Sãs raras as vezes que fico insatisfeito com uma animação. Primeiramente, porque a grande maioria das que vejo são da Disney ou já reconhecidas como grandes trabalhos — como “Akira“. Em segundo lugar, porque muitas das que não se encaixam nesse grupo costumam ser pouco atraentes já de cara. Mas esse não foi o caso de “Ballerina”, uma produção franco-canadense sobre uma garota que sonha em se tornar uma grande dançarina. Pareceu simples o bastante e até tinha uma identidade visual simpática, não parecia ser um dos piores filmes de animação que tive o desprazer de ver e, até agora, a pior experiência cinematográfica que tive nesse ano.
Féllicie e Victor são duas crianças com grandes sonhos: ela quer se tornar uma bailarina famosa, ele sonha em ser um inventor. Mas nenhum dos dois chegarão perto de alcancá-los enquanto estiverem confinados num orfanato no interior da França, então eles fogem para cumprir seus objetivos em Paris. Depois de certos desencontros, Félicie finalmente encontra a famosa Ópera Nacional de Paris, o lugar que poderia dar a ela o treinamento necessário se ela não fosse praticamente uma indigente. A sorte bate em sua porta quando ela se passa por outra garota para ganhar acesso às aulas.
A única coisa pior que um filme fraco é um que consegue ser ruim apesar das colheres de chá dadas. Cada gênero tem um conjunto de características peculiares que fazem dele o que ele é. No Terror, julgar a inteligência dos personagens muito criticamente tornaria pelo menos 70% do gênero inteiro em filmes burros. Se não fosse a falta de capacidade cognitiva dos jovens, o assassino provavelmente mataria um ou dois imbecis por sorte e metade da graça de um slasher iria por água abaixo. Mas não é porque os limites são flexibilizados que eles não existem, qualquer obra se prejudica com clichês gritantes. “Ballerina” traz a noção ultrapassada de que animações devem ser bobinhas por natureza, com personagens sempre se envolvendo em situações exageradamente atrapalhadas na tentativa de ser divertido ou engraçado. Destaque para tentativa. Não é de hoje que o gênero Animação se mostrou como um meio de contar histórias ricas tão bom quanto qualquer outro. Já faz tempo que ele deixou de ser algo emburrecido porque crianças não têm senso crítico, mas parece que não entendem isso aqui.
São poucos os elogios que tenho para “Ballerina”. A única coisa livre de defeitos é a parte visual. Ela não chama a atenção perto de qualquer animação dos últimos anos, é apenas competente o bastante para criar personagens visualmente característicos e ambientes cheios de personalidade. Vários cantos de Paris são explorados e é interessante ver como se esforçam para encher cada um de vida. No entanto, esses são apenas detalhes que melhoram a experiência, nunca serão determinantes da qualidade de uma obra. De que adianta ter uma representação complexa da Ópera Nacional de Paris quando os personagens ali não têm o mínimo carisma? E quem se importa com o trajeto deles quando eles falham na tarefa mais primária de ser cativantes? Este filme extrapola qualquer desconto que a audiência poderia dar, tratando de uma Animação, e mesmo isso não é regra para todas, visto que muitas são até mais realistas que trabalhos com atores de verdade. Mas até as melhores têm certos momentos fantásticos que não funcionariam sem a magia da computação gráfica. Cenas como os peixes pulando de dentro de um saco plástico cheio d’água em “Procurando Nemo” ou uma casa voando com balões em “Up” são exemplos que aproveitam bem os limites flexibilizados do gênero. Totalmente diferentes de ignorar completamente as leis da física e da edição cinematográfica por uma risadinha fajuta, que não deixa o filme mais engraçado ou torna os personagens melhores. Longe de ajudar, isso só ajuda a enterrar de vez alguém como Victor, o garoto que peida dentro de um lugar fechado e acha graça, ou a mãe da rival de Félicie, tão exageradamente malvada e mal escrita que seu penteado igual ao da madrasta em “Cinderela” chega a ser uma ofensa ao clássico da Disney. Não há visual que salve personagens que desenvolvem tendências homicidas do nada, decidem se tornar pessoas melhores na face da derrota ou se guiam pela força de um romance infantil escrito forçadamente.
Exagerar na comédia, no drama e na caracterização dos personagens resulta num filme sem graça, carente de qualquer sentimento verdadeiro e cheio de estereótipos. Só piora quando o enredo, simples desde o começo, consegue não ter um momento de surpresa ou tensão genuínas. Ele se prende aos clichês e não consegue executá-los de um jeito que seja minimamente original ou mais competente que outros similares para merecer destaque. Félicie quer muito ser uma bailarina, mas ela não tem nem um pouco de tato para essa atividade que exige delicadeza e domínio da técnica. Naturalmente, ela precisaria de muito treino para ir de desastrada a cirurgicamente precisa nos movimentos. Faria todo o sentido se o roteiro seguisse o esperado caminho de mostrar seu esforço ao longo dos dias e noites de prática até chegar onde deseja e, de certa forma, é o que “Ballerina” faz. Preguiçosamente e sem ser minimamente convincente. Depois de tantos clichês, não duvidaria que tirariam do bolso um tipo de vocação para a dança ou um talento inerente para ela aprender tão rápido a dançar, mas não é isso que fazem. Colocam a protagonista na escola mais exigente do país sem que ela saiba dançar nada e nem tentam dar uma desculpa para ela não ser expulsa nos primeiros 30 segundos. Preferem entregar menos de meia dúzia de cenas de treinamento fajuto ao som de canções de Carly Rae Jepsen e Demi Lovato para assegurar que a lista de acertos seja a menor possível.
Tudo que se espera de uma história desse tipo está aqui: a garota sonhadora, o mentor inesperado, o grande desafio, a rival mimada e o professor exigente. A má execução de tudo isso apenas faz questão de tornar essa coleção de estereótipos numa montanha de fracassos. “Ballerina” vai além de se prender às fórmulas, ele as coloca em prática de tal modo que seu mau gosto é a única surpresa de verdade.