São poucas as partes realmente boas e poucas as realmente ruins de “All the Money in the World”, pois assim como não tive dúvida sobre a eficiência da atuação ácida e coração frio de Christopher Plummer, também não pensei duas vezes em avaliar a fotografia como a pior que vi em muitos anos. Todo o resto, contudo, está num patamar um pouco acima da mediocridade, no limiar do que é aceitável como decente. Não é um desastre nem uma experiência que será lembrada. Exceto por toda a polêmica envolvendo a substituição de atores no meio do caminho, claro. Isto será lembrado por muito tempo como um dos grande escândalos numa terra que os cultiva: Hollywood.