“The Searchers” não é um dos melhores Faroestes de todos os tempos. Interessados no gênero não precisam se esforçar muito para encontrar uma dúzia de listas dizendo que ele está entre os melhores de muitos tipos: da carreira de John Ford, da carreira de John Wayne, do gênero Faroeste e até da história de Hollywood. Discordei de tudo isso desde a primeira vez que assisti há alguns anos atrás. Embora não fosse ruim, não conseguia enxergar quais eram as qualidades definitivas que tornavam a obra tão especial e digno de tanto reconhecimento. Hoje, vejo algumas qualidades a mais. Não tantas para mudar minha opinião prévia drasticamente, mas o bastante para fazer a revisita valer a pena.
Depois de anos sem dar notícias, Ethan (John Wayne) retorna para a casa da família de seu irmão. Todos o recebem calorosamente, ansiosos por histórias da guerra e presentes de todos os tipos, ambas coisas que o viajante possui de sobra. Tudo muda quando uma tribo de Comanches liderada por Scar (Henry Brandon) invade e saqueia a casa quando Ethan está fora. Exceto pelas duas garotas da família, as quais foram sequestradas pelos índios, todos são mortos. As buscas, contudo, mostram-se cada vez mais difíceis e sem expectativa de sucesso. Toda demora significa mais tempo delas entre os índios, o que não vai bem com o desprezo que Ethan sente por eles.
Considerando todo o seu trabalho em Hollywood, John Wayne foi receber seu único Oscar apenas em 1969, por “True Grit”, sete anos antes de se aposentar. Ao redor disso, como esperado, há uma boa parte de polêmica. De um lado, há quem diga que 1969 não foi tarde o bastante e que ele nunca deveria ter ganho nada por não ser um ator, mas alguém que se interpreta em todos os seus papéis. No outro pólo, dizem que ele ganhou pelo filme errado, já que houve melhores atuações suas em anos anteriores. Um exemplo frequente usado neste segundo caso é o próprio “The Searchers”. Nele, ele interpreta um personagem que se destaca de seus típicos papéis como pistoleiro solitário e de personalidade forte, encarna um homem cheio de ódio e cuja fama obscura o precede por onde vai. Quanto a este ponto, não posso questionar: Ethan realmente é a melhor parte do longa. Mesmo que “True Grit” seja melhor no geral, é aqui que se encontra a atuação definitiva de Wayne.
É por causa dele que o título brasileiro de “The Searchers” existe. Os tais rastros de ódio referem-se ao combustível da aparentemente interminável busca pelas garotas. Inicialmente, a jornada é desencadeada pela inusitada possibilidade delas estarem vivas. O objetivo é claro: alcançar os Comanches e agir com cuidado para que eles não matem suas prisioneiras. A aventura começa a mudar de face quando os resultados parecem cada vez mais distantes. Chega um ponto em que a única coisa levando Ethan para frente é seu ódio pelos responsáveis, mais por estes serem índios do que pelo que fizeram. Já não importa direito se elas estão vivas, deve haver retribuição. Esta animosidade do personagem, embora explícita desde o começo, é integrada a outros elementos da personalidade dele e transmitida de algumas outras formas menos óbvias.
Sim, ele atira nos índios batendo em retirada e se empolga demais nos confrontos contra eles. Isso fica bem claro. O ódio está enraizado na essência do personagem, mas não é a isso que ele é resumido. Os momentos de exaltação são pontuais e passageiros, dão apenas uma idéia do que ele é realmente capaz de fazer se tiver oportunidade. No resto dos momentos, sua inatividade gera insegurança e, assim, cria-se uma mitologia em volta de sua pessoa. Sua simples presença no ambiente já levanta sobrancelhas de muita gente. Ethan fez coisas em seu passado das quais não fala e o espectador nunca descobre. Todos notam sua presença no local, mas não o encaram com olhares feitos de um admiração. Ser um pistoleiro renomado não é um veículo para a glória de Ethan porque ele não é nenhum modelo de pessoa. Dessa forma, “The Searchers” desconstrói a figura do caubói protagonista de uma forma ferrenha. John Wayne se beneficia, em maior parte, desta riqueza de personagem na construção de sua interpretação. Um motivo maior para ganhar um prêmio seria esse, basicamente, já que não é nele que nota-se algum esforço extraordinário.
Desde a primeira vez que assisti a “The Searchers”, considero a parte visual um aspecto irreprovável. Poucos faroestes coloridos conseguem rivalizar esta representação do Monument Valley em toda sua imensidão, que contribui para o sentimento de que os personagens estão numa missão ridiculamente maior que eles. Nunca o ambiente foi tão opressor como aqui. Dois homens vagam sozinhos por um deserto gigantesco sem ao menos ter alguma certeza de que alcançarão seu objetivo. Sem deixar a obra tornar-se uma ostentação de cenário, John Ford ainda sabe o que mostrar e quando. Tanto a ação funciona fluidamente como os momentos mais dramáticos, como enquadramentos e closes, são sempre certeiros.
São vários pontos fortes, de fato, porém nunca disse que “The Searchers” era ruim. Seus acertos são visíveis, assim como seus erros. É esta segunda parte que sustenta minha posição de que todo o clamor é um tanto exagerado. Para um filme focado quase inteiramente numa missão de procura, é impressionante como o clímax dessa missão é tão fraco. Prefiro não entrar em detalhes — embora seja um ponto tentador de comentar — pois é uma falha tão elementar que impressiona por estar ali, em primeiro lugar. Como pode haver tanto cuidado com sutilezas e detalhes em alguns pontos, como a figura de Ethan, e uma simplicidade beirando a incoerência justamente perto do clímax? É pior ainda, pois uma bobagem surgida num momento crucial desencadeia uma sequência de pelo menos outros dois momentos convenientes ou plenamente ruins mais adiante. Além do mais, as boas performances são exclusividade de John Wayne e Vera Miles, que interpreta uma garota com muito mais energia que vários durões do Velho Oeste. O resto, especialmente Jeffrey Hunter como o companheiro de Wayne, deixa muito a desejar ao apresentar caricaturas explícitas ou exageros desnecessários. Chega a ser feio ver Hunter tendo repetidos chiliques adolescentes na frente de Ethan, faltando apenas chorar como uma criança quando é contrariado.
Talvez o maior problema de “The Searchers” seja seu potencial para decepcionar o espectador alheio. É realmente difícil esquivar-se de comentários engrandecedores sobre a obra porque eles estão em todo lugar. Eventualmente se descobre a reputação gigantesca dessa obra e uma expectativa se cria. Depois que o filme é visto, então surge a possibilidade de se frustrar como eu. Mas vale dizer que decepção não determina nada, apenas indica uma expectativa não correspondida. O Faroeste mais popular de John Ford é bom, mas não tanto quanto outros grandes trabalhos do gênero e, certamente, não como sua reputação exagerada sugere.