É bem fácil olhar para “The Wrestler” e pensar que é apenas outra história clichê sobre um lutador. Talvez “Rocky” deva ser culpado por emplacar esse modelo do vira-lata que sobre na vida, enquanto “Raging Bull” é responsável pelo oposto, a celebridade que passa a vida descendo do pódio. Por pensar que essa obra de Darren Aronofsky não se distanciaria de nenhum desses dois modelos, ela ficou meses e meses na minha Netflix pegando poeira. Só fui assistir quando eu tinha que ver algo com menos de 2 horas de duração, então foi esse o escolhido. Agora vejo que foi uma razão imbecil para ver um filme excelente, com uma identidade bem definida apesar do que o título sugere.
Randy “The Ram” Robinson (Mickey Rourke) é conhecido por sua carreira de sucesso no wrestling, a luta livre das fantasias coloridas, nomes chamativos e uma coleção de golpes ensaiados à exaustão. Mas tudo isso foi há muito tempo atrás. Randy curtiu o auge de sua fama décadas atrás e, hoje, não está nem perto disso. Sua vida se resume a pagar o aluguel atrasado, lutar contra os mesmos caras de sempre e de vez em quando ir a um bar de strip-tease. Quando problemas de saúde se colocam no caminho de seu trabalho, ele vê que sua carreira na vida real não será fácil.
Uma coisa que pode assustar quem assiste a “The Wrestler” é seu ator principal, Mickey Rourke. Nos Anos 80, ele foi conhecido como um rostinho bonito de filmes água com açúcar, mais lembrado por “9 1/2 Weeks” com Kim Basinger. Então ele decidiu mudar completamente o rumo de sua vida, abandonando a carreira de ator para tentar a vida como boxeador em 1991. Mas como só Sylvester Stallone consegue conservar um rosto agradável depois de cinco ou seis Rockys, Rourke sofreu várias contusões e teve o rosto desfigurado. A resposta para esse problema foi a cirurgia plástica, ou melhor, seria se ele tivesse escolhido um bom cirurgião. O rostinho dos Anos 80 já não era mais visível, reduzido a uma coleção de músculos enrijecidos e uma expressão esquisita. Mas o que isso tem a ver com esse filme? Tudo. O papel de um lutador em fim de carreira, que se agarra aos resquícios de sua fama para viver se encaixa perfeitamente com um ator que voltou para Hollywood sem o mesmo apelo de antes. Ele não era mais atraente, não estava em alta no mundo do Cinema e já não tinha mais sua carreira de boxeador. É o papel perfeito.
Não é surpresa, então, que o ponto mais forte de “The Wrestler” seja justamente a atuação de Mickey Rourke; esforço que alcança a alma do personagem, mostrando que Randy Robinson é mais do que ele costuma mostrar para os outros. É fácil olhar para ele e pensar que é mais um fracassado que ganha pouco e deixa de pagar o aluguel para dormir no carro depois de gastar com uma stripper e cerveja. Então a história tem uma virada e, logo, Randy deve encarar desafios diferentes de se quebrar num ringue. É nesse ponto que Rourke brilha, trazendo o lado humano de alguém que viveu como um super-herói do submundo, se jogando de cordas e batendo nos outros com cadeiras, escadas e até pernas mecânicas. Arrependido e perdido, o personagem busca outros horizontes sem nunca ter tido experiência nisso.
Eis o conflito de uma pessoa que não sabe para onde ir porque fez uma coisa só a vida toda. Ele não pode simplesmente socar as coisas até que elas se ajustem. Diferente da luta livre, onde quase tudo é combinado, a vida real está mais do que disposta a contrariar quaisquer expectativas. O problema é que Randy parece não ter a mínima noção disso; viver sempre foi mais seguir uma rotina do que enfrentar desafios de verdade, combinar o que será feito e prosseguir com o plano. Rourke representa perfeitamente a frustração de uma percepção súbita, mas não totalmente inesperada, de alguém que vê que as novas dificuldades só são tão difíceis porque nunca foram antecipadas. Ele sabia da existência delas e nunca se preparou. A única novidade dessa história é sua própria estupidez aparecendo diante de seus olhos.
Se Mickey Rourke é quem percorre o caminho, o roteiro é o responsável por pavimentar a estrada. Um dos méritos dessa história é justamente sair dos dois padrões mencionados antes; o título e a sinopse não fazem justiça ao que é atingido aqui. “The Wrestler” começa no auge da carreira de seu protagonista: uma montagem com pôsteres e capas de jornal ao som de Quiet Riot. Essa é a vida que Randy “The Ram” gosta, a que ele sempre quis viver. Sem demora, a realidade é apresentada: um homem velho de cabelo descolorido ganhando uns trocados porque veio pouca gente para a luta. A situação já começa digna de pena e só piora. O grande conflito deixa de ser apenas uma queda do sucesso e da fama, ele vai além de mostrar a adaptação a uma vida mais parecida com a do cidadão comum. Não que isso seja ruim de alguma forma, é apenas melhor que eles aproveitem esse modelo conhecido como uma das etapas da história; mostrando que, na verdade, Randy nunca foi diferente do cidadão comum, ele só não tinha se tocado.
É uma coincidência meio infeliz, mas funciona muito bem. A tragédia estética de Mickey Rourke é um detalhe que, sem dúvida, soma para todo o drama enfrentado por seu personagem. A imagem que ele tem de si e como os outros o enxergam cria um contraste claro, surpreendendo pelo próprio “The Ram” não notar. “The Wrestler” trabalha com essas disparidades explícitas ao revelá-las não para o espectador, que já sabe de tudo de antemão, mas para o próprio personagem, cego para seu cabelo sujo e seu rosto deformado.
2 comments
Esse filme é impressionante. Drama muito bom e como disse o MR esta imperdivel! Deu vontade de assistir de novo pela descrição acima!
Ele tá muito bem mesmo! Ganhou Globo de Ouro e merecia até o Oscar!