Não é exatamente surpreendente ver alguém por aí com sonhos de fazer um filme, ir para Hollywood e se tornar um grande nome na indústria. É muito difícil, claro, e quase sempre a mesma história: se essa pessoa ao menos tivesse uma chance já seria o bastante para convencer os cabeças de estúdio de que é um bom partido. Tommy Wiseau — diretor, roteirista, ator, produtor e produtor executivo de “The Room” — pode muito bem se encaixar nesse modelo. Ele queria fazer uma peça de teatro, depois a transformou num livro de mais de 500 páginas nunca publicado e em seguida num longa-metragem. O problema? Wiseau não tinha a mínima aptidão para o cinema. Ele tinha o dinheiro, porém, e por isso essa catástrofe cinematográfica viu a luz do dia.
É difícil pensar numa premissa que apresente esta obra apropriadamente. Johnny (Tommy Wiseau) tem um trabalho decente, um apartamento e uma namorada que o ama. Ele traz flores e presentes quando volta para casa e ela adora, tudo está aparentemente certo. Ou nem tanto. Lisa (Juliette Danielle) muda de opinião sobre seu relacionamento nos meses antes de seu casamento e seduz Mark (Greg Sestero), o melhor amigo de Johnny. Uma corrente de mentiras e desconfiança começa dentro da casa de Johnny.
Na maioria das análises, eu tenho mais ou menos um argumento principal, mais amplo, que coloco nesse parágrafo para trazer outros pontos mais específicos mais adiante. Eu escrevi no último texto sobre estrutura do roteiro e como ela atrapalha a empatia do espectador pela história. No caso de “The Room”, nem sei por onde começar. Não é muito frequentemente que falo com tanta segurança como quando digo que este é um dos piores filmes que vi na vida. É até difícil escrever esse parágrafo e introduzir minha opinião porque há tanta coisa errada aqui que eu não sei qual delas é a pior. Poderia falar do roteiro tosco, na falta de uma palavra melhor, e sua apresentação de arcos que começam e terminam na mesma cena, dos diálogos repetitivos e imbecis, das atuações hilariamente fracas ou da ausência de qualidades em absolutamente tudo. Do sotaque esquisito de Wiseau ao seu visual, tudo é tão esquisito que parece algum tipo de piada; no fundo, alguém deve estar rindo de todas as pessoas que guardam 99 minutos para assistir a esse desastre.
Imagine o primeiro dia de aula do curso de Inglês Básico e o que as pessoas dizem. Ninguém sabe falar ou entender direito o idioma, então tudo fica no simples: “Olá, como vai você?”, “Você gosta de pizza?”, “Eu estou muito feliz”. Agora imagine um pornô brega dos Anos 90 e o máximo de clichês que poderiam entrar no pacote: velas aromáticas, pétalas de rosa sobre corpos nus, movimentos lentos e, claro, uma música romântica no fundo. Esse é o começo de “The Room” e uma boa introdução do que está por vir. A atuação está no nível do que se vê num pornô e a história chega a ser até pior. Pelo menos na pornografia as coisas vão a algum lugar. A historinha e as falas são vergonhosas, mas não escondem o fato de serem desculpas para o sexo.
Os diálogos partem sempre do mesmo ponto — um estúpido “Olá, fulano” — refletindo uma história carente de qualquer noção de progressão; e não digo nem progressão dramática, isso já é pedir demais, é uma questão de coesão. Este filme funciona como uma pessoa que diz as coisas sem conectar uma frase na outra; ela começa falando que o dia está uma droga, mas sempre quis ser um cavalo se pudesse ser um animal. Tudo isso sempre com a fluência de alguém que acabou de começar um idioma novo. “Não posso te contar, é confidencial. Enfim, como está sua vida sexual?”, diz Johnny a seu amigo numa casual conversa de café. Tudo regado a uma frequente dublagem editada sobre atores com lábios fechados. Assincronia labial seria um avanço para este longa.
Definitivamente o filme para não assistir perto dos pais, “The Room” tem tanto potencial para constranger por suas cenas de sexo aleatórias — ambientadas a uma música melosa, que diz coisas como “Seu toque tira fogo de mim” — quanto pelas barbaridades que comete. Aliás, é mais fácil se ofender pelo mau gosto universal do que por qualquer outra coisa. É uma sequência de vergonha alheia sem um respiro de alívio breve. Não dá para terminar a frase “Essa cena não é tão ruim assim…” antes de um novo absurdo surgir. Por sinal, absurdo é uma boa palavra para este longa. A ciência diz que a repetição de um estímulo reduz seu impacto inicial, precisando de algo mais potente para ter o mesmo efeito. “The Room” está acima dessa regra. Ele é abissalmente ruim em todas as vezes que repete seus “Olás” e “Eu gosto de você”. Começa com o próprio Tommy Wiseau, seu cabelo escuro e comprido estampado no medonho pôster; então ele entra em ação do jeito mais estranho possível, com algo que mal pode ser chamado de má atuação. Não é como se ele falasse mal seus diálogos, sua pronúncia é tão esquisita que ele parece um protótipo da voz do Google Tradutor dos Anos 80, se é que algo assim é possível. Então entram os outros atores e não ajudam em nada. Suas ações vão de um adolescente achar legal ver seus amigos transando e até entrar no meio, como se fosse uma brincadeira normal, até atuar como uma versão live-action de “Frango Robô”, oferecendo nada além de um motivo para o espectador dar risada.
Inclusive, umas risadas foram a única coisa positiva que deu pra extrair daqui e a única justificativa para não dar uma nota nula. O que dizer de “The Room”? Falar que é o filme é ruim é afirmar o óbvio, dizer que é horrível é subir um pouco e partir para o eufemismo, apontar como um dos piores de todos os tempos é chutar um cachorro morto. A única coisa que pode realmente definir esse filme é um aborto da união profana entre um pornô cafona, os diálogos de um estudante de Inglês Básico e um pouco de “Frango Robô” se levando a sério. Vale para ver que não importa quão errado as coisas possam dar, dificilmente elas chegam nesse ponto.