Se tivessem perguntado alguns anos atrás, muitos diriam que o cinema precisava de tudo menos outro reboot do Homem-Aranha. O adeus amargo do terceiro filme de Sam Raimi não foi muito melhorado pela nova rodada de Marc Webb, que tinha planos de ser uma trilogia antes de ser cancelada quando a Sony fez uma parceria com a Marvel Studios e colocou o cabeça de teia em seu Universo. Tudo isso só deixa claro que nem a própria Sony considerava a série “Amazing Spider-Man” algo mais que uma forma de não perder a licença do personagem e ganhar dinheiro no processo. Felizmente, não posso dizer o mesmo de “Spider-Homecoming”. Não via uma encarnação original e bem concebida do Homem-Aranha desde a estréia do herói em 2002. Este novo recomeço aborda aspectos normalmente esquecidos do herói em uma versão mais jovem.
Depois dos eventos de “Capitão América: Guerra Civil“, Peter Parker (Tom Holland) continua a atuar como o Homem-Aranha nos bairros de Nova York combatendo pequenos crimes e acostumando-se com os novos poderes. De vez em quando algo surge, mas seus dias costumam ser parados. Ele encontra a ação da qual sentia falta quando uma gangue de contrabandistas de armas alienígenas chama sua atenção. Parker finalmente encontra no Abutre (Michael Keaton), o líder da gangue, um desafio maior que os típicos ladrões de bicicleta.
Acredito que já devam ter comentado sobre isso em notícias, mas vale ressaltar que “Spider-Man: Homecoming” não comete o erro de matar o Tio Ben outra vez como em “Amazing Spider-Man” . De todos os filmes de origem, este está entre os mais originais por explorar o conceito de aprender a ser herói sem apelar para o de sempre: mostrar como os poderes são adquiridos e todo o aprendizado atrapalhado que segue. Fazem apenas pontes com “The Avengers” e “Captain America: Civil War” antes de entrar numa história que finalmente tem o sentimento de originalidade ausente em vários filmes recentes do gênero. Não que seja um marco de ambição e novidade, mas certamente não parece um filme formular. Exceto pelo humor Marvel cada vez mais batido, claro. Tratando de um dos heróis naturalmente engraçados dos quadrinhos, não posso deixar de comentar que este longa consegue ser engraçado menos vezes do que tenta. Esperava ver um Aranha engraçado como em sua breve participação anterior e encontrei uma falta das clássicas piadinhas infames.
Por sorte, isso não pesa muito negativamente por conta de acertos mais relevantes. E pensando bem, acho que prefiro o que entregaram: a abordagem que melhor captura as dificuldades de uma vida dupla e como o Homem-Aranha traz problemas para Peter Parker. Isto sempre foi um dos pontos que mais me atraiu no personagem. Derrotar o Sextexto Sinistro numa noite não paga as contas nem ajuda a vida social de Parker, que tem de conciliar a vida heróica com namorada, trabalho e, neste caso, escola e amigos. “Spider-Man: Homecoming” explora com sucesso a dualidade na vida do garoto e não negligencia o lado comum dela. Ele vai pra aula, participa de um tipo de grêmio estudantil e tem sua própria agenda adolescente quando não está soltando teias por aí. Em adição, os dois lados da moeda não são tratados como duas entidades separadas, mas conectados narrativamente por um protagonista que ainda não sabe o que é ser herói. Peter ainda tem a pulsão juvenil de querer contar para o mundo quão legal é ter poderes; dizer para os colegas que eles estudam com um Vingador numa tentativa de ser mais respeitado.
Paralelamente, o Homem-Aranha também pensa em como gostaria de ser um pouco mais Peter Parker de vez em quando. De um conflito e atitudes banais nasce um dos exemplos mais humanos de super-herói. Tal sentimento é refletido num roteiro que valoriza equilíbrio e progressão. No primeiro caso, entre os dois lados do protagonista; enquanto o segundo diz respeito ao crescimento do personagem dentro da trama. De um rapazinho entusiasmado com um brinquedo caro nas mãos a alguém que aprende na prática o peso de suas ações sem dizer uma vez sequer que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. “Spider-Man: Homecoming” traz um notável arco de personagem que executa a conceito de nascimento de herói através de sequências de ação progressivamente maiores e mais importantes. Quando o Aranha ainda é o amigão da vizinhança, combatendo pequenos delitos do bairro, não há crise. Com a aparição de um vilão sério, a situação se dificulta e Parker sente a pressão de ter que ceder espaço para seu lado heróico.
Além do mais, é nestes momentos maiores em que a ação tem seus melhores momentos. Contudo, é um tipo diferente do que se vê nos filmes dos Vingadores e outros personagens da Marvel, que apostam mais em brigas explosivas e destruição toral. “Spider-Man: Homecoming” prefere sequências em que o sentimento de responsabilidade como herói é colocado em xeque. Momentos em que o Aranha salva alguém de perigos variados, como um navio rachando ao meio ou uma turma de jovens em risco de vida. Mesmo quando o vilão entra em cena de vez, o filme não se entrega aos exageros de mostrar o Homem-Aranha descascando seu oponente no soco. Pelo contrário, o Abutre de Michael Keaton incrementa ainda mais este lado moral das atitudes do Aranha. Sua motivação pessoal e consequente influência no roteiro para além de um simples antagonista fazem dele o melhor vilão da Marvel em muito tempo — com exceção de Bucky e Tony Stark/Steve Rogers, que não fazem exatamente esse papel. Sua presença na grande virada da trama, que chega logo na sequência de outra muito boa, torna seu confronto contra o Homem-Aranha muito maior do que impedir um grande plano megalomaníaco. Ainda que haja maldade, há um sentimento de tragédia por trás do Abutre, que em uma rara ocasião chega a superar sua contraparte dos quadrinhos.
O trajeto de Peter Parker não é fácil ou empolgante como ele esperava que fosse. Ser super herói tem sua carga de dores de cabeça, que certamente não ajudam um adolescente a se virar com os típicos problemas desta fase. “Spider-Man: Homecoming” traz uma variação bem vinda do herói em construção. Em vez de dedicar um trecho para o aprendizado, as imperfeições vão sendo comicamente consertadas no improviso. É justamente este tom que torna o Homem-Aranha o ótimo personagem que é: alguém que não estava preparado para ser herói, mas assume o fardo mesmo assim. De todas as coisas boas aqui, expor as dificuldades dessa escolha se sobressai com facilidade.