“Call Me By Your Name” começa em algum lugar do norte da Itália, com a família de Elio (Timothée Chalamet) estando para receber uma visita. O pai do garoto, um acadêmico respeitado, recebe um estudante americano para passar algumas semanas em sua casa. Oliver (Armie Hammer) é a boa impressão em pessoa e é bem recebido onde quer que vá, exceto por Elio. A relação entre os dois começa já com algo peculiar: no início, peculiarmente antagonizante; e depois evoluindo para algo diferente. Nenhum dos dois esperava que algo interessante poderia surgir de algo tão casual.
Existem muitos mitos e preconceitos em relação a crítica de cinema, mas uma coisa é verdade: é mais fácil notar padrões na indústria. Pela quantidade alta de filmes vistos, tendências são melhor percebidas em grande parte pela repetição de temas, os quais originam as obras clichês que não conseguem esconder qual barco escolheram entrar. Por um lado, a audiência diz que o clichê funciona — o que pode acontecer, de fato — e que a crítica está pegando muito pesado; por outro, funcionar pode não ser o bastante para impressionar um crítico que já viu diversos exemplos que apenas funcionam. Em 2017, a luta da mulher e das minorias por maior presença ficou bem evidente. “Call Me By Your Name” se encaixa explicitamente nesse grupo e não esconde isso, surpreendendo pouco por falar de um tema popular e mais por não fazer jus a tantos elogios.
Tenho o costume de usar a palavra sutil como característica positiva de um filme. Poderia ser um vício de linguagem inadequado, que dá vontade de usar palavras gramaticalmente incorretas que fazem sentido — a mania de usar “onde” sem referir-se a um lugar é vista frequentemente, por exemplo. Felizmente, é uma palavra que ilustra perfeitamente a capacidade de apresentar um processo visível e concreto sem explicitar nada; contar uma história através de imagens e atitudes sem revelar seus significados, temas e intenções de forma direta. Uma forma péssima de “Call Me By Your Name” cumprir sua proposta seria colocar algum personagem para dizer: “Romances homossexuais também podem ser verdadeiros”; “É possível ser compreensivo! Um filho gay não é o fim do mundo!”. Ou, numa hipótese ainda pior, tentar usar a época em que a trama se passa — os Anos 80 — para seguir um caminho moralista e confrontar a intolerância ainda presente atualmente com a compreensão já existente naquela época. Seria um tipo de regressão na mentalidade social?
Para bem e para mal, “Call Me By Your Name” não abraça nenhuma dessas propostas absurdas, o que teria sido extremamente prejudicial e burro. Segue-se o caminho tradicional e até ideal de contar algo com imagens. A idéia é mostrar um romance brotando de forma natural e espontânea, quase como se os envolvidos não notassem o que acontece entre eles até que a situação estivesse concretizada. Realmente não dá para dizer que Oliver ou Elio são homossexuais em um primeiro momento. Armie Hammer e Timothée Chalamet fazem um bom trabalho ao manter uma postura que não revela nada antes da hora. Elio é introvertido e não costuma falar muito, ao contrário de Oliver que socializa com as pessoas quase sem pensar. Deste contraste, surge um atrito cujos motivos não soam completamente sinceros. Existem palavras não ditas, muitas delas. Apenas uma abordagem que filtra a irrelevância e expõe os momentos-chave da relação entre os dois pode desconstruir as máscaras falsas que eles usam para ladrilhar o caminho até um relacionamento propriamente dito. Pois é justamente neste começo que “Call Me By Your Name” falha.
Ao tentar construir algo a partir de sentimentos conflitantes, “Call Me By Your Name” tenta ser sutil e mostrar pouco, apenas o essencial, mas acaba sendo incompleto. Senti que faltam pedaços entre o estágio em que dois homens que sentem algo entre si, mas se estranham por não saberem lidar com aquilo; e o estágio em que eles se entregam às pulsões e satisfazem suas vontades. Mesmo que mostrem o bastante para fazer os eventos posteriores serem plausíveis, trata-se de uma experiência desbalanceada que não é orgânica em todos os momentos. O durante da relação é significativamente melhor sucedido que o antes. No entanto, não pode-se dizer que os problemas do começo seriam resolvidos com uma abordagem brusca e expositiva. Sutileza não é ausência de informação, assim como desenvolvimento não é exposição descarada.
Por outro lado, o resto de “Call Me By Your Name” faz bem tudo o que seu começo problemático falha. Se o começo parece um pouco entroncado e errático na criação de um romance, há um melhor trabalho mais adiante, o qual apresenta duas pessoas se envolvendo ora discretamente, ora intensamente. O ambiente não é permissivo e não dá abertura para algo como um amor gay; ao mesmo tempo que mostra-se amigável e caloroso, com maravilhas a serem encontradas em casa, na natureza e até mesmo entre amigos. Parece fazer pouco sentido, mas isto diz muito sobre uma realidade que parece perfeita e pode mudar subitamente com um simples anúncio a respeito de sexualidade. Quanto a este aspecto, não poderia criticar um ótimo trabalho cooperativo do elenco. São eles que demonstram todo o amor que sentem por Elio e, ao mesmo tempo, que censuram involuntariamente seus desejos reais. Existe uma noção de perigo incomu — lobo em pele de ovelha — que está sempre presente e nunca mostra sua face real. Talvez muitas das pessoas ali nem saibam como realmente se sentem em relação à homossexualidade, enquanto a simples possibilidade de uma negativa já é o bastante para colocar os protagonistas na defensiva.
Ainda existem duas questões que me incomodaram. Menos do que a narrativa vaga do início, mas ainda assim dignas de nota. Uma delas é a intensa romantizada de Oliver e Elio. Em alguns momentos, engrandecem demais o que acontece entre os dois, como se os momentos que eles compartilham não convencessem a respeito do carinho que eles sentem por si. Mais perto do final, tentam dramatizar, romantizar e significar tudo o que aconteceu de uma forma que, embora passe uma mensagem válida, vai longe demais em querer mostrar quão verdadeiro um relacionamento desse tipo pode ser. O outro porém que tenho é a comunicação esquizofrênica entre os personagens, que falam italiano, inglês e francês sem seguir uma lógica evidente. Tudo bem, Elio até comenta que é de uma família americana e meio francesa que mora na Itália, mas não explica por que uma garota nativa fala francês. Sim, é um tanto irrelevante para o que realmente importa na obra, mas não consegui tirar isso da cabeça.
Se por alguma razão pareça que eu tenha revelado demais ao falar do relacionamento entre os protagonistas, não conto nenhuma novidade. A publicidade não foi muito discreta na apresentação do filme e deixou bem claro que o envolvimento entre Oliver e Elio era o centro de tudo. Talvez tenham revelado um pouco demais, porém isso não estraga a surpresa em um nível inaceitável, pois o cineasta ainda deve especificar como e por que os dois rapazes seguem em frente sob circunstâncias pouco convidativas. Definitivamente não é uma tarefa fácil ou uma que merece ovações em pé por simplesmente funcionar. Fazer sentido não é o bastante; não quando relações humanas saõ a matéria bruta da obra. Quando vi que “Call Me By Your Name” se limita a exatamente isso e não agrega muito ao tema explorado, sendo incompleto em alguns momentos e romantizado demais em outros, não pude deixar de colocá-lo mais perto das obras que pegam carona em temas populares do que daquelas que usam as tendências atuais para contar uma história instigante.
1 comment
Caio, foi uma ótima crítica.
Realmente o filme se destaca pela sutileza das falas e pelas fotografias que dizem muito nos momentos de silêncio.
Sobre a garota nativa que fala francês (Marzia), os padrinhos de Elio citam que ela é “a garota de Paris”. Seria um grupo de franceses que passa as férias na Itália?!