Depois de um bom tempo vacilando, a DC finalmente voltou a acertar. Podem haver controvérsias, claro, pois há quem goste de “Batman v Superman“. Para mim, não se fez um filme decente desde “Man of Steel”, que já não foi nenhum marco no gênero. “Wonder Woman” teve muita expectativa sobre si. A torcida para que fosse a salvação da DC começou quando a heroína se mostrou um dos pontos altos de “Batman v Superman“. Hoje, com o filme nos cinemas, o público pode dormir tranquilo: este não é um desastre como seus predecessores.
Nos primórdios da civilização, Zeus criou o homem como um ser puro de coração e bom. Mas sua criação logo foi corrompida por Ares, o deus da guerra, que disseminou inveja e violência e arruinou os deuses. Como último recurso, Zeus cria as Amazonas para serem uma ponte entre o ser humano e a bondade. Diana (Gal Gadot) é uma delas. Protegida desde pequena pela mãe, a rainha das Amazonas, Diana logo parte de casa para lutar uma guerra que não é sua e caçar Ares para acabar com a maldade na Terra. Mas ao conhecer o mundo dos homens, ela vê que sua caçada talvez não seja tão preto no branco quanto esperava.
“Wonder Woman” não é um fracasso, mas também não é o melhor filme de super-herói já visto. Talvez a disparidade entre sua recepção e a de seus predecessores tenha aumentado o fator surpresa, visto que os dois últimos foram aniquilados pela crítica. Em comparação, realmente dá para dizer que é um sucesso bem acima da média estabelecida previamente. Por si, é um investimento seguro depois de um super ambicioso e outro mal concebido. Não tentam inovar ou reinventar o gênero. Sem embates titânicos entre dois grande heróis, sem uma mistura de entonações sérias e cômicas: apenas uma história num molde familiar.
Isso não é um problema, que fique claro. Talvez incomode quem esperava uma reviravolta do gênero, mas não corresponder expectativas é problema de quem as cria. Em termos de enredo, tudo é bem padrão. A infância da protagonista é mostrada, então ela é treinada até se tornar a figura que todos conhecem. Logo, ela descobre sua missão e parte para derrotar um grande vilão numa grande batalha. No meio do caminho, é claro, a heroína descobre seus poderes e a si mesma, inclusive o amor. O clássico padrão Hollywoodiano de filme com ação explosiva, protagonistas bonitos, um romance entre eles e um clímax gigantesco. Passa a impressão de familiaridade, sim, mas raramente “Wonder Woman” se deixa cair no clichê.
A história é bem sucedida em apresentar uma personagem que já havia despertado curiosidade antes. Saí da sala de cinema sentindo que conheci a história da Mulher Maravilha sem nenhuma questão pendente me incomodar. Depois de sua origem na ilha de Temyscira, ela entra de cabeça em terras desconhecidas, no mundo dos homens e suas regras de etiqueta, bons modos e normas sociais rígidas. Uma amazona com as pernas de fora surge numa Londres de mulheres em espartilhos. Parece com a história de um deus nórdico enviado à Terra, onde ele se apaixona e tem de descobrir seu papel de herói. Pois bem, “Wonder Woman” é a versão de “Thor” que deu certo.
Ao contrário deste, a ação está muito mais presente. Esta é bem dosada e não serve como simples exposição dos poderes da heroína. Parece que ela realmente está agindo por intuição, colocando em prática conhecimentos já aprendidos, mas reprimidos até então. São sequências diretas ao ponto e sem exageros. Chris Pine, o interesse romântico, é como uma Natalie Portman que funciona bem por ir além de um rostinho bonito. Acredito que o enredo não tinha necessidade de um romance, mas pelo menos não soou forçado. Pine interpreta um personagem carismático e realmente impactado pela presença de Diana. Ele conhece seu mundo bem demais, mas nunca viu ninguém como ela; já ela é segura de si, mas nunca havia pisado fora de Temyscira. Dessa forma, sua relação é desenvolvida numa corrente de surpresas, estranhamentos e fascínio. O choque de realidade resulta no humor de “Wonder Woman” e seu maior acerto: a entonação.
Finalmente decidem se prender a uma abordagem sem mudar de idéia no meio do caminho. Nada de se levar completamente a sério e colocar piadinhas Marvel. “Wonder Woman” é um filme que consegue executar o humor até melhor que vários filmes da Marvel. A graça faz parte das cenas; as situações são engraçadas. Não encaixam uma piada para tornar o momento cômico. Se por um lado, a obra mostra ter identidade forte neste aspecto, ela se entrega ao clichê do clímax para frente. Até este ponto, o longa havia evitado isso perfeitamente, ainda que sem inovar muita coisa. Quando chega a hora de revelar o arqui-vilão numa virada estranha, aproveitam para incluir o discurso sobre seu plano, a parte em que ele tenta converter Diana para o mal e as típicas frases de vilão. A batalha é boa, porém senti que ela foi introduzida quase por obrigação, como se uma luta bombástica fosse imprescindível. E não só isso, algumas das frases mais lamentavelmente expositivas são proferidas nesse trecho final. “Eu amo você” e “Descobri que é melhor ser heroína por causa do poder da amizade” estão todos ali. Ao som de uma trilha sonora desimaginativa, um longa apenas formular até então finalmente perde a linha.
“Wonder Woman” pode ser o acerto que a DC precisava depois de dois fracassos consecutivos, porém não é nada extraordinário. A produção claramente freou nos quesitos inovação e experimentação em prol de algo mais comum. Funciona bem na maior parte do tempo, com exceção de alguns clichês dolorosos no roteiro e a ação prejudicada pela câmera lenta. Esta última cheira fortemente a Zack Snyder, por sinal. Desacelerar tantas vezes prejudica a fluidez. Faltou deixar a ação acontecer em vez de estilizá-la excessivamente. Nada que atrapalhe a Mulher Maravilha de ficar bem estabelecida como uma ótima personagem no Universo DC, pois os erros não são maioria. Gal Gadot pode não ser uma atriz excelente ou manter o sotaque de amazona sempre, mas não tem como imaginar outra pessoa em seu lugar.