A fama de “When Harry Met Sally” não veio até mim pelos meios comuns, como alguém falar bem e recomendar, foram livros sobre teoria cinematográfica que despertaram meu interesse. Mas o que uma comédia romântica dos Anos 80 poderia ter de tão brilhante para ser referência nestes meios? Acredito que esta obra estabelece um bom argumento sobre o potencial de qualquer história ser boa. Não importa tanto se ela já parece ter sido contada antes, como é o caso aqui. Se houver o diferencial dela ser bem contada, como muitas não são, então o céu é o limite. Com um roteiro impressionante desses, conciso e esperto, fica especialmente mais fácil fazer uma história de casal se apaixonando dar certo.
Tudo começou com um encontro peculiar. Harry (Billy Crystal) e Sally (Meg Ryan) acabaram de se formar e estão partindo para Nova York para trabalhar. Ela oferece carona para ele e os dois dividem uma jornada de 18 horas na estrada. Só há um detalhe: eles nunca haviam se visto até então. Então os dois se conhecem melhor ao longo de uma longa viagem, mas não se acertam muito bem pelas opiniões curiosas de Harry. Uma amizade é finalmente forjada após uma série de desencontros e logo é colocada em xeque pela invasiva presença da atração sexual.
Em primeiro lugar, um ponto relativamente comum para o sucesso de um Romance: a química do casal. Harry e Sally não tem nenhuma. Ou, ao menos, nenhuma minimamente perto do que se costuma ver no cinema ou na vida real. Nada como os clichês do rapaz olhar para a garota e ter certeza que ela é a encarnação do pai, filho e espírito santo — beleza, inteligência e simpatia — e depois tentar conquistá-la. Ou os casos em que os dois simplesmente se encaixam e aquele clique ocorre entre suas personalidades, dando a entender que uma combinação não poderia ser mais certa. “When Harry Met Sally” começa com Harry beijando exageradamente uma amiga de Sally na frente da própria. Então uma longa noite sucede com flertes desleixados, provocações e cabeças batendo. Não é a melhor forma de conquistar alguém nem chega perto disso. Harry e Sally serem tão diferentes quanto poderiam não é usado como pretexto para começar um romance apesar das diferenças, eles nem consideram a possibilidade.
Faz sentido, os dois estando tão distantes. Harry, apesar de notar a ausência de sinais dela, faz uns avanços pelo simples motivo de que é a coisa sensata a se fazer, tratando de uma mulher atraente. Ela, por outro lado, está bem disposta a discordar das intenções dele. “When Harry Met Sally” se destaca por começar abaixo da estaca zero. A relação entre os dois inicia com o pé esquerdo e é construída com um histórico negativo a ser compensado antes mesmo de uma amizade surgir. É um espetáculo assistir ao bizarro envolvimento de duas figuras tão díspares. mais ou menos como jogar dois animais selvagens numa jaula só para ver o que acontece, mas já indo com certa certeza de que não será nada menos que sensacional. Essas feras, adequando à metáfora, são Billy Crystal e Meg Ryan nos papéis titulares. No lugar de uma química palpável e envolvente entre os atores, eles procuram ser fiéis às personalidades de seu personagens para fortalecer a incompatibilidade. Dessa forma, a questão de como este obstáculo será superadas — e se há chance disso — se torna ainda mais forte.
Qual chance de um cínico, pessimista, meio depressivo, porém conformado com sua condição, teria com uma garota orgulhosa e enérgica, além de teimosa e um pouco fresca? Depende do filme. Se tais características forem consideradas complementares, como se o cínico não vivesse sem a fresca, então a chance é alta. Caso se trate de “When Harry Met Sally”, não. Ele nem é bonito, enquanto ela faz outras pessoas virarem o rosto para olhá-la na rua. É estranho pensar nos dois como um casal, mas é justamente isso que torna a combinação tão instigante.
Ser um em um milhão, contudo, não quer dizer muita coisa além de uma singularidade que ainda pode ser negativa. O que torna “When Harry Met Sally” tão bom e é frequentemente citado como sua qualidade de ouro é o roteiro. De todos os prós que citei até agora, todos estão fortemente influenciadas por ele. Crystal e Ryan de fato fazem energizam os personagens, há mais em Harry do que frases incrivelmente diretas e a um triz de serem ofensivas se este não fosse o jeito de ser. E quem seria Sally sem as reações de surpresa misturadas com choque e horror? Mesmo assim, não há como negar que os melhores momentos são proporcionados pela genialidade da roteirista Nora Ephron. São diálogos espetaculares — “Casamentos não terminam por infidelidade. É apenas um sintoma para outra coisa errada”, “É mesmo? Bem, este sintoma está fodendo minha esposa” — e uma sequência de quebras de expectativa que fazem este filme ser divertido e verdadeiramente engraçado. O espectador é constantemente induzido a acreditar que, finalmente, na próxima cena o filme será como em outras obras clichês. Mas não, Ephron garante que há sempre uma virada na história para desvirtuar um romance crescente ou um momento feliz com uma crise nervosa. Não é difícil se pegar gargalhando de algo tão criativo e engenhoso, e ao mesmo tempo tão real e na cara do espectador por falar de coisas banais, que dificilmente recebem o mesmo olhar cômico quando são lembrados. Quem realmente pensa sobre o tempo que um homem divide na cama com a mulher depois do sexo, se não for num tom ordinário ou preocupante? Bem, Harry fala sobre isso como alguém fala sobre o tempo virar.
Quem dera todas as comédias românticas fossem tão engraçadas quanto tentam ser. Uma perspectiva assim já é distante o bastante, pois esperar que elas sejam como “When Harry Met Sally” é jogar os padrões bem no alto. Não são todos os roteiros que conseguem ser espertos. A maioria cai na pretensão e não consegue levar o espectador numa jornada única como essa. Um conjunto de personagens ímpares, incluindo os coadjuvantes, só poderia resultar numa experiência divertidamente imprevisível.