É curioso como um dos filmes mais populares de Tim Burton não é dirigido por Tim Burton. “The Nightmare Before Christmas” é uma produção da Disney dirigida por Henry Selick e produzida por Burton. No entanto, vale dizer que sua influência no projeto vai além de uma posição executiva menos ligada à obra em si. Ele concebeu a história e seus personagens, deixando a adaptação em roteiro a cargo de outros indivíduos e a direção para Selick. Sua presença é sentida nos visuais goticamente cartunescos e na atmosfera soturna, nos personagens assustadores e seu carisma infinito. Por mais que os profissionais envolvidos sejam outros, não há como dizer que Burton está invisível aqui.
Numa realidade inabitada por humanos, há um lugar peculiar chamado Cidade do Halloween. Nela, é sempre lua cheia e vampiros caminham ao lado lobisomens e palhaços macabros; zumbis mantêm amizade com cientistas loucos em meio a árvores sem folhas e paredes pintadas de centenas de tons de cinza. A função de todos é tornar o Halloween um dia incrível para os seres humanos. E nessa tarefa há um rei: Jack Skellington. Tratado todo ano como maioral, o melhor dos monstros, ele finalmente cansa disso tudo. Quando acidentalmente conhece a Cidade do Natal, Jack encontra a chance de se renovar ao trocar de feriado.
Tudo bem. Criaturas bizarras, uma cidade criada para cada feriado importante, visuais incríveis e uma história centrada num esqueleto que tenta se tornar Papai Noel por um dia. Engraçadinho, sim, mas sobre o que “A Nightmare Before Christmas” realmente se trata? É difícil dar uma resposta que funcione universalmente para todos porque esta não existe. Em termos gerais, todavia, é possível levantar alguns pontos que embasam a história e a transformam numa experiência incrivelmente relacionável, apesar de todo o contexto e caracterização fantásticos. Sem isso, o filme nada mais seria do que uma tentativa rasa de inserir o espectador num mundo diferente do seu, já que não haveria conteúdo por trás de todas as idéias extravagantes. Felizmente, não posso reclamar de falta de profundidade aqui. Mesmo com defeitos aqui e ali, alguns aspectos são bons demais para serem ignorados.
Toda a idéia de sair da Cidade do Halloween para roubar o Natal sobrepuja o ato literal de uma sabotagem juvenil por conta de haver uma significância maior para o protagonista. Jack Skellington está numa posição relativamente familiar: ele é bom no que faz e tem reconhecimento, mas o aplauso recorrente já perdeu o impacto das primeiras vezes e ele se acomodou, buscando algo novo para ressuscitar a empolgação em sua falecida pilha de ossos. É desnecessário estar no ápice de uma profissão para sentir esse vazio no peito, como um músico de rock cansado de tocar as mesmas músicas show após show. Ficar anos no mesmo emprego com apenas um aumento marginal de vez em quando pode ser um destes casos. Ou talvez manter-se num relacionamento que entrou na rotina e já não tem a mesma graça. Basta ficar tempo demais na zona de conforto, seja ela qual for, para dar origem a um impulso por mudança, variedade ou progresso.
“The Nightmare Before Christmas” aproxima sua fantasia da realidade e a torna relevante ao unir seus personagens a um conflito real e essencialmente humano. Com todo esse incômodo crescendo e crescendo com o tempo, uma grande porta se abre para decisões infelizes, as mesmas que parecem fazer todo o sentido quando são tomadas. No calor do momento, a mulher, até então fiel, deixa-se cair nas graças de alguém que parece ter todas as qualidades de que seu namorado carece. Tudo parece tão certo e lógico; como alguém não faria o mesmo? A outra pessoa tem tudo o que uma pessoa procura num relacionamento, logo é um ato de amor próprio. A traição torna-se apenas um detalhe menor no que parece ser o começo de uma vida nova. Então a realidade racional retorna com a mesma força com que as outras fantasias surgiram. A impulsividade e a idiotice tornam-se aparentes, deixando apenas a vergonha em seu lugar. Pois bem, uma caveira cansar do Halloween e tentar transformar o Natal em seu projeto de paixão não seria uma decisão desse tipo? “The Nightmare Before Christmas” apenas simplifica essa complexa corrente de sentimentos ao mostrar que não dá para fazer Natal com cavaleiros sem cabeça e demônios.
O segredo para alcançar este nível de profundidade em uma história aparentemente bobinha não é segredo nenhum, na verdade. “The Nightmare Before Christmas” tem toda a caracterização visual típica de Tim Burton e a execução clássica dos filmes da Disney. Em outras palavras, uma série de músicas que expõem quem os personagens são, o que querem e o que sentem. Talvez pareça bobo, mas é o que Disney fez ao longo de várias décadas com sucesso considerável. Funcionou para mim por muito tempo e funciona aqui também. Meu problema não é com o uso da música, pois esta cumpre sua função belamente quando torna visível e dinâmico a revelação de informações ou a simples celebração da ação contagiante, a qual aproveita a estética excêntrica e mostra seu melhor lado. É nos momentos mais relativamente agitados — como danças e palhaçadas coreografadas — que a estética excêntrica é exacerbada e aliada às várias composições cativantes de Danny Elfman. Sem uma melodia contagiante, muito dos visuais seria perdido ou exposto gratuitamente.
Por outro lado, não pude deixar de notar como “The Nightmare Before Christmas” tem muitas músicas para um filme bem curto, com 76 minutos. Tanta cantoria me fez sentir falta de um pouco de narrativa tradicional, pois parece que a história depende muito fortemente das composições para seguir em frente. Como dito, elas são competentes em passar sua mensagem. Essa não é questão. Incomoda ver o mesmo truque usado uma vez e novamente sem um tempo para focar em outra técnica e deixar a narrativa mais rica, por assim dizer. É como um roteiro que se apoia em muitos flashbacks para contar sua história: usar a mesma idéia várias vezes deixa-a batida. A duração ser breve torna esta questão ainda mais evidente.
Ainda há mais que eu gostaria de falar sobre “The Nightmare Before Christmas”, especialmente sobre seu final e como ele tem uma conclusão coerente com toda a idéia de sair da zona de conforto agressivamente. A despeito do clichê piegas, é claro, que poderia ter sido substituído por algo mais inspirado para transmitir a mesma conclusão ao argumento construído previamente. Infelizmente, não é aqui que comentarei sobre detalhes do final do filme. Sendo assim, deixo apenas minha apreciação por uma obra que há muito tempo não via e da qual apenas lembrava da identidade artística impressionante e de ser de Tim Burton. Exceto que não é exatamente de Tim Burton.