Vencedor do prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes desse ano, “The Beguiled” é o novo trabalho da renomada Sofia Coppola e seu sexto longa como diretora. É também a segunda adaptação cinematográfica do livro homônimo de Thomas Cullinan, escrito em 1966, a primeira sendo dirigida por Don Siegel e estrelando Clint Eastwood. Não é por isso que deve-se achar que é um sinal de pouca criatividade, contudo. Esta segunda versão traz a novidade do foco no ponto de vista das personagens mulheres, as quais são maioria na trama. Há uma fotografia incrível e atuações sólidas a serem encontradas aqui, mas um enredo simplista mina o potencial de uma história que poderia ser muito mais.
No último ano da Guerra Civil Americana, um casarão que serve de colégio interno para garotas se salva da destruição. Intocado pelo caos de chumbo, fogo e morte, o grupo liderado por Martha Farnsworth (Nicole Kidman) continua com suas atividades diárias até que a chegada inesperada de um soldado ferido coloca o equilíbrio em xeque. John McBurney (Colin Farrell) luta pelo lado inimigo, mas é acolhido da mesma forma pelas mulheres. Antes mesmo de acordar e poder fazer qualquer coisa, McBurney abala as estruturas daquela casa regida pela disciplina e desperta desejos fortes nas pessoas que moram ali. É o começo de uma série de intrigas e conflitos alheios à guerra de fora dos portões.
O fato de ser possível pensar em potencial não cumprido mostra como a história deixou uma sensação de falta. Não costumo ficar imaginando possibilidades gratuitamente, caminhos que o filme poderia ter seguido ou mudanças que seriam melhores para a obra. Isso acontece quando me mostram algo que não agrada a ponto de parecer incoerente ou inaceitável. No caso de “The Beguiled”, saí da sessão ponderando qualidades e defeitos, especialmente os porquês por trás de eu achar que faltou alguma coisa no enredo. Houve certa superficialidade sem pressa, curta duração sem um ritmo acelerado, passos largos entre sequências sem arcos interrompidos… Comparações estão fora de questão por eu não ter lido o livro ou visto o filme de 1971, portanto não posso dizer se conteúdo foi cortado. Então qual o problema exatamente?
Do jeito como é apresentado, “The Beguiled” está longe de ser ruim. As críticas que tenho não estão em quantidade suficiente para categorizar a obra na mediocridade ou algo perto disso. Ela está exatamente no patamar de cumprir seu trabalho — elegantemente, graças a direção e fotografia — sem chegar a um nível impressionante de qualidade. Os principais pontos do enredo são abordados e mostrados por tempo o bastante para fazerem a diferença e levar as coisas para frente. A presença passiva do homem gera surpresa, depois curiosidade e fofoca, incita o interesse e mais tarde tem suas consequências. É isso. Não dá para dizer que existem buracos nessa progressão, mas também não vou afirmar que a história explora a diversidade de pontos narrativos distribuídos entre personagens de objetivos conflitantes, ambições individuais e relacionamentos diversos entre si.
Nessa situação, as fortes atuações das atrizes principais têm uma presença ambivalente: atos pequenos e posturas transmitem uma multidão fervente de pensamentos e sugerem a existência de camadas mais profundas — finalmente, pouco exploradas; ao mesmo tempo, são elas que levam a história nas costas com suas performances. Não como numa relação compensatória, e sim pelo filme todo depender delas para funcionar. Como o foco está no lado feminino, cabe às atrizes demonstrar como a presença do soldado mexe com elas para além do que o enredo traz. De cara, fica claro que existe desejo vindo da parte de todas as envolvidas, porém há mulheres e mulheres: crianças não amadureceram o suficiente para ver um viés sexual na situação; adolescentes estão encarando esta pulsão recém adquirida; adultos já a conhecem bem o bastante para maquinar planos em torno disso. Por conta do roteiro e da exposição dada a cada um, a eficiência de cada personagem varia. Nicole Kidman e Kirsten Dunst recebem mais atenção e devolvem personagens proporcionalmente melhor desenvolvidos, já Elle Fanning fica no meio do caminho com as sugestões de que havia algo mais por trás de sua expressão reprimidamente propensa a prosseguir com suas vontades.
À parte de problemas no enredo, devo dizer que não me incomodei minimamente com a parte visual deste longa. Por cima, não há como olhar sem apreço para o cuidadoso design de produção em sua criação de uma mansão do Século 17. Há detalhes e beleza demais para ignorar mulheres em vestidos brancos e suas várias camadas vagando por uma casa que exala história em cada cômodo, móvel e objeto. As cenas não devem nada para uma pintura barroca e a forte presença de contrastes. Em “The Beguiled”, eles se apresentam em cenários rústicos e a sutil iluminação de velas, conservando pontos escuros e valorizando a complexidade das composições. Ver as garotas fazendo a madeira velha ranger lentamente sob passos leves, alimentados pela curiosidade, ou então forçadamente colocando-se em posição de oração é simplesmente belo. Sofia Coppola cria tais momentos de forma que a ação é sempre exaltada, seja ela qual for. Já que o costume é agir conforme as normas, cada ato fora desse padrão é valorizado pela Direção por haver um investimento emocional nele. Ter uma pessoa nova no recinto abre possibilidades novas, é uma aventura acompanhada de emoção antes inexistente na rotina.
Focando num cenário de época que possibilita uma identidade visual única, a diretora aproveita este potencial ao máximo para entregar uma fotografia que mais parece um óleo sobre tela em movimento. Agrada os olhos na escolha dos planos e nas imagens bonitas criadas com o cenário rústico e iluminação leve, lembrando outros clássicos de estética similar — “Barry Lyndon” e “Gone With the Wind” vindo à mente. A premissa de um casarão de campo cheio de mulheres, por outro lado, conta com um elenco sem elos fracos, mas deixa a desejar no aprofundamento da premissa elementar. Feito de belíssimas imagens, “The Beguiled” é mais um atestado da competência de Sofia Coppola como diretora, embora não emplaque como um grande filme.