Filmes de Segunda Guerra Mundial não são exatamente uma novidade atualmente. Existe tanta coisa sobre o assunto que até mesmo os focos menos populares foram explorados. De traumas em forma de filme, como “Vá e Veja“, ao Épico “O Resgate do Soldado Ryan”; de documentários gigantescos, como “Shoah”, ao lado sofredor da história em “A Lista de Schindler“. Fica cada vez mais difícil achar originalidade entre tanto conteúdo. “Der Untergang” foca na figura de Adolf Hitler sem se prender ao que já é conhecido. Esta é a decadência de um dos mais populares vilões da história moderna.
Se existe alguém que sabe a hora de aceitar derrota, este homem não é Adolf Hitler (Bruno Ganz). O que começou como um império em ascensão aos poucos se encaminhou para as ruínas de uma nação sustentada pela ideologia. As batalhas antes vencidas com certa facilidade sumiram e a glória do povo ariano entrou para a galeria de vergonhas da raça humana, mas não sem deixar sua marca no mundo. Milhões de mortos em conflito e outros tantos massacrados como gado. A hora de Hitler chega, que se recusa a aceitar que seu ideal falhou.
No fundo, “Der Untergang” é um filme triste. Não melodramático, emotivo ou piegas, apenas triste. Já não existe aquele prazer de ver o vilão derrotado como em “Bastardos Inglórios” e “Operação Valquíria”. O homem já foi vencido, querer antagonizá-lo é chutar um homem caído. Mas que não haja engano: Hitler não é alguém que merece sua simpatia. Este filme não tenta mudar a opinião de ninguém a respeito do infame ditador ou do regime totalitário; o mais perto que chegam é mostrar como algumas pessoas realmente eram ignorantes ao desastre de que faziam parte. Uma delas é Traudl Junge (Alexandra Maria Lara), a última secretária do Führer. Seu relato alimenta a história e dá uma boa idéia de como algo tão perverso conseguiu ser tão sedutor. Uma jovem entusiasmada sai de Munique para encontrar um trabalho digno, mas acha um louco soterrado numa cidade em ruínas.
Qualquer tipo de esperança morreu faz tempo. Já não existe mais risco de perder a guerra, passou a hora de tomar decisões estratégicas numa tentativa de vencer. Sem tensão e sem suspense, resta apenas o crescente desespero de quem não sabe o que fazer. Generais condecorados e oficiais experientes ficam perdidos quando seu Führer cai na insanidade. Seguir suas ordens sem sentido ou quebrar o mandamento elementar de um regime de culto ao líder? Cada hora de confusão traz os russos mais perto do coração da cidade. Essa indecisão fadada ao fracasso, em conjunto com o característico período escolhido, está no centro das razões que diferenciam “Der Untergang” do resto. Não é a última grande batalha ou a hora da virada dos Aliados, tudo isso já aconteceu. A Alemanha já perdeu e esses são seus últimos suspiros. Deixam de lado os discursos motivacionais e as marchas avassaladoras por momentos de contemplação deprimida, por repetidas tentativas de se convencer que as coisas vão mudar.
Curiosamente, tanto abatimento resulta tanto na melhor parte do filme como na menos atraente. Por razões nitidamente contraditórias, não há como os dois lados estarem muito distantes, ou seja, o ponto negativo não pode ser tão ruim assim. “Der Untergang” explora como a figura mitológica de Hitler, que já foi uma das mentes estratégicas por trás da Wermacht, tornou-se um decrépito delirante que mal consegue ter noção de sua situação, quem dirá cuidar de um cenário de derrota na guerra. Bruno Ganz interpreta magnificamente o ditador em corpo e alma. Mais do que um penteado lambido e um bigode estreito, ele captura o espírito de uma pessoa que já está nos seus finalmentes — mentalmente e fisicamente esgotada — mas que conserva algumas de suas características fortes. Por mais que seu discurso seja insensato, não há como negar que existe força nele. Enquanto isso, Alexandra Maria Lara traz um respiro de inocência entre ruínas e desolação, a garota com sonhos grandes e uma pequena noção de realidade. Junto com tantas outras pessoas, ela acreditou em palavras pomposas e promessas quase sinceras — que seriam verdadeiras se não estivessem totalmente fora de questão. O único lado menos atraente da proposta de ilustrar um ideal moribundo é que não existe variação desse tom. Os momentos supostamente animados só escondem angústias, nunca fogem o bastante da monotonia que vêm de tantos sentimentos negativos. No lugar de reviravoltas, o roteiro tenta segurar sua audiência com a perspectiva de que o fim pode chegar a qualquer momento, o que pode não funcionar para todo mundo quando a conclusão não é exatamente uma novidade. No fim das contas, o longa parece que foca demais no espectro da derrota.
“Der Untergang” é a destruição do sonho, não um sonho particularmente bom, mas um que instiga quem assiste por ser tão ambicioso e tão destrutivo. O senso comum pode ditar que a melhor coisa da Segunda Guerra Mundial foi seu fim, o que não é nenhum absurdo. No entanto, acho que ninguém pensou que os últimos momentos de uma nação orgulhosa e um líder apaixonado pudessem ser tão… tristes. Ninguém vai chorar pela retribuição que finalmente alcança o vilão da história, assim como a revisita ao nazismo não trará nostalgia. Resta apenas contemplar os últimos momentos de mentes doutrinadas e quão dignas de pena algumas conseguem ser quando a verdade está estampada em suas testas.