Um novo King Kong era realmente necessário? Tudo bem, já faz 12 anos desde o remake de Peter Jackson, mesmo não parecendo que faz tanto tempo. Novamente, era necessário? Eu acho que não. Mas não é como se alguém em Hollywood ligasse para minha opinião, o dinheiro sempre vai falar mais alto que um crítico de cinema do sul do Brasil. Eis “Kong: Skull Island”, um reboot da série para adicionar mais um monstro ao MonsterVerse da Legendary Pictures, uma nova proposta que pretende reunir vários monstros famosos num universo só. Talvez este longa não fosse necessário, mas eu pensaria menos nessa questão se houvesse qualidade para justificar. Algo apenas razoável não é o bastante.
Os Estados Unidos estão uma bagunça gigantesca com os finalmentes da Guerra do Vietnã. De um lado, manifestações populares criticam o governo e pedem para trazer as tropas de volta; de outro, uma organização quase falida quer apoio para uma expedição estranha. Um grupo de cientistas descobriu a existência de uma ilha desconhecida no oceano pacífico e suspeita que algo fora do comum está lá. Eles conseguem transporte e uma escolta para a chamada Ilha da Caveira, onde encontram um ambiente inóspito, no mínimo, e uma criatura única: King Kong.
Se este fosse um filme da série “vs.” de Godzilla, chamaria ele de “King Kong vs. Godzilla vs. Jurassic Park III vs. Michael Bay vs. Marvel”. Qual o sentido disso? O grande erro de “Kong: Skull Island”: ser um filme sem foco. Não vou dizer que é impossível juntar influências de tudo isso e fazer algo bom; até achei que se havia alguém em Hollywood com esse poder, seria Dan Gilroy — diretor e roteirista de “Nightcrawler“, o melhor filme de 2014. Infelizmente, nem ele salvou esta obra de abraçar muitas coisas e não executar nenhuma delas bem. Para não dizer nenhuma, a Legendary mantém sua boa reputação nas cenas de ação com monstros gigantes, com destaque para as lutas entre eles. Assim como em “Godzilla“, os melhores momentos são os que finalmente colocam o monstro principal contra outro adversário gigantesco. São essas cenas que exploram o potencial de King Kong ao máximo, é o gorila em seu habitat natural e nada amigável: uma ilha cheia de criaturas agressivas. Pterodáctilos, búfalos, polvos e insetos gigantes são apenas alguns dos perigos da Ilha da Caveira.
E o que seria “Kong: Skull Island” sem um protagonista decente? Fazem um trabalho excepcional em reviver King Kong para uma audiência que pode não conhecê-lo bem, adaptando o gorila à nova proposta de criar um universo baseado em lutas de monstros gigantes. Isso quer dizer que ele tem menos de seu lado selvagem e silvestre para se tornar um tipo de animal humanizado; diferente dos filmes antigos, nos quais King Kong era um gorila em todos os sentidos, menos no tamanho. Seu comportamento agora é mais como um tipo de guardião mitológico, um anti-herói consciente de seu papel de protetor da ilha. Por mais que pareça um retrocesso do que o personagem representava — uma vítima da ganância humana — é uma abordagem apropriada ao que buscam aqui: explorar o potencial de Kong para criar boas cenas de ação. Já é um caminho mais sensato que a versão japonesa da Toho, que dormia aleatoriamente e se alimentava de eletricidade porque “King Kong vs. Godzilla” era para ter sido “Frankenstein vs. Godzilla”; simplesmente não adaptaram o roteiro e King Kong ganhou um novo poder. Mas quanto menos sobre as besteiras da Toho, melhor.
Mesmo com um passado tenebroso, cheio de problemas legais e adaptações infelizes, “Kong: Skull Island” não esquece seu legado e o homenageia. A luta contra os répteis do subterrâneo da Ilha da Caveira lembram os dinossauros do clássico de 1933 e do remake de Peter Jackson; enquanto a luta contra o polvo consegue fazer sua referência breve ser infinitamente melhor que qualquer coisa em “King Kong vs. Godzilla“, principalmente a luta contra um polvo projetado num telão. Infelizmente, a presença de todas essas criaturas secundárias só prestam de verdade quando estão acompanhadas de Kong. Em outros momentos, elas apenas recriam mal “Jurassic Park III“. Começa a grande falta de foco do roteiro deste longa.
Boa parte da história coloca os personagens humanos explorando a ilha depois de um encontro infeliz com King Kong. Eles estão perdidos num lugar nunca antes cartografado e habitado por predadores. Logo se instala uma rotina de apresentar uma nova ameaça por vez, como o terceiro filme do parque dos dinossauros faz com os tiranossauros, com o espinossauro e os pterossauros repetidas vezes. Mas essa não é a base para a trama, “Kong: Skull Island” ainda ousa interpretar King Kong como uma vítima do ser humano ao mesmo tempo. É incoerente e duplamente incoerente. Em primeiro lugar por ficar claro logo no começo quem está acima na cadeia alimentar; e mais ainda por não se decidir se esta abordagem será usada para gerar mais cenas de ação ou um tom dramático. E mesmo esse drama falho está competindo o tempo todo com um humor típico da Marvel, tão mal administrado aqui que eu não sabia quando os personagens estavam tentando ser engraçados. Era só depois que contavam a piada e alguém confirmava a suposta comédia que eu me tocava do desastre humorístico.
A direção de Jordan Vogt-Roberts também falha em mostrar firmeza na hora de explorar um tom só. Ele segue junto com o roteiro vacilando constantemente em querer criar uma conexão entre homem e fera, como quem tenta dizer que o selvagem de verdade é o ser humano enquanto mostram uma mão humana sobrepondo a pegada do gorila. Pior do que isso, apenas as cenas em que a própria ação chega a níveis vergonhosos, com a cinematografização de momentos ridículos na esperança de torná-los melhores. Basta ver quando um soldado armado com uma katana parte para cima dos monstros em câmera lenta. No fim, a ótima representação do gorila ofusca todas as outras tentativas de incrementar essa obra como mais do que um filme de ação.
Não esperava nada “Kong: Skull Island” e, francamente, continuo sem me empolgar pelo futuro dessa franquia. Gostei muito do “Godzilla” de 2014 e acho que ali sim há potencial para coisas boas, então me lembro que pretendem colocar Godzilla contra King Kong novamente e desanimo. O tamanho dos monstros é incompatível — mesmo que digam convenientemente que Kong ainda está em crescimento aqui — e a situação só piora em questão de poder. Posso estar me lamentando à toa, então só resta esperar que essa nova empreitada seja mais centrada que a ressurreição do gorila gigante.