Confesso que estou ficando com medo de ter visto todos os grandes filmes de Billy Wilder. Desde que assisti a “Stalag 17” e achei apenas decente, não vi nenhuma obra no nível de “The Apartment” e “The Lost Weekend“, quem dirá algo como “Sunset Boulevard” — uma expectativa mais irrealista. Provavelmente estou exagerando, já que faltam 15 filmes para fechar a filmografia de Wilder e foram só os três últimos assistidos que me deixaram com um pé atrás. Senti falta neles de personagens fortes nascidos entre diálogos inteligentes e uma trama sólida. Igualmente, esta combinação é invisível em “The Seven Year Itch”, a primeira parceria do diretor com Marilyn Monroe e a pior das duas.
Parece automático e até primitivo. Basta chegar o verão para todos os pais de família em Nova York enviarem esposas e filhos para aproveitar o clima quente em outro lugar. O que pode parecer uma preocupação genuína, um sacrifício de continuar trabalhando enquanto a família se diverte, na verdade tem seu lado obscuro. Muitos destes homens aproveitam a oportunidade para correr atrás das outras mulheres que ficaram para trás, as jovens solteiras. Richard Sherman (Tom Ewell) está cada vez mais perto da crise da meia-idade e de ter um faniquito. Força-se a não beber e fumar, mas não consegue evitar olhar para sua mais nova vizinha, uma loira e tanto (Marilyn Monroe).
Minhas expectativas para “The Seven Year Itch” eram simples o bastante: uma comédia inteligente estrelando Marilyn Monroe. Dessa equação, só encontrei a segunda parte, pois muitas das oportunidades de criar humor satisfatoriamente são desperdiçadas. Não todas, porém. Existem alguns momentos inegavelmente engraçados, que fazem o espectador mais amargurado esboçar um sorriso, e as aparições breves, mas sempre bem vinda de Robert Strauss como o cômico zelador do prédio de Sherman. Monroe, como pode-se esperar, está em ótima forma num papel praticamente feito para ela; muito similar ao que ela interpretaria quatro anos mais tarde em “Some Like it Hot“. Ser uma loira magnificamente bonita e saber disso não significa que ela é arrogante. Seus charmes surgem através de um tipo de sensualidade ingênua, consciente sem apelar para a manipulação desgastante vista em tantos relacionamentos: uma pessoa atiça o desejo da outra apenas para esnobá-la quando vem atrás. Isso também não quer dizer que não exista um joguinho entre ela e o protagonista, ele está ali. A diferença é que ela está dois mil passos na frente dele quando se trata de flerte e romance.
Faz sentido. Enquanto para ela basta ir ao mercado para receber uma dúzia de cantadas e abordagens, é totalmente diferente para ele. Richard Sherman tem poucas ambições e está acomodado num meio sobrado com mulher e filho. Sua contribuição para a sociedade já foi feita, só falta aproveitar o resto da vida esquivando-se de artrite, câncer de pulmão e cirrose. Reentrar no mundo da paquera é como reaprender uma parte da vida que já passou para o pai de família de meia idade. Em outras palavras, é um bom contexto para comédia apenas parcialmente aproveitado. A escolha de Tom Ewell como protagonista é um exemplo do nível dos acertos de “The Seven Year Itch”. Ele cumpre o requisito de parecer um homem qualquer, o trabalhador das 9h às 5h em crise.; tem o rosto pedido pelo papel e as atitudes, mas nunca chega muito longe nesse papel. Não tão quanto Jack Lemmon numa posição parecida em “The Apartment“. Fica bem clara a diferença entre os dois quando um transmite ambas a tragédia e humor de sua situação curiosa por meio da atuação; enquanto o outro depende de artifícios menos elegantes.
A maior parte da progressão do caso entre Sherman e a vizinha se passa dentro da cabeça do homem. Ele fala sozinho, imagina pessoas no ambiente e às vezes até se dirige à platéia, devaneando entre as ansiedades e frustrações de estar atraído pela loira e preso à sua família ao mesmo tempo. Em suma, este é o maior problema de “The Seven Year Itch”. O longa não consegue ser consistentemente engraçado por si — através de atores, movimentos e piadas — então tenta compensar com exposição barata, quase chegando no nível de explicar a piada. É como se soubesse que está falhando em sua proposta e tentasse fazer um controle de danos, assegurando vergonhosamente que tudo trata-se de uma sátira. Fica especialmente e lamentavelmente claro em certas situações. Sherman lê em voz alta um livro sobre a crise de meia idade, descobrindo que o homem começa a sentir certos sintomas em torno de sete anos de casamento, entre eles um tipo de coceira inexplicável. É daí que surge o título do filme e um dos momentos mais toscos: sem nenhum precedente, ele começa a se coçar justamente quando lê os sintomas. E não é um único delsize: a situação se repete quando Sherman tem um conveniente tique nervoso bem quando começa a reclamar de sua situação para um psiquiatra.
É uma falha do roteiro, acima de tudo. Falha em criar um enredo decente e uma anedota recorrente, por exemplo, como o protagonista sentir vontade de fumar a cada vez que cruza com a vizinha. Na primeira vez, foi engraçado vê-lo apalpar o paletó por cigarros e parando por lembrar que prometeu não fumar; nas outras duas ou três vezes que seguiram num curto intervalo de tempo, nem tanto. Na trama, propriamente dita, não há muito para ser encontrado também. Ela começa bem ao introduzir os personagens e o contexto, porém é afetada por piadas repetidas e mal executadas, além de decepcionar com uma conclusão insatisfatória para o que tentou-se construir até então. O centro da história é o conflito interno do protagonista: ceder aos seus impulsos e fazer como a cidade inteira ou manter=se nos trilhos e ficar com o casamento de pé. O protagonista busca mudança depois que surge a insegurança de ter vivido sem enxergar quão precária sua situação esteve: não fazer o que gosta, fumar e beber; viver uma vidinha em família medíocre; e virar escravo da esposa. Assim, ele começa a se envolver com a loira e construir uma relação peculiar, na falta de uma palavra melhor. Então a história acaba. Termina sem parecer que a conclusão foi o resultado de um processo, sendo apenas uma resposta rápida a um outro devaneio bobo do protagonista sem cara de clímax.
Finalmente, fica a impressão de que falta polimento em diversos pontos. “The Seven Year Itch” é uma boa comédia em potencial. Faltou apenas o filtro Billy Wilder em tudo: nas atuações, na representação das piadas, na frequência delas, nos diálogos e no enredo. Não me surpreenderia se me dissessem que Wilder dirigiu o trabalho sem empolgação alguma, apenas fazendo o feijão com arroz para que o resultado seja decente, mas sem receber o tratamento dedicado que um diretor dá antes de colocar qualquer coisa em prática. Só não posso dizer que “The Seven Year Itch” é descartável porque, de alguma forma, a clássica cena do vestido de Marilyn Monroe levantando com o vento do metrô está aqui. Se não por outros elementos, o longa vale a pena por essa contribuição para a cultura pop.