Era uma vez um artista com uma visão. Dentro de sua cabeça, ele tinha tudo planejado: suas grandes produções, as histórias que contaria, os grandes atores que conheceria, seu lugar na calçada da fama e seu legado no mundo do entretenimento. Estava tudo certo, realmente. Era só uma questão de concretizar todas aquelas idéias e observar seus sonhos indo ao seu encontro, como alguém nascido para a glória que só precisa abraçar seu destino. O resultado disso tudo foi “The Room“, um filme tão ruim, mas tão ruim que tornou-se um sucesso cômico embora fosse originalmente um Drama. “The Disaster Artist ” reconta o histórico de decisões bizarras que resultou nesta pérola do cinema trash.
O responsável por isso é Tommy Wiseau (James Franco). um homem que ninguém sabe quem é ao certo, de onde veio, o que faz, quantos anos tem… Os detalhes sobre sua vida são obscuros, tanto que nem mesmo seus amigos mais próximos têm alguma idéia. Ou melhor, seu amigo mais próximo. Greg Sestero (Dave Franco) conhece Tommy em uma aula de teatro e encontra nele uma forma curiosa de superar sua timidez. Eles caminham juntos a estrada árdua e ensolarada de Hollywood sem muito sucesso até terem uma grande idéia: fazer seu próprio filme juntos.
“The Disaster Artist” é baseado num livro escrito pelo próprio Greg Sestero — o da vida real — em conjunto com Tom Bissell, o qual eu não li. Portanto, deixo de lado comparações com o material-base para falar de como o filme por si conta a história de outro filme que eu já conhecia. A idéia por trás de tudo é simples: como grandes histórias existem por trás de obras primas, por que não de filmes ruins? Faz sentido. Um resultado muito grandioso pode despertar a curiosidade alheia sobre como e quais peças foram utilizadas para montar algo de grande sucesso. Quando a produção dá ridiculamente errado, também é interessante saber como poderiam ter feito todas as decisões erradas. Como alguém pode ser tão inábil ou ignorante ou cabeça dura ou iludido para fazer algo tão ruim? É uma boa pergunta. Por isso é essencial que “The Room” seja visto de antemão para que exista essa curiosidade. Claro, não posso afirmar nada sobre o que um espectador vai achar do filme, mas tenho certa segurança em dizer que ele causará no mínimo um pouco de surpresa. Caso contrário, acredito que muito aqui se perderá.
A história contada tem vários momentos engraçados, personagens icônicos e situações inacreditáveis, mas parte da magia se perderia pelo simples motivo de “The Disaster Artist” ser praticamente um making of em forma de longa-metragem. Logicamente, é esquisito ver um making of sem ter visto o filme. Especialmente pelo fato da obra apoiar-se muito fortemente no fan service, ou seja, dar aos fãs o que eles esperam. Querendo ou não, uma parte considerável da audiência assiste ao filme esperando ver James Franco de peruca imitando o sotaque atípico de Tommy Wiseau e falando “Hi Mark” e “You’re tearing me apart, Lisa!”. Este espectador, sabendo no que está entrando, certamente terá uma experiência muito mais completa. Nada maravilhoso, vale dizer.
Por um lado, é bom ver uma obra querida sob um novo ponto de vista. “The Disaster Artist” traz as mesmas personalidades, se não os mesmos personagens, em situações novas. Por exemplo, o personagem Johnny não é a estrela desta obra, mas Tommy Wiseau sim. Praticamente a mesma coisa, pois o homem é o centro de tudo. “The Room” é uma bagunça sem sentido porque ele comandou tudo: escritor, diretor, produtor e estrela. A falta de estrutura e lógica na história vem de sua inabilidade como roteirista complementada pela equivalente inaptidão em construir uma narrativa visual e, adicionalmente, pelo baixo orçamento. Mais do que tudo isso, porém, é o mistério em torno da personalidade de Wiseau. Seu sotaque irrastreável — que nunca deixa claro se é acompanhado de uma dicção anormal — e comportamento incomum o diferenciam de um ser humano comum. Vê-lo usando óculos escuros numa discoteca e interpretando uma peça em voz alta no meio de uma lanchonete é como uma extensão do próprio Johnny, ainda mais considerando que ele escreveu o papel para ajustar-se a sua personalidade peculiar. Os bastidores não estão tão distantes assim da ficção de gosto extremamente questionável.
Considerando como a história depende muito da personalidade de Tommy Wiseau, é imperativo que ele seja representado em sua totalidade, desde as risadas que nunca soam naturais até seu comportamento socialmente desajustado. Sem isso, a obra perde sua essência porque seu diferencial deixa de existir e torna-se uma história sem atrativos sobre um filme que deu errado. Por sorte, James Franco entrega um retrato muito parecido com o Wiseau real e previne que “The Disaster Artist” perca seu elemento mais precioso. Fica perfeitamente claro porque a produção inteira foi um grande desastre quando ele entra em cena pela primeira vez e na vida de Greg. Dave Franco, por sua vez, não tem absolutamente nada a ver com o Greg Sestero real, mas eclipsa este fato com uma interpretação que representa com eficiência o ponto de vista de quem escreveu o livro. Ou seja, de quem viveu em primeira mão todas as mudanças de humor súbitas e correntes de pensamento quase alienígenas de tão esquisitas. Melhor de tudo, ele captura exatamente o choque do personagem de não saber como reagir a algumas coisas que, bem, acho que ninguém saberia. É esquisito demais para um repertório comportamental normal dar conta naturalmente.
A teoria faz sentido e é bem embasada: os bastidores de obras peculiares podem ter algo interessante a dizer. Seja ela boa ou ruim, pode existir uma série de complicações, sonhos concretizados ou frustrados, brigas entre elenco, dificuldades com estúdio e orçamento, entre outras coisas por trás das cortinas. Tudo isso pode — ou não — render uma boa história. Definitivamente achei que “The Room” fosse uma escolha certeira. Para tantas coisas darem tão errado, deveria haver um bom motivo ou uma centena deles. Mas não foi exatamente o que encontrei. “The Disaster Artist” justifica muito bem a causa de cada questão apesar de todos estarem centrados na figura de Tommy Wiseau. Se uma tomada foi ruim, mostram que ele não conseguia lembrar de suas falas; assim como o hábito estranho dos personagens jogarem futebol americano tem suas origens expostas. No geral, a história não me prendeu ao dizer o porquê de cada coisa, especialmente por parecer que ela está mais preocupada em agradar o público com uma exploração constante das esquisitices de Wiseau.
Dá para dizer que “The Disaster Artist” funciona? Com certeza. A inclinação de aproveitar o protagonista e todas suas características incomuns, além de reencenar diversas cenas do próprio “The Room“, é competente porque ambos Dave e James Franco as sustentam bem. A coleção ambulante de bordões é acompanhada de alguém para reagir a ela, mais ou menos como um espectador de primeira viagem do filme original. Assim, o protagonista não é posicionado sozinho como fonte de exploração narrativa. Infelizmente, essa proposta é limitada e deixa a desejar num contexto mais amplo. A história parecia mais interessante do que acaba sendo na prática, o que pode ser tanto um problema do livro que serviu de origem como do roteiro que o adaptou.