Mais recentemente, o seriado “The People v. O.J. Simpson” mostrou como o espancamento de um taxista negro manteve sua presença forte anos depois do ocorrido. O homem tornou-se uma referência da brutalidade policial nos Estados Unidos e teve influências claras no caso. Nada disso impediu que eventos parecidos acontecessem anos depois, todavia. Mark Duggan, um rapaz negro, foi morto com dois tiros pela polícia inglesa durante uma operação anti-crime; e, para complicar, relatos contraditórios da polícia e das testemunhas dificultam muito saber o que aconteceu de verdade. Como “Arrival” mostrou, a desinformação tem um potencial e tanto de causar o caos. A família de Mark Duggan e centenas de outras pessoas se uniram contra a polícia, dando início às Revoltas na Inglaterra em 2011. “Six Rounds” pega carona nesse tumulto para contar sua história.
Entre controvérsias de racismo, elitismo, depredação da cidade e até algumas mortes, Stally (Adam J. Bernard), um ex-boxeador, enfrenta um dilema complexo. Sua vida de antes é algo que ele tem evitado. Ele prefere manter distância do crime, do cotidiano mais simples e de pessoas que não acrescentam nada à sua vida. Sua opinião é firme e, mesmo assim, ele não se sente confortável em sua outra vida com a namorada que o ama e a fartura que ele não tinha. Não demora para Stally se ver dividido entre seu passado e seu presente, uma decisão que pode lhe custar muito.
Charles Dickens — ou Wilkie Collins ou Charles Reade — disse uma vez: “Faça-os rir, faça-os chorar, faça-os esperar”. Uma grande verdade em inúmeros sentidos. Numa história, entregar o jogo muito cedo tira a graça e pode-fazer o espectador sentir que a obra já não tem nada a dizer. Bem, eis o motivo pelo qual um final pode salvar ou estragar um filme. A estrutura de uma história desenvolve a trama e seus conflitos até que o clímax coloca tudo isso em jogo e a conclusão dá um ponto final em seguida. Mas acho que no caso de “Six Rounds”, eu mudaria essa frase um pouco: “Faça-os rir, faça-os chorar, faça-os se importar”. O filme começa introduzindo os eventos das Revoltas de 2011, contando brevemente o que aconteceu antes de cortar para uma partida de boxe entre um rapaz negro e outro branco. Logo, o rapaz negro, Stally, se encontra numa sala falando com alguém que só poderia ser um tipo de terapeuta; ele se abre e expõe as emoções dentro de si da maneira mais crua que consegue.
O que está acontecendo? Tudo é bem confuso no começo. Então as coisas vão se encaixando e, aos poucos, o “Six Rounds” do título faz sentido. Nota-se logo que a estrutura foge do tradicional e intercala núcleos não ligados cronologicamente — entre eles, a partida de boxe e os momentos de reflexão. Poderia dizer que é um formato que beneficia a narrativa, criando certo mistério sobre o que está acontecendo ali, sendo que é justamente o contrário. A história brilha de verdade nos momentos em que coloca seus pés no chão — especialmente mais perto do final, quando algumas revelações interessantes aparecem. Ver essa sequência de eventos alternando entre si sem criar expectativa pelo que acabou de ser cortado deixa tudo confuso e pouco desenvolvido. Quanto a isso, a duração de 57 minutos vem com sua própria cota de prós e contras. Por acabar rápido, a narrativa não chega a se estender demais — mesmo não evitando que seja cansativa em alguns momentos. A brevidade traz a superficialidade, contudo, com muitos dos personagens e os conflitos entre eles tendo pouco impacto por simplesmente darem as caras sem precedente ou introdução apropriada.
É uma pena também, pois Adam J. Bernard faz um bom trabalho em interpretar uma pessoa com uma bela coleção de problemas. Stally é tão imerso em sua confusão mental que mal consegue expressá-la claramente; suas palavras apenas arranham a superfície dessa condição. Ele demonstra vontade de se expor, libertar seus demônios interiores, mas seu esforço só resulta numa mesma frase repetida vez após vez; algo que poderia ser visto como uma falha de roteiro se encaixa perfeitamente na condição do protagonista. Sua jornada, por outro lado, já deixa a desejar. Muitas histórias têm poder por demonstrar que a dificuldade enfrentada por seus personagens é real. Ir do Condado até Mordor é um trajeto temido e muito debatido antes mesmo de Frodo pisar fora de casa; ou em um exemplo menos fantasioso, há um desejo unânime de sair do hospital em “Um Estranho no Ninho” porque a Enfermeira Ratched torna a vida de todos um inferno. O conflito é bem estabelecido em ambos os casos e a audiência é preparada para o desafio por vir. “Six Rounds” pula algumas etapas ao partir quase diretamente para este mesmo desafio. Não reclamo das partidas de boxe aparecerem desde o começo e ganharem importância mais tarde, é mais relacionado a como os diversos problemas são apresentados muito subitamente. Como espectador, mal sabia das intenções ou, no mínimo, quem os personagens eram e já estava vendo-os passarem por maus bocados, mal tive tempo de começar a me importar com eles.
Efetivamente, “Six Rounds” se adianta tanto que muita coisa fica de fora, inclusive o desenvolvimento de alguns indivíduos. Não é como se todos precisassem ser explorados igualmente, mas gostaria de saber com quem a história está lidando para ter uma noção de para a onde ela pode partir dali. Parte da graça de uma experiência cinematográfica é a curiosidade que os personagens despertam, algo que falta aqui porque eu não ligava o bastante para a maioria deles.