A história de “The Post” tem início com um dos maiores conflitos da história da humanidade: a Guerra do Vietnã. Entretanto, não se trata de um filme de guerra, mas um sobre as coisas que ficam em segredo e, principalmente, sobre quem as esconde. Uma rede de conspirações e mentiras é quebrada quando um correspondente de guerra libera documentos confidenciais do governo para a mídia, que mal tem tempo para ficar feliz porque o presidente se opõe diretamente à publicação destes documentos. Ao mesmo tempo, Kay Graham (Meryl Streep), a dona do Washington Post, se encontra numa posição extremamente delicada: ficar numa posição confortável ou seguir o espírito jornalístico de Ben Bradlee (Tom Hanks) e publicar os dados, enfrentando o governo diretamente e arriscando perder o jornal pelo qual tanto preza.
Com a vitória recente de “Spotlight” como Melhor Filme em 2016, é praticamente impossível assistir a “The Post” e não traçar uma comparação, por mais sutil que seja. Comentários sobre qualidade à parte, colocar os dois frente a frente mostra alguns pontos interessantes. Ambos são dramas jornalísticos baseados em histórias reais, que, mesmo assim, adotam posturas notavelmente divergentes: enquanto está para o ofício do jornalista e o potencial do indivíduo, o outro está para a matéria e o poder de uma história. Ou colocando em termos mais universais, o último acaba sendo mais dramático que o primeiro. A obra de Steven Spielberg não esconde que pende para o drama nem tenta ser algo diferente. Ele consegue ser competente em sua proposta sem cair no exagero e cometer o crime jornalístico favorecendo o sensacionalismo.
Escolher alguns pontos da história e inserí-los numa estrutura que os transformam em picos de tensão é uma tarefa que muitos e muitos roteiristas tentam e falham. E curiosamente, muitos momentos do cotidiano possuem sua própria cota de drama. Um simples período de 3 horas do dia possui isso: acordar, arrumar-se e perder o ônibus. Essa sequência de eventos pode ser determinante para o futuro profissional de um personagem, por exemplo, se o ônibus passar de 1 em 1 hora e se ele estivesse a caminho de ir para uma entrevista de emprego muito almejada. Pode haver uma boa história em vários lugares, basta saber enxergá-la. Mas por que falar de tudo isso? Principalmente porque “The Post” soa como se alguém tivesse feito exatamente isso. Encontra-se numa revisão histórica uma forma de transformar a divulgação de documentos em uma luta entre governo e imprensa, entre liberdade e opressão e até entre a mulher e a sociedade que menospreza sua posição, por maior que esta seja. Com certeza não é mera coincidência que estes mesmos temas estão em alta atualmente.
Isso faz bem e mal ao mesmo tempo. Fica claro que os responsáveis por transformar fatos em cinema sabem o que fazem, organizando bem os eventos numa narrativa; claro até demais em certos momentos. Nunca chega a ser algo forçado, que faz o espectador virar os olhos diante das intenções óbvias do filme, felizmente. Por outro lado, às vezes isso acontece em uma intensidade menor — mas ainda notável; como quando a personagem de Meryl Streep começa como alguém insegura rodeada por homens que aconselham-na, respondem por ela e supostamente têm seus interesses em mente. Eis a mulher numa posição de poder que mesmo assim não recebe reconhecimento. Seu conflito não poderia estar mais exposto. Ademais, o suspense construído pelo roteiro até o clímax é seguido de uma conclusão já esperada. Difícil dizer se isso ocorre pelos eventos acontecerem exatamente dessa forma pois pode ser uma questão de apresentação também. Ao menos o saldo é positivo, a despeito destas obviedades, e não caracteriza a identidade geral de “The Post”.
Definitivamente não super-dramatiza-se a situação geral, limitando-se a dar destaque às questões realmente grandes. Voltando ao arco de Kay Graham, ele até chega a ser explícito demais com a repetição ocasional do que está em jogo e da função clara dos engravatados da direção do jornal. Eles sempre têm algum comentário sobre o que deve ser feito e não têm medo de compartilhar, pois aproveitam-se da passividade dela para levar a empresa para onde querem. Ben Bradlee, o editor chefe, é sedento por uma boa matéria e pode ser facilmente imaginado como um repórter guerrilha em sua juventude. Ele mal consegue esconder o entusiasmo de colocar as mãos em documentos tão importantes e publicaria as milhares de páginas na íntegra se pudesse. Não seria o antagonista perfeito? O jornalista radical contra a dona de jornal insegura que tem muito em jogo; além de ser um homem e uma mulher, claro. Mas não, Bradlee é um personagem que desafia achismos precipitados. Por mais que demonstre um espírito flamejante em alguns momentos, ele sabe muito bem seu lugar na hierarquia e limita suas sugestões ao sensato ou, no máximo, ao desagradável que não ofende ninguém.
Moderação assim não provém apenas de um roteiro que coloca freios em seus personagens mas também do que foi o maior atrativo de “The Post” em seu anúncio: Tom Hanks e Meryl Streep. O primeiro evita cair nas armadilhas do estereótipo — o repórter sedento — e demonstra inclinações sem levantar bandeiras. Ele definitivamente tem ambições bem definidas e não as esconde, mas está longe de ser um inescrupuloso que não se importa com as outras pessoas. É evidente que Kay Graham significa mais para ele que uma mulher numa posição de poder mais alta; ele respeita o ser humano acima de tudo e as decisões que ela toma, mesmo que nem todas sejam de seu agrado. Quanto a Streep, não diria que é uma interpretação digna de muito furor ou de algum tipo de prêmio, embora seja muito competente num geral e, especialmente, quando a personagem está por si e desconectada de seu trabalho. Nestas cenas, retorna a questão das intenções claras demais, pois fica mais difícil filtrar a interpretação relutante e retraída de sua função na cena. Adicionalmente, o elenco coadjuvante e a trilha sonora, embora participem mais discretamente, são unidades sólidas e infalíveis de eficiência. Nenhum dos problemas de “The Post” se originam neles, certamente.
Neste ponto sinto que estou me repetindo um pouco. Consigo lembrar perfeitamente de estar escrevendo sobre “Bridge of Spies” em 2015 e elogiando figurino e direção mais ou menos na mesma altura do texto. Era notável que não usou-se qualquer terno em tal obra, pois os cortes das roupas, seguindo à risca a moda dos Anos 50, resultavam em modelos aparentemente feitos para cada personagem — o que faz sentido. Em “The Post” não é diferente. Todas estas qualidades mencionadas anteriormente retornam com uma aplicação ao contexto jornalístico, trocando os ternos arrumados e sapatos lustrados de advogados que prezam pela boa aparência por camisas de manga curta com a gola desabotoada, as costas suadas e a gravata frouxa de jornalistas cansados. Independentemente da natureza pouco fantástica da trama, que permanece assim a despeito das dramatizações do roteiro, a direção mostra sua qualidade econômica de mostrar sempre o que favorece a compreensão do que se passa em cada cena; seja para comunicar significado ou para ilustrar melhor os sets recheados de detalhes.
Devo admitir que fiquei um pouco perdido e até assustado com a quantidade de dados comunicados já nos primeiros minutos. “The Post” começa com guerra, pessoas sendo apresentadas a outras sem que se saiba qual sua importância e personagens enfrentando vários problemas. Sem saber direito para onde tudo estava indo, foi um alívio ver que a situação logo se clarificou com a direção descomplicando uma narrativa inicialmente carregada de nomes, detalhes, datas e eventos. Sem demora, a onda de informação se organiza como partes de arcos narrativos maiores e mais facilmente compreensíveis. Deste ponto em diante, fica mais fácil apreciar as qualidade da obra, com apenas o roteiro mostrando-se um pouco inconveniente vez ou outra.