Como seria a vida fora de sociedade? Arranjar uma namorada e se mudar para longe de qualquer McDonald’s, da tecnologia e das regras; entrar em contato com a natureza e viver dos prazeres pequenos, muitas vezes negligenciados em prol de frenesis consumistas e sonhos inalcançáveis. Em nossa bolha, é muito fácil ver como as coisas poderiam dar errado: não dá para viajar pelo mundo sem dinheiro, qualquer posto de saúde estaria longe em caso de acidentes, não haveria muita gente para conversar… Ou serão estes obstáculos reflexos de uma insegurança? “Captain Fantastic” aborda este conceito em família, explorando um lado mais utópico da vida humana com bom humor.
A família de Ben (Viggo Mortensen) já chama a atenção numa primeira olhada: um pai cuidando de 6 filhos de várias idades. E isso é só o começo, ele e as crianças moram no meio da floresta, recebendo toda a educação que tiveram de seus pais. Eles odeiam diversos “ismos” da América moderna, incluindo capitalismo, corporativismo, fascismo e outros mecanismos de opressão; preferindo aprender a cuidar de si mesmos, pois ninguém fará isso por eles na terra do capital. Então a mãe da família morre e as primeiras rachaduras daquele modelo curioso começam a surgir.
Acredito que este possa ser considerado um filme polêmico se visões políticas foram levadas radicalmente. Por exemplo, todos os personagens citam Noam Chomsky como um visionário e criticam abertamente o capitalismo como o vilão da sociedade. Mas antes de qualquer presunção, vale dizer que “Captain Fantastic” não é um filme propagandista ou idealista. Certamente não é. O apelo feito aqui não é político ou manipulador, mas um que toca diretamente num sentimento elementar do ser humano: a liberdade. Toda idéia tem pontos fortes e fracos, há vantagens e desvantagens no modo como cada um leva sua vida. Ben e seus filhos escolheram aquilo para eles sabendo que não é um estilo perfeito, enquanto o diretor e roteirista, Matt Ross, reconhece isso e mostra como nem tudo são flores numa vida em floresta.
Embora gratificante, viver numa cabana isolada do concreto urbano e da eletricidade não é perfeito. As coisas logo começam a mostrar sinais de imperfeição quando um grande trauma surge e não poderia ser diferente. Duas pessoas são o bastante para dois mil tipos de briga, quem dirá um adulto, crianças e adolescentes criados com o pensamento crítico desde sempre. Conflito e maravilha são dosados com moderação, estabelecendo um contexto em que há tanto motivo para riso quanto para um problema. Quando todos vão visitar a casa de parentes, acontece um grande choque; ideais, modos, visões e personalidades são colocados frente a frente. As crianças da cidade fazem uma pergunta incisiva e seus pais respondem de um modo aveludado, então Ben complementa com a verdade sem qualquer filtro, incomodando o casal da cidade. Apenas uma cena define bem o tom de “Captain Fantastic” como um todo: engraçado e sempre com margem para criar um problema novo e desenvolver a trama ou seus personagens.
O sentimento de utopia não passa longe do que se vê em “A Comunidade” — um jeito de viver baseado na fraternidade — porém esta não é nada mais do que uma semelhança sutil. “Captain Fantastic” tem um dos roteiros mais originais dos últimos meses e, muito provavelmente, do ano inteiro. O melhor de tudo isso não é apenas um plano de fundo inédito, que se diferencia positivamente das histórias de sempre que enchem os cinemas afora, há competência de sobra aqui em atores, roteiro e direção para que o conceito seja bem explorado. O fantasma de uma mulher sobre aquela família desperta crítica, raiva, tristeza, mudança e outras coisas que apenas reforçam a já elogiada moderação quanto às vantagens de viver numa floresta e receber educação em família. Livros são uma mina de ouro para quem sabe como usá-los, mas será que dão conta de todas as necessidades de alguém, especificamente na parte social? “Captain Fantastic” levanta algumas questões válidas sobre o assunto que apresenta, em nenhum momento demonstrando inclinação à manipulação da audiência. Meu único porém aqui é quando o enredo se encaminha à conclusão. Os eventos da história, antes espontâneos e naturais, perdem essa qualidade e se tornam óbvios, deixando claro qual sua função no roteiro e matando um pouco da surpresa de uma idéia única como essa. Ao mesmo tempo, o final tem um quê de otimismo que não parece encaixar muito bem, dando certa incerteza da verdade daquilo tudo sem nunca sugerir ambiguidade com sinais ou algo do tipo. Pelo menos rende uma das sequências mais tocantes do filme inteiro, ainda que com uma pulga atrás da orelha.
Em suma, “Captain Fantastic” é um filme que merece atenção por seu conceito incomum entre tantos lançamentos parecidos e comerciais. Sua parcela de defeitos, especificamente no roteiro, impede que seja perfeito ou algo assim, mas isso não estraga os sucessos de um elenco competente e bem dirigido — com Viggo Mortensen e jovens atores — e um roteiro que acerta em cheio na hora de apresentar o conceito por mais de um ponto de vista.