Não sou um dos apedrejadores da franquia “Transformers”. Por mais que não seja das bases mais profundas para uma história, robôs gigantes por si não me incomodam e servem seu propósito de proporcionar entretenimento à base de ação. Houve bons e ótimos resultados nos jogos; os desenhos mais antigos têm seus momentos; e até o cinema não é de todo ruim, como muitos podem dizer por aí. Com exceção de “A Vingança dos Derrotados”, os longas conseguem ser filmes de ação decentes. Isto é, até “Transformers: The Last Knight” chegar e estragar tudo de novo, dando mais uma dezena de motivos para que critiquem a série. Como se já não houvessem o bastante.
Optimus Prime deixou a terra para buscar seus criadores e destruí-los. Cade Yager (Mark Wahlberg) vive escondido num ferro velho desde que transformers foram considerados inimigos da humanidade. Os tempos são duros, mas isso não o impede de fazer um esforço para ajudar os robôs, que caem do céu em quantidade até maior que antes. Quando Yager descobre ser o último de uma linhagem de cavaleiros que datam os tempos de Rei Arthur, ele se junta a outra garota de linhagem ancestral para impedir que a Terra seja destruída por uma ameaça vinda do espaço: Cybertron.
Tirando alguns detalhes novos e não muito bons, é a mesma história de “Dark of the Moon”: Transformers malévolos arranjam um jeito de usar a Terra como forma de ressuscitar Cybertron. Antes, tentaram teleportar o planeta inteiro na atmosfera; dessa vez nem precisam disso, pois ele vem por inércia e chega em velocidade recorde. Na vanguarda desta ofensiva está Optimus Prime (Peter Cullen), desta vez lutando contra todos aqueles que um dia chamou de amigos. De “Age of Extinction“, retomam a idéia de transformers serem considerados inimigos da humanidade. São caçados por uma divisão do governo, mas sem Lockdown como uma justificativa para estas atitudes. Eles apenas são inimigos por alguma razão não tão boa quanto.
Mas as piores idéias de “Transformers: The Last Knight” não são provenientes da falta de criatividade de idéias recicladas. As novas conseguem ser ainda mais terríveis. Michael Bay e sua equipe de roteiristas já havia incluído robôs gigantes na história da humanidade no último filme, indo ainda mais longe e colocando ao menos um transformer ou personagem em cada momento importante da história moderna — incluindo a Grande Guerra e a morte de Hitler. Talvez pareça uma boa idéia por conta do amor de Bay à série — ou ao dinheiro que ela faz — mas não é nada além de uma tentativa fútil de aprofundar um universo que deveria estar preocupado com formas criativas de quebrar as coisas. O principal truque de “Transformers: The Last Knight” é usar a mitologia de Rei Arthur como a base da história. Tudo começa com uma grande batalha entre Britânicos e Saxões. Flechas em chamas, gente morrendo e soldados voando pelos ares em explosões nada modestas. Os soldados de Arthur estão perdendo, porém são salvos por Merlin, um transformer dragão de três cabeças e uma távola redonda composta de robôs. Transformers vestidos como cavaleiros, falando latim e portando espadas gigantes.
Não sei como uma história envolvendo máquinas tecnológicas poderia se beneficiar de um plano de fundo medieval, mas vão longe assim para alavancar uma nova história. Sem dúvida um dos sinais de maior pobreza do roteiro, focado em pegar carona no que há de popular e preenchendo o resto com personagens inúteis, arcos nulos e, de vez em quando, cenas de ação legais. Além da lenda de Rei Arhur — em alta pelo longa de Guy Ritchie, pelo remake de “A Espada era a Lei” e uma série de filmes sobre um Merlin jovem — “Transformers: The Last Knight” aproveita o sucesso de “Stranger Things” e inclui na história um lamentável grupo de crianças. Delas, dá para dizer tranquilamente que Izabella, a mais velha da turma, é uma das piores e mais irritantes personagens da memória recente. Suas constantes reclamações sobre ter uma família, além da insistência em agir como uma revoltadinha incompreendida e inconsequente, concretizam seu lugar no hall dos fracassos como uma personagem superficial e completamente inútil. Resta a dúvida do motivo de perderem tempo com ela ou com a viagem até a Idade das Trevas só para dizer que Mark Wahlberg e Laura Haddock são os protagonistas da história.
“Transformers: The Last Knight” também comete o grave erro de inverter as prioridades na hora de brincar ou se levar a sério. Os Autobots e Decepticons, cujo conflito sempre foi um dos núcleos principais da série, são relegados a papéis cada vez mais caricatos. “Age of Extinction” introduziu um Samurai e um Militar Durão. Tudo bem, ainda eram aceitáveis apesar da caracterização não fazer tanto sentido. No entanto, todos os robôs estão cada vez mais humanizados — o mesmo mal que Godzilla sofreu em vários dos longas japoneses. Quando não são meros veículos de piadas sem graça, aparecem nas novas formas de transformers bebês, idosos e até um tipo de zumbi. Optimus contra Megatron é tão desprezível que dão atenção aos inexplicáveis visuais de cavaleiros em vez de ao fato deste último ter se tornado Galvatron no último filme.
Já nas cenas mais idiotas, lamentavelmente mal escritas e tão explicitamente artificiais ou expositivas, o longa ousadamente quer que alguém acredite nelas. Nem Optimus Prime se salva desta onda de desastres. Em outros filmes, um líder que sempre mostrou certa vulnerabilidade apesar de ser um dos mais poderosos Autobots. Aqui, um coadjuvante que consegue estragar seus poucos momentos com um momento “Martha!” ao estilo “Batman v Superman” e discursos sem poder algum. Esta mediocridade vem da mesma razão por trás de nenhum traço de humor ou drama funcionar: parece que ninguém se esforça. É quase uma paródia, exceto pelo fato dos cineastas não enxergarem dessa forma.
Não sou daqueles que esperam encontrar um grande drama ou, no mínimo, um roteiro esperto de “Transformers”. É um filme de ação em seu sentido mais cru, supostamente sem ambição de ser algo mais do que isso. Ver a quantidade de conteúdo dispensável de “Transformers: The Last Knight” só me faz pensar em como o foco foi quase completamente perdido. No lugar de grandes cenas de ação, que aproveitariam o dinheiro infinito de efeitos especiais e cenários de ponta, há uma grande enrolação envolvendo o histórico dos robôs na Terra e a reciclagem de idéias dos predecessores. Tirando o acerto ocasional nas cenas de ação, o único elogio que posso dar sem pensar é, novamente, a conquista de um novo patamar de qualidade visual. Até hoje, não consigo pensar em nenhuma outra obra com uma experiência IMAX tão incrível — exceto por outros longas da série. Não vou dizer que havia alguma chance de ser um grande filme. No máximo, um espetáculo visual e intenso de destruição robótica em grande escala, o que era para ter sido desde o começo.