Alguns filmes são mais interessantes que outros, obviamente. Preferências de gênero e artistas envolvidos costumam ajudar nesse quesito, assim como os assuntos tratados pela história. “High Fidelity” chamou minha atenção por combinar várias coisas interessantes: uma história imersa em nostalgia, regada a músicas antigas e discos de vinil. Isso pode tornar a obra mais atraente na hora de escolher o que assistir, mas não necessariamente torna a experiência final melhor. No final das contas, tudo isso fica como detalhes menores de uma obra que acerta e peca pelos motivos mais clássicos: narrativa, elenco, desenvolvimento de personagens… Não é uma participação de Bruce Springsteen que absolve todo e qualquer pecado.
Rob Gordon (John Cusack) acorda um dia para descobrir que sua namorada, Laura (Iben Hjejle), está indo embora. Desconcertado, ele volta para a rotina monótona de sua loja de discos, que só não é mais parada porque Barry (Jack Black) e Dick (Todd Louiso) sempre estão fazendo alguma besteira. Entre aguentar seus amigos peculiarmente irritantes e uma loja que não tem muito movimento, Rob encontra pouco conforto em seus discos. Resta relembrar namoradas de seu passado e as encaixar em uma mania sua de fazer “Top 5” de tudo. Dessa vez envolvendo os piores términos de sua vida.
“High Fidelity” se beneficia dessa mesma mania. A dinâmica do protagonista de rankear todas as coisas é uma saída criativa para contar sua própria história. No mínimo, foge da infeliz alternativa do flashback expositivo. Neste cenário, Rob estaria incomodado com o término e evidenciaria como sua vida amorosa deu errado ao longo dos anos; corte para cada um dos cinco términos mais traumáticos. Simples e direto ao ponto, além de um clichê gigantesco. Deste outro jeito, usam uma característica do próprio Rob para moldar a narrativa e criar uma boa desculpa para flashbacks no processo. Além disso, é uma variação de tom para uma história sobre uma vida estacionada na mesmice. A narração, que expõe alguns pensamentos profundos de Rob, torna-se cômica e até engraçada. Evitando uma história contemplativa e introspectiva demais, ou um contraste negativo entre comédia e drama, este formato traz um meio termo interessante na forma do tragicômico. Uma hora Rob está colecionando a poeira da loja nos pulmões; em outra, está de volta ao passado para recordar frustrações amorosas. Seria uma memória carinhosa se não fosse lembrada como tragédia anos depois.
Outro fator importante nesse dinamismo de tons é a música. Até porque errassem nessa parte, seria um pecado ainda mais grave por “High Fidelity” ser uma história centrada no mundo musical. De todas as coisas que penso sobre os personagens do filme, não posso falar de seu gosto. Além da história tratar sobre colecionar vinis, hobby que comecei há pouco tempo, ela também escolhe grandes artistas para estampar as grandes capas dos discos e os sons no fundo. The Velvet Underground, Fleetwood Mac e The Kinks; Aretha Franklin, Bob Dylan e Stevie Wonder. Não faltam menções, referências e as canções propriamente ditas na trilha, sempre bem encaixadas com as cenas que compõem. A clássica “The River” de Bruce Springsteen, por exemplo, toca baixinho sem deixar de marcar o sentimento de solidão da cena. Pode ser uma presença sutil, às vezes, porém constante e eficiente.
Momentos como esse marcam perfeitamente o sentimento dos personagens envolvidos e ajudam na sua construção. A estrutura narrativa e as músicas contribuem para uma experiência bem cadenciada e dinâmica, variando ritmo e sentimentos para não abrir espaço para a monotonia. Entretanto, ainda falta um enredo para dar substância à história contada. O protagonista começa a lembrar de seus términos numa crise de frustração nostálgica birrenta, abrindo as portas de seu passado ao espectador. Ele demonstra que resta uma fagulha de interesse pela namorada que o deixou e decide correr atrás dela. Dessa forma constitui-se a base da trama, mas nunca senti que esse arco atinge seu potencial. Ele funciona, em grande parte, pelos já mencionados acertos em ritmo e estrutura, não tanto pela escolha de eventos da trama.
Mas nada disso chegou a me incomodar tanto quanto os personagens de “High Fidelity”. Não consegui me conectar com praticamente nenhum deles. Talvez com participações pontuais por valores puramente cômicos, raramente com qualquer um dos mais importantes. Dick, o funcionário de Rob, é o mais fechado e tímido, mal tem espaço no roteiro para causar uma boa impressão. Já Rob Gordon, o principal, é um pouco mais ativo. Seus pensamentos são ouvidos, suas manias presenciadas e alguns sentimentos verdadeiros chegam a aparecer de vez em quando. Mesmo assim, não consegui empatizar com este estereótipo do vendedor de vinis entediado demais para dar um bom atendimento. Neste caso, mal posso pensar em culpar John Cusack por uma atuação relaxada, seu personagem é escrito dessa forma. Simplesmente não há uma conexão minimamente humana com a audiência, ele apenas oferece seu conhecimento musical de forma esnobe beirando o rude. Não digo também que a solução seria partir para uma personalidade mais ativa, pois o personagem de Jack Black se encarrega de entregar uma. Nem ele funciona. Black encarna cem estereótipos em um personagem excessivamente excêntrico, o qual só está ali para tentar agitar o ambiente. Isso se traduz em ser barulhento, falar besteiras e ir o mais contra possível à tranquilidade dos outros dois. É o típico cara que peida no elevador com os amigos dentro e acha transcendentalmente engraçado.
Devo admitir que pensei em escrever essa análise como se fosse um dos Top 5 de Rob, mas na revisão do texto vi que soou extremamente idiota. Ao menos isso funciona bem em “High Fidelity”, tanto que enriqueceu um enredo fraco e tornou a experiência muito mais fácil de assistir. As músicas também ajudam, ocasionalmente delineando sentimentos que os personagens falham em transmitir, mesmo que não cheguem perto de compensar suas personalidades pouco atraentes. É uma experiência que talvez agrade mais quem sentir-se mais próximos do contexto da história, da juventude passada nas lojas de discos. Para mim, não funcionou tão bem.