Depois de me surpreender positivamente com “Ghost in the Shell“, fiquei muito curioso por sua continuação. Seu final foi relativamente fechado, deixando apenas uma fresta para continuar a história. Com Major em um corpo novo e muito menos avançado, certas questões ficaram no ar sobre como dariam continuidade a seu trajeto quando as cenas de ação ficariam carentes de uma protagonista como ela. Restaria para “Ghost in the Shell 2: Innocence” explorar o passado de Major Motoko — como o filme de 2017 — ou questões filosóficas adicionais não exploradas a fundo no original. Parte disso é abordado nesta continuação, nunca atingindo o mesmo nível de seu predecessor.
Um bom tempo se passou desde o desaparecimento de Major Motoko Kusanagi e o incidente com o Mestre dos Marionetes. A ausência de notícias dela não impediu que Batou, seu antigo parceiro, continuasse seu trabalho para a Seção 9, contudo. Junto de Togusa, ele investiga uma série de crimes envolvendo robôs domésticos que mataram seus donos sem explicação aparente. Aos poucos, os tais robôs domésticos terem sido criados para fins sexuais e outras informações vazam, aumentando cada vez mais o escopo de um caso mal explicado.
“Ghost in the Shell 2: Innocence” definitivamente não chega perto do sucesso do original. Francamente, até mantive uma expectativa alta quando vi que foi uma das poucas animações a serem exibidas no Festival de Cannes e a segunda, junto com “Persepolis” a competir pelo prêmio principal. Considerando que o primeiro foi ótimo e não teve muito reconhecimento na época, pareceu que sua continuação talvez tivesse conseguido superá-lo ou, pelo menos, chegar perto. Gostaria de dizer que isso foi verdade, mas reconhecimento não está em sintonia com qualidade neste caso. O longa de 1995 trouxe um extenso plano de fundo filosófico junto de um enredo rico por si. Uma história que começou com a caçada a um terrorista acompanhou uma discussão sobre individualidade e coletividade num contexto futurístico, questionou conceitos de identidade e logo envolveu o vilão como uma grande parte desse construto idealista. Foi uma sequência complexa de elementos profundos unidos numa narrativa coesa, um passo muito a frente de transformar os diálogos num constante tiroteio de citações de pensadores famosos.
Há uma grande diferença entre o original e essa continuação, no geral: os defeitos do primeiro são praticamente os mesmos daqui, só que mais toleráveis. Os dilemas de Major eram apresentados, em grande parte, por monólogos sobre o que quer que a atormentasse. Num roteiro, poucas coisas são tão expositivas como essa, mas faz parte da personagem ser tão distante que seus poucos momentos de fala são súbitos e diretos ao ponto. Além do mais, eram discursos bem escritos, que ilustravam a filosofia através de um diálogo natural.
No lugar de uma protagonista com questões críticas sobre sua própria existência, praticamente todas as idéias novas para outra série de questionamentos são trazidas por meio de citações. Literalmente. Os personagens conversam entre si usando incontáveis frases de pensadores no meio de seus discursos, às vezes com estes tomando o maior espaço de suas falas e menos frequentemente, mas não menos absurdo por acontecer, respondendo citações com citações como se fosse uma coisa normal. Assim, faz todo o sentido que muitas das respostas de Togusa a estas situações sejam sempre algo como: “O que você quer dizer?”. Como espectador, fiz a mesma pergunta diversas vezes. A citação escolhida pelo roteirista realmente pode ter a ver com o que está sendo dito, mas a repetição desse formato não resulta num diálogo fácil de acompanhar. Não sei exatamente qual foi a intenção de Mamoru Oshii — dessa vez diretor e roteirista: ele transformou “Ghost in the Shell 2: Innocence” numa colagem de frases icônicas pouco convidativa. Não há espaço para o espectador se imergir na experiência quando os próprios personagens se isolam e esquivam da fluidez com as idéias de outro indivíduo uma vez atrás da outra.
Isso também não quer dizer que a grande mensagem deixe de ser passada. Quando o tópico mais proeminente da trama se salva e é transmitido claramente, é uma conquista muito bem vinda. Não por mérito das citações, diga-se de passagem, é seguindo a dinâmica de seu predecessor — um bom enredo e diálogos que integram em si as contemplações — que novos temas existenciais são abordados. Dessa vez, o longa escolhe a própria definição de humanidade como alvo de seus questionamentos; como um mundo que mecanizou praticamente todas as características humanas ainda tenta estabelecer limites entre o que é humano e o que é sintético. Isso poderia ter se beneficiado novamente com outra tática do primeiro: aproveitar a construção visual de mundo como um elemento narrativo, ambientar a história num contexto urbano mais próximo do cidadão comum que nele vive. Neste quesito, erram na escolha dos ambiente e mais ainda numa identidade visual mal concebida desde aquela época. Novamente sobre defeitos toleráveis, “Ghost in the Shell” tem animações em computação gráfica ultrapassadas para o padrão de hoje. Contudo, elas são tão bem integrados aos desenhos que mal dá tempo de notar que envelheceram. A CGI estava ali como um complemento para outro tipo de animação dominante, como acontece em “Kubo and the Two Strings“. Nada como a competição entre dois tipos de animação diferentes em “Ghost in the Shell 2: Innocence”. Não consigo conceber a catástrofe criada aqui como algo bom na época do lançamento e menos ainda hoje. É agressivamente destoante como ambientes inteiros são apresentados em CGI quando os desenhos são tão superiores. Posso dizer com tranquilidade que erraram o alvo por muito no visual.
Igualar “Ghost in the Shell” não seria uma tarefa fácil. Ele foi muito além de minhas expectativas e é tido como um dos melhores animes da história, porém as críticas à “Ghost in the Shell 2: Innocence” devem ser mais leves por isso. Alguns erros são explícitos demais para serem ignorados. Não tem como olhar para algumas sequências e pensar que aquela computação gráfica está entre as melhores formas de ilustrar o momento. Não acharia absurdo se alguém gostasse de todas as citações de Buda e John Milton, mas acho difícil imaginar alguém gostando de ver uma loja de conveniência inteira em CGI com apenas o protagonista desenhado. Talvez a inovação, comum em continuações, não devesse ter vindo na parte visual; diferenciar-se do original foi uma grande fonte de problemas.