“Gran Torino” é um título e tanto. Já tinha ele cravado na mente antes mesmo de começar a me interessar de fato por Cinema e descobrir que é uma das obras mais famosas de Clint Eastwood como diretor. Tudo bem, o nome se refere a um carro da Ford produzido entre 1972 e 1976, mas não deixa de ser uma escolha sólida por ser memorável e condizente com a história. É o bem mais precioso do protagonista de Eastwood, o ponto mais alto do longa e um dos papéis mais marcantes de sua carreira.
Walt Kowalski (Clint Eastwood) é um veterano da Guerra da Coréia recentemente viúvo. Aparentemente, nada mais em sua vida traz prazer, o que o torna uma pessoa extremamente amarga e ranzinza. Ou talvez ser desse jeito é a única coisa que lhe dá prazer, por isso ele é assim com filhos, netos, vizinhos e até o padre da comunidade. Mas as coisas mudam quando sua agressividade acidentalmente salva um garoto Hmong, o mesmo que um dia tentou roubar seu Gran Torino 1972. Grata pelo feito, a família do garoto coloca ele ao serviço de Walt, dando início a amizade improvável entre um menino sem iniciativa e um velho macho alfa.
Não posso dizer que esperava qualquer coisa de “Gran Torino” porque nunca fiz o esforço de buscar sobre o que o filme se tratava. Sabia apenas que o título e o pôster eram bonitos a beça e que Eastwood dirigia e atuava. Foi um interesse casual que perdurou durante anos até eu finalmente conferir o filme. Só não esperava que fosse tão… padrão? Talvez minha impressão venha da recente sequência de obras de temática étnica e seu ocasional foco em conflitos sociais. Contudo, estou mais inclinado a acreditar que o problema é o modo pouco sutil como a trama aborda seus temas, parecendo mais preocupada em assegurar-se que uma mensagem está sendo passada. É curioso eu assistir a este longa logo depois de “Scarface“, um filme que peca muito mais gravemente neste mesmo aspecto de querer passar uma mensagem acima de tudo.
Não é um crime comparável em termos de magnitude, pois “Gran Torino” não sai de seu caminho para esfregar mensagens morais na cara do público com monólogos e intertítulos. Sua abordagem é um tanto mais contida, ainda que não seja um exemplo de naturalidade narrativa. A trama foca em como um racista aprende a aceitar as diferenças e conviver com aqueles que um dia desprezou. Ao mesmo tempo, o outro lado, composto por uma comunidade Hmong tradicionalista, aceita um estranho em seu meio e ambos progridem como seres humanos. Poderia ser uma história imune de críticas se não fosse tão direta ao ponto em evidenciar quais eventos mudam os personagens e como. Em certo momento, por exemplo, Walt passa por uma sequência de choques de costumes que o envergonham para, em seguida, começar apreciar a cultura de uma forma irresistível. Fica fácil notar que essa sequência serve como um tipo de terapia de choque para alguém de cabeça feita. É um problema recorrente saber qual o objetivo de cada cena antes delas acabarem.
Embora seja ruim, não é algo que mata os pontos fortes da obra. Mesmo as propostas mais clichês e estereotipadas podem render bons resultados. Quantas séries não seguiram a mesma fórmula por anos e permaneceram apreciadas? Sempre existem brechas num modelo conhecido para inovar e mudar, como acontece com o protagonista de “Gran Torino”. Walt Kovalski é o clássico velho ranzinza preso às manias antigas, as quais envolvem um ódio profundo contra orientais, em geral, por conta da guerra. Por um lado, olhar superficialmente para suas atitudes sugere um estereótipo; por outro, Walt vai tão longe em suas convicções absurdas que se torna interessante. Funciona também porque ser preconceituoso não define sua personalidade. Fora das situações envolvendo outras etnias, ele ainda é um grande babaca.
Antes de sair apontando armas na direção de seus conterrâneos orientais, Walt Kowalski já cuspia no chão na frente dos outros e não media palavras para demonstrar seu desgosto. Vida em família sem sua esposa por perto é o mesmo que uma grande frustração. Enxergar aqueles que carregarão o nome da família como uma congregação de folgados e decepções alimenta a amargura de Walt a fim de que não seja um sentimento que existe porque sim. No fim das contas, uma família de Hmongs é menos pior que aturar os próprios filhos e o começo de algo que cresce para uma apreciação verdadeira.
Sentimentos fortes definem Walt como o grande acerto de “Gran Torino”. Clint Eastwood se sai especialmente bem na representação dessas qualidades, encaixando-se até bem demais. Não é tanto pelo fato dele ser velho, seu histórico de personagens calados, sérios e violentos formam um caminho lógico até o veterano de saco cheio do mundo. Além disso, Eastwood mostra-se genuinamente inspirado em interpretar alguém que aguentou besteira a vida toda, sem problemas para dizer com todas as palavras o que não quer. Acontece da mesma forma com as coisas com que ele se importa. A mesma energia usada para rejeitar o indesejado surge na brecha aberta para o garoto, mostrando que deve haver uma boa razão para alguém tão inflexível fazer algo do tipo. Eastwood também trabalhar bem sentimentos positivos é a fundação para sua relação com Thao (Bee Vang) dar certo. Enquanto a história dessa relação como um todo não tem tantas surpresas, ela se destaca nos detalhes.
Independentemente de expectativas pessoais, “Gran Torino” continuará sendo uma das melhores combinações de pôster e título de todos os tempos. No geral, parece um filme feito com o Oscar em mente: assunto polêmico abordado através de uma história com lições de vida e drama para tornar tudo mais evidente. Walt Kowalski até faz o espectador frequentemente esquecer do trajeto óbvio do enredo, mas a surpresa definitivamente não é predominante aqui. Exceto pelo final, tudo se encaminha mais ou menos do jeito como se espera, o que não é de todo ruim nem torna este filme melhor.