Baseado numa série de quadrinhos da qual eu nunca ouvi falar, “Valerian and the City of a Thousand Planets” provavelmente é o filme de título mais longo do ano e a mais nova produção do diretor francês Luc Besson. Os trailers não fizeram muito pelo fator empolgação, enquanto a recepção têm se mantido morna. A fórmula de vários blockbusters recentes descreve ótimos visuais sustentados por história e elenco não tão surpreendentes quanto. De certa forma, encontra-se exatamente isso aqui. A diferença provém do fato dessa descrição não significar um resultado terrível, como sugerido, mas um filme divertido e surpreendentemente criativo em sua concepção de mundo.
Num planeta feliz, cercado pela natureza e habitado por seres em comunhão com ela, uma tragédia acaba com eras e eras de paz. Em seus últimos momentos de vida, uma nativa envia um vibração que eventualmente chega em Valerian (Dane DeHaan), um agente especial encarregado de missões galáxia afora. Dessa vez, o surgimento de um novo inimigo coloca em risco a posição política dos humanos em Alpha, a Cidade dos Mil Planetas. Ninguém sabe ao certo qual a origem da ameaça, mas Valerian sente que há uma relação com a vibração que recebeu. Junto de sua parceira, Laureline (Cara Delevingne), ele busca ligar os pontos antes que mal entendidos tenham resultados trágicos.
Minha empolgação por “Valerian and the City of a Thousand Planets” bem pequena. Por um lado, porque vi pouquíssimos filmes do diretor; por outro, porque o maior motivo por trás da fama de “Lucy” foi seu extremo mau gosto. Mesmo assim, não cheguei a criar qualquer tipo de pré-julgamento negativo. O pouco que vi de imagens e pedaços de trailers em redes sociais me deixaram interessado pelos estilo visual. Nesse quesito, não houve engano. Fazia tempo que não assistia a um filme de Fantasia ambientado no espaço com tanta criatividade, ou melhor, qualquer obra de qualquer gênero que impressiona assim. De cabeça, só consigo pensar nos universos de Star Wars, no cinema, e de Mass Effect, nos jogos. Ambos tratam de exploração interplanetária envolvendo raças de formas, culturas e características completamente diversas.
Outro exemplo, embora seja de enredo e estilo completamente diferentes, pode ser visto em “A Viagem de Chihiro“. Ele me surpreendeu com tamanha inventividade na criação de monstros que mal podem ser descritos sem rir dos absurdos. Pois bem, é justamente essa qualidade surreal que torna os resultados tão atraentes, seres diferentes de humanóides com poucos detalhes divergentes da contraparte humana. “Valerian and the City of a Thousand Planets” traz exatamente esta sensação na apresentação de um universo que exala diversidade e aproveita o melhor da tecnologia para representar cada um dos milhares de detalhes envolvidos. Palmas para o Design de Produção impecavelmente inventivo no desenho de um universo original e vivo por trás dos eventos da história. Ainda que não haja muita exploração sobre o que jaz na tal Cidade dos Mil Planetas, percebe-se que não é um plano de fundo artificial de nome longo. As primeiras cenas já indicam isso.
“Valerian and the City of a Thousand Planets” começa em um planeta tropical, caracterizado por um clima ameno, mar e areia em toda a parte. Os nativos são vistos em algum tipo de cerimônia naturalista envolvendo a colheita de pérolas. Todos ostentam um sorriso no rosto e andam sem um músculo rígido no corpo, em plena e total tranquilidade. Por que eles estão tão felizes? Não importa. Faz parte da cultura daquele povo e funciona sem parecer galhofa. Apesar de muito interessante, é apenas um detalhe secundário por trás de um longa centrado em ação e aventura. Felizmente, este não é um desfile de tecnologia moderna e dotes de criação de universo. Luc Besson sabe aproveitar todas as ferramentas oferecidas pela produção responsável por armas, cenários e criaturas de todos os tipos. Falar em cenas de ação normalmente remete a tiroteios e perseguições, enquanto aqui têm um significado um pouco diferente. Existem estes dois tipos de cena, mas também há outros que evidenciam o movimento de outras formas. Besson se sai tão bem que tornou a participação de Rihanna um ponto forte do filme. Nunca pensei que diria isso, mas gostei da cena em que a cantora interpreta um complicado número de dança. Apenas uma das várias e incomuns desventuras de Valerian sustentando a trama sem cair no clichê.
O grande problema é transformar foco em dependência e fazer o filme como um todo curvar-se perante o propósito de criar uma grande aventura, falando em termos de entretenimento. Tal inclinação só funciona porque a ação é, em sua grande maioria, bem executada. Esse acerto, por sua vez, resulta numa entonação agradável em ritmo e intensidade. Em contrapartida, sabota o roteiro e diversas noções do que é plausível. Desconhecer limites na criação de culturas e criaturas é extremamente válido, mas não posso dizer o mesmo de cenas que claramente centram-se no espetáculo em detrimento de qualquer lógica. Com o bom senso no lugar, já que se trata do gênero Fantasia, é difícil não se incomodar quando “Valerian and the City of a Thousand Planets” cria um conjunto de regras ou limitações e depois as quebra negligentemente. Uma coisa seria reclamar do peculiar modo como a realidade virtual funciona aqui — esquisito e irrelevante — outra é ouvir os personagens mudando os planos para evitar desastres diplomáticos e causando genocídios na sequência. Ou facilmente atravessando paredes com centímetros de concreto ou aço puro na base da corrida. Explicação não há, o objtivo se resuma a simplesmente mostrar alguns dos ditos mil planetas por alguns segundos em meio a uma perseguição.
Idealmente, a dupla de atores principais poderia ajudar a minimizar estas flexibilizações convenientes do roteiro. Não é o que acontece. Nem Dane DeHaan, nem Cara Delevingne fazem um bom trabalho na gênese de personagens carismáticos. Arrisco até dizer que Delevingne vai melhor que seu companheiro por seu papel ser mais simples, limitado a uma personagem atrevida e eternamente desafiadora às vontades de Valerian. DeHaan fica para trás porque há motivo para decepção em sua atuação. Quando está em destaque, é aparente que as palavras de alguns diálogos não têm nada de escrita ruim. Sua falha em causar algum impacto vem da entrega pouco inspirada do ator. Não culpo ele totalmente, tanto Valerian como Laureline são personagens rasos e dificilmente relacionáveis. Não passam de dois jovem agentes um pouco arrogantes, porém competentes, colocados numa missão que guarda espaço para um romancezinho tosco e noções infantilizadas de casamento.
“Valerian and the City of a Thousand Planets” é baseado em quadrinhos publicados desde 1967. Sobra material para novas adaptações, mas não imagino que haja fôlego para outras continuações. A falta de elementos apelativos para o grande público e o orçamento gigantesco — é a produção francesa mais cara da história— podem garantir que não se crie outra série de blockbusters. Francamente, não acho de todo ruim novas aventuras de Valerian e Laureline, contanto que o roteiro torne os protagonistas mais interessantes e a história mais preocupada com contar uma história em vez de buscar infinitamente o espetáculo.