Até agora, “Hell or High Water” é a escolha mais duvidosa desse Oscar. Há meses venho lendo comentários sobre o filme ser legal, mas achei que eles seriam a última coisa que ouviria sobre ele; com certeza não esperava uma indicação para “Melhor Filme”. Pensei que talvez estivesse errado em deixá-lo passar e fui conferir para ver se a obra era realmente merecedora de todo o alarde. Mesmo sem expectativas altas, achei que gostaria mais dela. Certamente existem grandes acertos nessa mistura de bons atores, direção de cena sólida e inspirações nos clássicos ao passo que o todo não está bem no nível de algo como o Oscar.
As boas vindas chegam em forma de ação aqui. Logo nos primeiros momentos, a audiência presencia dois homens assaltando um banco no interior do Texas. Mas há algo estranho: eles pedem apenas notas pequenas e fazem tudo aquilo por alguns milhares de dólares. Esforço e risco não parecem estar a par dos ganhos até que tudo se mostra parte de um plano maior. Toby (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster) estão reunindo dinheiro para salvar o rancho da família como um tipo de legado para a próxima geração. No entanto, eles não estão sozinhos nessa jogada. Com tantas autoridades negligenciando assaltos pequenos como esses, o policial Marcus Hamilton (Jeff Bridges) enxerga além do óbvio e toma um interesse especial pelo caso, o último antes de sua aposentadoria.
De todos os pontos positivos, o maior mérito de “Hell or High Water” é reviver num contexto moderno o espírito dos Faroestes clássicos. Suas influências estão em clássicos como “Butch Casidy and the Sundance Kid” e “The Wild Bunch” — da dupla carismática de bandidos ao contexto que ameaça o estilo de vida criminoso — e, no entanto, o que impressiona é o modo como conseguem encaixar o mais clássico dos crimes, roubar bancos, numa época de tecnologia e globalização. Ser criminoso se traduz de formas diferentes quando a lei tem tantos recursos a seu favor, logo sonegar impostos e usar a burocracia contra ela mesma pode parecer mais inteligente que sair de mão armada por aí. No entanto, a preferência pela velha guarda permanece, fazendo bem e fazendo mal: usar a sociedade civilizada e colocar um xerife experiente atrás dos irmãos é a parte que funciona; apostar nos personagens para sustentar boa parte da história, nem tanto.
Grande parte do interesse pela trama provém do porquê aqueles dois irmãos estão fazendo aquilo quando é tão claro que é fácil se darem mal. Estar em 2016 não é o mesmo que os Anos 20 dos gangsteres e muito menos o Velho Oeste do Século 19. Sair assaltando bancos está longe de ser o melhor jeito de ser um criminoso, mas isso não impede os dois protagonistas de fazerem exatamente isso. Tem de haver um plano por trás desses atos estúpidos e o policial encarregado pela investigação sabe muito bem disso. Existe certo mistério sobre as intenções da dupla — funcionando como uma dos bases do enredo — e o perigo de polícia no encalço dos criminosos — a outra base. Quando as duas estão em jogo, há um certo equilíbrio narrativo que mantém a história interessante. Parece que alguém entendeu algo que a audiência não captou ainda; ela apenas presencia roubos bem executados enquanto o policial Marcus age como se soubesse de algo mais sem nunca revelar o que é. Então uma dessas bases desaparece. Os planos e motivos da dupla são revelados e até há uma porção de satisfação pela trama revelar um dos segredos, o que seria algo bom se o resto de “Hell or High Water” não sofresse com essa perda. Infelizmente, resta apenas a perseguição da polícia, a qual demora um bom tempo para engrenar de verdade. Falta aquele sentimento concreto de progressão acompanhado de tensão quando os criminosos não estão mais tão longe dos criminosos. O roteiro estabelece personagens e contexto perfeitamente nos primeiros momentos, porém fazer desses grandes momentos uma rotina só piora a sensação de que falta progresso no enredo.
Poderia mencionar os personagens como uma terceira base de “Hell or High Water”, mas acredito que ela seja mais complementar às outras duas do que algo isolado. Deles, Jeff Bridges é o ponto mais alto, sem sombra de dúvida; seguido de seu parceiro meio índio, meio mexicano interpretado por Gil Birmingham. Além da perseguição e das razões dos bandidos, há muito tempo investido nas relações entre pessoas, cenas de diálogo com os personagens desenvolvendo laços ou matando tempo falando sobre qualquer coisa. Para a dupla de irmãos, a referência é sem dúvida o clássico “Butch Cassidy and the Sundance Kid”, a dupla de meliantes diferentes entre si sem deixar de se dar bem. É uma boa base, que seria ainda melhor se Chris Pine e Ben Foster tivessem presença de tela o bastante para fazer algo similar aos seus antecessores dos Anos 60. Embora nenhum dos dois atue mal, nenhum foi particularmente cativante, não a ponto de despertar interesse por qualquer coisa além de suas motivações. E como elas não demoram tanto para serem reveladas, resta pouco para aproveitar deles. Por outro lado, essa aposta não poderia ter dado mais certo para os dois policiais. Hamilton está para se aposentar e encontra em si uma determinação inesperada, tão grande para resolver o caso quanto para atiçar os nervos de seu parceiro. Bridges e Birmingham formam uma bela dupla, com o primeiro brilhando mais por interpretar alguém que pode se gabar de originalidade sem precisar se esforçar para atingi-la. Seu personagem, assim como o ator, demonstra pouca vontade de provar algo para alguém. Ele está ali para fazer seu trabalho e irritar seu parceiro, coisas que ele faz muito bem e são claramente valorizadas pelo roteiro a longo prazo.
No fim das contas, “Hell or High Water” é mais ou menos o que eu esperava: decente, mas sem nada para justificar uma indicação a Melhor Filme. Existem certas similaridades leves com “Onde os Fracos Não Têm Vez”, por exemplo, e talvez isso possa ter chamado a atenção — a tonalidade niilista deste primeiro, que até tem certa presença aqui, nunca chega a ser desenvolvida. O roteiro definitivamente tinha potencial, como sugerido pelos sólidos começo e final, mas perde fôlego na metade do caminho quando perde um de seus atrativos e cai na rotina estabelecida ainda cedo.