“The Exorcist” é um dos filmes mais incompreendidos de todos os tempos. Sim, ele foi indicado a 10 Oscars, vencendo 2 destes. Sim, é o trabalho mais famoso de William Friedkin. Sim, é considerado um dos melhores filmes de Terror e vendido como o mais assustador deles. É justamente por isso que tantos marginalizam a obra. Já cansei de ouvir e me irritar com gente falando que não é tudo isso porque não deu medo, porque não tinha nada de aterrorizante e, pior de tudo: por não dar nenhum susto. É difícil manter a cabeça no lugar e sentar para explicar onde estão os sucessos, mais ainda quando dificilmente dão ouvidos. Eles já assistiram ao longa e se posicionaram, encararam-o esperando jumpscares e personagens estúpidos numa situação que será fatal para eles. Ainda que goste deste modelo no subgênero Slasher, é como um carro esportivo e outro popular: não dá para esperar que o potente seja econômico e vice-versa. São qualidades diferentes.
A casa dos MacNeil é tão comum quanto poderia ser, a clássica família americana de classe média alta. Chris (Ellen Burstyn) trabalha como atriz no mais novo filme de seu namorado. Sua filha, Regan (Linda Blair) encara a vida com um otimismo raro até nas crianças mais inocentes. Nada de errado os atormenta até que Regan passa a agir cada vez mais estranha, completamente diferente da doce garotinha de antes. Convencida de que deve ser alguma doença, Chris visita todos os médicos da cidade antes de perceber que a solução tem de vir de um lugar diferente. Nenhum médico pode curar Regan, não quando há um demônio dentro de seu corpo.
Dificilmente meus colegas que criticaram “The Exorcist” lerão esse texto. Caso aconteça, que sirva como a conversa que nunca tivemos sobre as coisas que aprecio aqui. Se não acontecer, já ficaria satisfeito de fazer alguém que não gostou dar mais uma chance ou ver a obra com novos olhos. Dito isso, a idéia por trás deste longa não é dar sustos interrompendo situações calmas com estrondos súbitos. Acima de tudo, tenta-se contar uma boa história. Nada de demônio com história de fundo clichê e uma rixa pessoal com o protagonista — não ainda. Mais do que tudo, este é o drama de uma família cujas maiores preocupações estavam entre decidir o que comer e onde ir passear. Um clima tranquilo, agradavelmente rotineiro, é desestruturado por uma força que ninguém estava preparado para lidar. Como poderiam? Num dia, Regan é só sorrisos e abraços; no outro, está atacando as pessoas e arrancando lascas do rosto com as unhas.
“The Exorcist” é um retrato da fragilidade humana e quão rapidamente ela é alcançada nas circunstâncias certas. Mesmo sem um pai presente — que poderia ser considerada uma dificuldade— o lar dos MacNeil é tão tranquilo quanto poderia ser. Mais tarde, os limites da sanidade são exacerbados quando a possessão faz sua presença sentida. Importam mais as consequências da possessão do que a própria garota possessa. Enquanto a porta está fechada e a audiência não sabe o que acontece no quarto, o drama de outros personagens é explorado. De um lado, o Padre Karras (Jason Miller) e sua ferida aberta sobre escolhas de vida, se sua suposta fé justifica as consequências sentidas por sua idosa mãe. De outro, Ellen Burstyn como uma mulher impotente diante do mal que aflige sua filha. Sem saber com o que está lidando, sentimentos de antagonismo convertem-se em frustração. Não há como ela bater de frente com nenhum objeto palpável, muito menos com sua filha, a única coisa que ela quer salvar e proteger.
Vez após vez, ela tenta uma nova solução na esperança de curar Regan e, vez após vez, se vê na mesma situação. Então a audiência tem a oportunidade de ver o que está acontecendo dentro do quarto da menina. Quase sempre é um choque cirurgicamente brutal. Digo quase porque em “The Exorcist” reconhece-se o valor da moderação e da progressão, de não mostrar demais quando a situação ainda está engatinhando. Primeiramente por que a história é bem escrita e estruturada. Respeita-se o princípio narrativo de elevar o conflito conforme a história progride. Calmaria cede espaço para o terror até chegar num momento crítico e inevitável, a hora do tudo ou nada. É neste ponto, no clímax, que a obra solta suas rédeas sem medo e parte para uma conclusão fascinante. Nunca antes disso. As cenas de Regan possuída são cadenciadas nos conformes desta dinâmica para não mostrar nada prematuramente. Camas chacoalhando e atitudes mal criadas causam o temor inicial e levam a mãe ao desespero, tornado sofrimento e exaustão por estresse quando as demonstrações perdem o medo de serem brutais, profanas e até obscenas, mas nunca explícitas pelo simples prazer da exposição.
“The Exorcist” não é só feito de um roteiro bem estruturado. Além das boas atuações de Ellen Burstyn e Jason Miller, William Friedkin faz um trabalho fenomenal na transformação de Regan MacNeil numa encarnação demoníaca. A representação da criatura, se assim posso chamá-la, vai além do igualmente incrível trabalho de maquiagem e efeitos práticos — a maioria tendo envelhecido muito bem. Friedkin dirige a jovem Linda Blair, com apenas 13 anos durante as filmagens, de modo que o contraste seja visível também em sua personalidade. Os olhos dela mudam, sua presença torna-se diferente. A voz segue o mesmo caminho, embora este sucesso venha com a dublagem da criatura e as coisas que fala. Mesmo assim, o brilho do personagem está na interpretação carnalmente física, dos espasmos, das contorções, dos tapas e da entrega completa ao papel. Por fim, parece até que a atmosfera tem pouco efeito em uma obra solidamente construída em tantas áreas. Até poderia ser se o departamento visual não fosse tão eficiente na criação de imagens marcantes. Sem a idéia simples e incrível de esfriar o quarto com vários aparelhos de ar condicionado, a súbita mudança de clima entre um cômodo e outro não existiria. Combinar respiração quente num quarto congelante, a azulada iluminação simulando a lua, e os ângulos de câmera adequados à essência de cada momento é apenas um dos exemplos da conquista visual deste longa.
Portanto, a finalidade de “The Exorcist” não é usar mais de 2 horas de filme para regozijar em assustar e audiência uma vez ou duas. Este é um truque barato e incomparavelmente mais pobre do que uma história feita da corrupção da inocência, da destruição de lares e de conflitos internos entre fé e individualidade. Talvez não dê medo nem faça ninguém perder o sono de noite, mas a construção de um clima de tensão crescente até chegar num clímax carregado de energia está ali. A história possui estrutura e conteúdo, os atores trazem ela à vida e a direção os dispõe num ambiente caracterizado pelas maquinações eficientes do Design de Produção e da Fotografia. Ah, o vômito verde é caricato? Talvez. Só não dá para dizer o mesmo da complexa maquiagem e o resto dos efeitos especiais, acertos convenientemente esquecidos pelos críticos entre tantos outros.
1 comment
O exorcista é um dos maiores testamentos de fé e esperança da história do cinema, eu ainda não vi um filme de terror tão brilhante e lindo como o exorcista e acredito que não existirá