Se “Arrival” prova alguma coisa, com certeza é que um conceito popular não tem prazo de validade. Quantas histórias sobre alienígenas já foram feitas? Incontáveis. De lendas urbanas a teorias da conspiração, de transmissões de rádio a filmes, de Robert Wise a Steven Spielberg. Chega a ser clichê falar em extraterrestres e pensar num baixinho verde e cabeçudo enquanto certamente há mais do que isso; o assunto não vai morrer tão cedo, afinal trata do desconhecido e do misterioso. Existe isca melhor para a curiosidade humana? Esta obra de Denis Villeneuve se aprofunda no tema como poucas conseguem, ainda que não de uma forma totalmente nova.
Sem aviso, 12 estruturas gigantescas aterrissam em pontos diferentes da Terra. Ninguém sabe o que são ou qual seu propósito, apenas que podem ser ameaças em potencial. Quando o primeiro contato é feito, é descoberto que as pedras enormes são um tipo de nave de um povo alienígena. No entanto, isso não ajuda muito quando ninguém sabe o que eles querem ou, ao menos, como se comunicar com eles e evitar um desastre de nível global. Entre confusão e desinformação, uma professora de letras e um cientista são chamados para descobrir o que puderem desse povo estranho.
As formigas, um dos seres vivos mais organizados do mundo, possuem um estilo de vida altamente complexo para um animal considerado irracional. Elas constroem estruturas incríveis, possuem castas em sua sociedade e um método eficiente de sobrevivência. O que pode abalar a determinação de um esforço em conjunto como esse? Curiosamente, basta um dedo humano e uma linha no caminho dos insetos para causar o caos. “Arrival” funciona em termos parecidos. Em um dos pontos parecidos com “The Day the Earth Stood Still“, o filme estabelece um clima de caos numa sociedade organizada e mostra como os protagonistas se viram em meio a impulsividade, nervosismo e ansiedade. Os obeliscos não fazem nada, mal se comunicam para sugerir más intenções e, mesmo assim, causam pânico e desespero. Fugas em massas de um vilão sem plano.
Há um ponto curioso, contudo. No final das contas, quando todos os eventos da história aconteceram, surge aquele sentimento de que ninguém fez nenhum grande feito nesse meio tempo. Não aconteceu um evento de mudar o mundo ou uma descoberta que acontece uma vez a cada milhão de anos. O que se passa então? Não é o roteiro o culpado por uma sensação dessas. Na verdade, não há culpado porque não é uma coisa ruim. Os protagonistas apenas fazem o que sempre fizeram, o que sabem, mas tudo fica mais complexo num contexto onde a angústia dita as regras. “Arrival” estabelece um clima perfeito de tensão, manuseando as diversas esferas que um fenômeno global pode ter. Descoberta contra oportunismo, ciência batendo de frente com subjetividade, maravilha contra auto-preservação. Ou será medo? Decisões feitas a mão armada quando não existe arma ou ameaça, apenas o desconhecido.
Muita coisa acontece ao mesmo tempo e o espectador, não estando naquela situação, enxerga claramente a simplicidade subliminar. Como algumas pessoas podem ser tão idiotas? Embora o cenário seja transparente para quem vê de fora, ele não é menos impactante quando um elenco incorpora tão bem o turbilhão de emoções. Amy Adams interpreta Louise Banks, uma professora de Letras que têm um papel inesperadamente crucial para resolver o problema. Ela é a cidadã de bem, a mulher comum famosa por seu trabalho que ainda liga para a mãe no final do dia para dizer que está tudo bem. Longe da especialista com a resposta para problemas insolucionáveis, ela é apenas uma pessoa que não estava preparada para lidar com naves espaciais e alienígenas. Um ótimo contraponto para o personagem de Forest Whitaker, por exemplo, que se esconde atrás da cadeia de comando e de decisões descerebradas para fingir segurança.
Mais que estabelecer um clima tenso, “Arrival” dá propósito a uma base sólida com uma trama que introduz a complexidade conceitual, e até fantástica, do Sci-Fi de forma que a profundidade não exista apenas no ambiente mas também na execução. Fica bem claro que, por inúmeros motivos, ninguém está pensando com a cabeça no lugar, só que isso pouco vale quando não há continuidade a essa idéia de invasão. Felizmente, este não é um filme de ponderação vazia, a história vai para algum lugar no final das contas. Há um forte sentimento de conclusão e ciclos completos aqui. Desinformação vai para surpresa, que logo se torna descobrimento e, finalmente, compreensão. Da estaca zero a um estágio mais avançado. Existe progresso e propósito com cada cena, um mistério que se conclui tão bem quanto se apresenta. Revelar muito sobre isso com certeza irá estragar a experiência. Só digo com segurança que este filme me faz acreditar que o segredo do sucesso é um bom roteiro. Não muito atrás, a direção de Villeneuve também tem méritos inegáveis. Executa bem a tensão, principalmente nos momentos críticos da trama, além de revelar nem demais, nem de menos para manter um senso de interesse sem aumentar as expectativas desnecessariamente. Não é a aparência dos visitantes espaciais que importa, então realmente não há porquê fazer dela um grande mistério.
Finalmente, de tanto observar seres humanos agindo como formigas desorientadas pela presença de algo que destrói sua zona de conforto, algo se extrai: um comentário sutil, mas relevante, sobre a natureza humana. São organizados e tão suscetíveis ao caos ao mesmo tempo, frágeis enquanto mostram uma falsa segurança por fora. Eles não se enxergam, ao passo que a audiência vê claramente as entrelinhas que eles preferem ignorar. O clima dá a base para os conflitos ao misturar inúmeras emoções e complicar o que seria simples, personagens fazem este cenário ser plausível quando incorporam as dificuldades e, por fim, o enredo cimenta a identidade singular de “Arrival” diante de outras obras do gênero. Um dos melhores do ano, sem sombra de dúvida.
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