Oito dias, dezesseis filmes. O Olhar de Cinema 2017 chega ao fim depois de outra experiência cinematográfica única, repleta das obras mais variadas. Nem todas foram inesquecíveis. Poderia ter vivido sem ver algumas, mas até as mais terríveis foram uma oportunidade singular. Por pior que alguns filmes sejam, vários não são do tipo que estarão no Netflix ou disponíveis para baixar em torrent — alguns para a sorte dos interessados. “Baronesa” é o filme que encerra a sexta edição do Festival de Cinema de Curitiba, voltando ao cenário clássico — e um tanto desimaginativo nessa abordagem — das favelas brasileiras. Definitivamente não é o Vinterberg que fechou o evento ano passado.
Seguindo com minha mania de comentar a descrição dos filmes no site do evento, vejo que novamente tentam engrandecer o produto demais da conta. Começam dizendo que a história apresenta a realidade de uma favela de Belo Horizonte de uma maneira nunca vista no Cinema. Depois flexibilizam o termo “realidade” dizendo que envolve ficção e fabulação, pois o real se forma disso também e concluem com “experiência única e poderosa”. No fundo, toda estas esquivas da objetividade querem dizer que o filme acompanha a vida de várias mulheres de uma periferia brasileira e as dificuldades enfrentadas por elas diariamente.
Talvez tenha sido bom avisar de antemão que a realidade de “Baronesa” não é tão baseada nos fatos, mas na construção subjetiva da cineasta responsável. E não há nada de errado em seguir este segundo caminho. A maioria dos filmes representam uma parte da realidade da mesma forma que seus personagens retratam um pedaço do que significa ser humano. Até mesmo os documentários, cuja proposta é documentar a realidade, estão sob a influência da parcialidade do diretor desde a concepção do projeto, continuando na escrita do roteiro e até na maneira como as imagens são montadas. Sendo assim, não se trata de limitar-se a criticar o olhar adotado por essa obra — documental ou ficcional — e sim de avaliar se este é bem executado; se a cineasta é bem sucedida no caminho escolhido e consegue concretizar sua visão.
Sobre este último especto, digo que Juliana Antunes consegue colocar em prática suas idéias — ou, ao menos, minha percepção de quais estas são. Mas não é só disto que filmes são feitos. O artista nem sempre expressa suas idéias da melhor forma. Uma coisa é estar descontente com o governo e criar uma história sobre canalhice institucionalizada, outra é fazer um coral dizendo que foi golpe numa sala de cinema. Além do mais, há a questão da solidez das idéias. Elas podem ser mal concebidas desde o começo ou, como acontece aqui, partirem de um princípio válido e se perder na tradução.
O feminismo, por si, é um movimento que nem devia existir, em primeiro lugar. Sua luta por direitos iguais entre sexos é algo que já deveria ser reconhecido por qualquer pessoa sensata, não um objetivo pelo qual as pessoas lutam. Mas, claro, digo isso com um contexto utópico em mente. Atualmente, as circunstâncias pedem por uma intervenção ativa, ainda que não tão radical quanto a de alguns membros do movimento. Agressão, fanatismo e querer tomar o lugar do opressor são distorções de uma boa idéia. “Baronesa” não chega tão longe, mas também não traz um argumento forte sobre seus temas. A vida na favela é explorada sob um enfoque feminino que nunca transcende o medíocre e o banal. São idéias rasas que todos já ouviram por aí, inclusive os que não estão engajados no movimento feminista. Aliás, são as coisas faladas por aqueles que gostam de levantar bandeiras apenas para poder dar um tapinha nas próprias costas e dizer que fazem algo de bom para o mundo. Sem fazer algo realmente transformador, contudo.
Esta superficialidade afeta principalmente meu contato com a realidade apresentada. Não conseguia deixar de pensar que ouvia as palavras da diretora, alguém de classe social diferente daquela do elenco, quando os personagens falavam algo. Sinceramente, não tive a impressão de estar conhecendo aquele contexto social de uma forma genuína. Pelo contrário, era como se as mulheres da história falassem exatamente aquilo que já li incontáveis vezes em redes sociais. O mesmo discurso superficial e pouco inspirado que a maioria das pessoas escreve nesses meios. Jogam palavras como empoderamento, liberdade sexual e diversidade sem trazer um ponto de vista construtivo sobre os assuntos. Do jeito como estes temas são abordados por “Baronesa”, não me pareceu que foram retratados da forma como eles se apresentam numa situação de pobreza. Uma conversa sobre quantos dedos deve-se enfiar na vagina para ter um prazer imune a ter bebês com certeza não é uma representação forte de liberdade e independência feminina.
A história não é estruturada como uma narrativa tradicional, podendo ser caracterizada como recortes diversos da vida dos personagens. Talvez uma tradução para um tipo de filmagem similar a documentários de improviso, sem se prender a um roteiro pré concebido. Cenas girando em torno dos temas escolhidos pela diretora gravados e conceitos variados testados para, mais tarde, serem colocados numa ordem funcional na sala de edição. Foi a impressão passada, ao menos. A diretora comentou que chegou um ponto em que tiveram de parar de gravar e finalizar o filme, algo que costuma acontecer quando o roteiro inteiro é gravado. Além de que uma cena do final sugere o uso de filmagens curiosas preenchendo espaço do que ligadas a um enredo. Quando tiros soam, as atrizes e a operadora de câmera correm para dentro da casa, quebrando a quarta parede no processo. Inerentemente, não há nada de errado com essa abordagem de improviso, ao passo que em “Baronesa” ela tem resultados mistos. As melhores cenas surgem quando o discurso padrão e estereotipado não está presente. Principalmente pela presença de Negão e sua espontaneidade, sempre falando o que está em sua mente sem — aparentemente — se prender a diálogos rígidos. Além de um humor despretensioso, traz naturalidade sem esforço a um filme mecanicamente preso ao seu discurso. Dessa forma, libera os outros atores de interpretarem seus papéis e os instiga a viverem seus personagens e reagir organicamente. É nessas cenas que o filme realmente brilha e executa bem sua proposta de expor a vida daqueles indivíduos; quando o funk, apresentado num tipo de grupo de dança, protagoniza uma parte daquele cotidiano, não como uma introdução gratuita do longa.
“Baronesa” não é tão ruim quanto parece, é apenas um filme limitado. Seria muito pior se o argumento-base fosse ruim, como um machismo exacerbado — tomando um exemplo completamente oposto. Pela base de tudo ser válida — explorar o lado feminino num contexto social de classe baixa — porém sem uma execução adequada a este tema, os resultados são mornos. Não ofende nem impressiona, só surpreende por ser a obra escolhida para fechar o festival.
12 comments
que crítica hororrosa. do mesmo jeito que você alega que ouve apenas a palavra da diretora, eu acredito que ouço apenas a palavra do machismo. muitas das suas críticas não tem argumentos que as sustentem e me parecem apenas incômodo masculino. pense sobre isso, o machismo aparece na mais diversas formas.
Incômodo referente ao que, exatamente? Tudo bem discordar dos meus pontos, expus minha impressão pessoal sobre o filme, mas acusar de machismo diretamente é outra história. Não comecei o site nem dedico horas do meu dia pra disseminar o machismo de formas diversas. Se este fosse meu objetivo, acho que tentaria ser mais direto, não faria um site de cinema pra isso.
Nem tinha lido a autoria do texto, mas de cara já dava pra saber que tinha sido um homem que escreveu.
Imagino que seria totalmente diferente se tivesse sido uma mulher.
Vamos lá… Eu não tenho costume de falar abertamente sobre críticas dos outros (ou análises, que é o que você chama seu texto), mas enfim.
Acho que um dos piores paragrafos que você escreveu é um dos que são mais significativos pra entender quem você é na fila do pão (vulgo cinema). Esse discurso de que o festival já valeu a pena por ter filmes que, por pior que sejam “não são do tipo que estarão no Netflix ou disponíveis para baixar em torrent — alguns para a sorte dos interessados”. Ou seja, visão de cinema de Netflix é mato. Se você tem mais entendimento de história do cinema e de cinema brasileiro contemporâneo, não é isso que passou por essa frase. Passou que cê fica bem feliz em ver um 13 Reasons Why e achar que aquilo ali é cinema.
As vezes eu acho interessante essa experiência que os festivais proporcionam pra algumas pessoas (como você, de novo, pelo que passou no seu texto) de sair da zona de conforto do cinemão de shopping e encarar umas propostas estéticas mais interessantes. Mas fica interessante quando há uma abertura da pessoa de absorver aquilo ali, e não de se armar com seus Achismos inerentes que utiliza para julgar cada proposta que pise fora da faixa daquilo que você acredita ser o certo para aquela determinada proposta. No seu caso, ficou bem na segunda opção.
Assim, nem vou comentar a parada do feminismo, pq você já deve tá escutando demais, e eu sou homem, sou a última pessoa a ter o que falar disso (você também, que aparentemente acredita que existam feministas e feminazis…).
No mais, que eu fiquei sem paciência por aqui, só tente pensar que ter uma conexão com a internet e pagar um domínio de um site não te torna crítico ou análitico de nada. Lembre-se que essas são profissões que devem ser levadas a sério. Se você se propõe a colocar suas ideias em público, criticando ou analisando as obras dos outros de maneira “profissional” há uma responsabilidade enorme que aparentemente você está ignorando de forma rude. Escrever meia dúzia de achismos, sem criar uma base crítica que sustente suas opiniões é apenas escrever comentário no Filmow ou alteração de status de facebook (que álias, tem gente lá que leva isso muito mais a sério que você).
Crítica, ou análise, é algo sério demais. O que você tá usando como base não é um trabalho seu. São anos de dedicação de uma quantidade X de pessoas que fizeram o melhor que podiam e merecem que você visualize o trabalho delas, se você se prestou a escrever, com base em algo mais do que seus achismos.
Alias, colocar que “não me pareceu que foram retratados da forma como eles se apresentam numa situação de pobreza” fala muito mais sobre você, sobre sua história de vida e sobre o quão infundados são esses seus achismos do que apresenta uma falha do filme. Em outras palavras, tá achando que favela é o que aparece nas novelas da Globo ou nas páginas policiais dos jornais? Se não for aquilo ali tá errado?
Em primeiro lugar, já que estamos tratando de achismos, gostaria de saber porque você tem preconceito com produções Netflix e torrent, já que mencionei esta outra também. Se você acha que nenhum destes dois meios fornece algo bom ou representa “cinema”, então você está avaliando minhas concepções como ruins de acordo com seus próprios achismos. Afinal de contas, nem Netflix, nem Torrent são unanimemente reconhecidos como dispensadores de lixo cinematográfico. Com essa infame frase quis dizer que festivais são um espaço interessante para ver produtos que não estão disponíveis no grande mercado. No entanto, várias dessa obras são fracas, independentemente de quantos anos foram necessários para produzí-las. Até o Muro de Berlim demorou para ser construído. Novamente, fracos em minha opinião.
Outro achismo seu é dizer que entro em festivais com algum tipo de “modelo crítico padrão” pra analisar todos os filmes. Acredito que outra função de um festival é proporcionar conteúdo diversificado, como mostras de clássicos, produções regionais, estréias de cineastas etc. Não sei de onde você tirou que eu analiso filmes de acordo com achismos inerentes, pois diria que é uma grande besteira e ainda maior tratando de uma crítica/análise formal de cinema. Talvez tenha entendido que critico alguns filmes por não serem o cinemão de shopping ou as “infames” produções Netflix, mas não foi isto que eu quis dizer.
Sobre você comentar que a minha frase diz muito sobre mim, você está corretíssimo. Não vendo meus textos como a verdade absoluta ou a opinião definitiva sobre a obra. No título está escrito “análise e impressões”. São impressões pessoais minhas também, idéias e gostos que desenvolvi conforme fui vivendo. Uma capacidade incrível do cinema se apresenta através da experiência individual. Como uma cena, frase ou personagem alcançam aquela parte elementar e oculta do indivíduo de uma forma única em cada um. Posso analisar diversos elementos num filme, mas nunca posso dizer que as coisas são dessa ou daquela forma só porque eu escrevo assim. Já vi filmes bons sobre favela e eles me passaram uma imagem muito mais fidedigna e marcante do que “Baronesa”. Não é achismo, é uma simples comparação de méritos. Achismo é você novamente dizer que eu assisto novelas da Globo ou gasto meu tempo nas páginas policiais de jornais.
Nada disso tá na análise sobre o filme. Aliás, seu comentário é mais uma análise minha do que de qualquer outra coisa. Posso até não ser um crítico perfeito nem um doutor em Cinema, mas tenho certeza que tratando de conhecimento sobre minha pessoa, seus achismos estão ainda piores que meus supostamente deploráveis conhecimentos sobre Cinema.
Que texto incrivelmente ruim!
Achei que ia ler sobre mise en scene e leio um manifesto!
Grande inácio Araújo já dizia que crítica é por “o filme em crise” e não sua opinião ferida!
Pobres palavras!
Incrível que ninguém faz o mínimo esforço pra ler o texto, buscando encontrar logo a área de comentários pra LACRAR e SAMBAR na cara do autor. A crítica rasa e os argumentos batidos são sufocantes. “Ai, sabia que tinha sido um homem”, “ai, descobri quem é você pelo parágrafo x”. Vocês são um bando de carentes querendo o carimbo de aprovação feminista pra poder ter assuntinho no meio dos amiguinhos engajados numa ideia cafona.
UM GRANDE ABRAÇO a vocês, já que a solidão está em níveis explosivos.
Parabéns ao autor por ter a coragem de se pronunciar com os defeitos que percebeu em uma obra de assunto tão controverso e atual.
A aclamação não deve vir de um tema bonito, coisa que ocorre mais do que deveria, mas sim de um tema bem executado.
Se a causa é justa, que faça justiça a causa, sem mas.
Texto horroroso, escrito por alguém frustado com a vida. Com certeza, deve dormir escutando Luan Santana, ous as reprises de Zorra Total.
Têm umas coisas que a gente lê na internet que não dá pra saber se a pessoa tá confusa no rolê ou se ela nunca teve um diário e por isso confessa suas “impressões” – palavra bem repetida no texto – numa página que administra. Acho que só a primeira opção é digna de compreensão enquanto a segunda já é um tanto quanto tosca, sem nexo, principalmente se essa pessoa fica se debatendo nos comentários negativos.
O lance é que vim procurar saber mais sobre filme e, aqui, não encontrei absolutamente nada que fizesse jus ao exercício da crítica que é, diga-se de passagem, descortinar outras camadas de sentido e apresentar as possibilidades de ampliação das discussões. Infelizmente, Caio, você está apresentando um discurso cheio de paredes que te impossibilita de fazer conexões com lugares para além do seu achismo te obrigando a dialogar apenas com o seu círculo social mais próximo numa livre exposição de sensos-comuns que se revelam bem incautos.
“Foda-se esse babaca”, talvez seja isso que você está pensando, “papo furado em conversa que já morreu”. Beleza, é justo.
Mas pensa só no seguinte: porque eu, você e outros homens colocamos tanta resistência nas produções encabeçadas por mulheres, querendo-as sempre “geniais”, “formidáveis”, “diferenciadas”, mas, quando se trata das dos outros homens, aceitamos com folga qualquer obrinha, por mais tosca que seja, com muito mais flexibilidade e chancela pra entrar pro cânone?
Opa, fala Marcelo!
Primeiramente, desculpe se meu texto não correspondeu às suas expectativas. Minha idéia foi ilustrar minha opinião de forma que ficasse clara para o leitor por que a obra não me tocou, de forma que minhas impressões — palavra usada apenas duas vezes — fossem mais longe do que dizer que achei raso. Meu problema principal com “Baronesa” é que ele se propõe a retratar uma realidade e poucas vezes chega a ser convincente, fidedigna ou “verdadeira”. Claro, nunca posso afirmar nada sobre as intenções reais da diretora e quais delas causaram esse problema, então expus o que para mim pareceu lógico.
E nada de “Foda-se esse babaca”. Houve comentários mal criados aqui nesta crítica e nem por isso saí distribuindo ofensas como fizeram. Não tenho problema algum com filmes dirigidos por mulheres e muito menos expectativas especiais sobre eles. Inclusive, “Lady Bird” foi meu filme preferido do ano passado. A idéia principal por trás de um site como este é ter um senso crítico, e acredito que o meu não tem filtros de gênero.