“John Wick” é o bom filme que ninguém esperava que fosse prestar. Não era para menos também, depois de fracassos como “47 Ronin” era claro que Keanu Reeves estava numa fase ruim. Dificilmente alguém olharia para um novo filme dele com qualquer tipo de expectativa. Apesar da sinopse sem sal, que sugere apenas outro filme de ação genérico, esta obra acabou chamando a atenção. Não tanto por ser imperdível, mas por ser um bom resultado entre tantos longas dispensáveis. História simples, ação de bom gosto e uma direção sólida é o que apresentam e uma experiência explosiva é o resultado.
John Wick (Keanu Reeves) é um assassino de primeira linha que se aposentou para viver o lado calmo da vida: uma esposa adorável, uma casa bem decorada e tranquilidade. Mas a felicidade dura pouco para os pecadores e uma doença logo leva a esposa de John, deixando-o numa vida de pouca satisfação. Ele lida com seus problemas como sempre fez até que um dia seu charmoso Mustang 1969 chama mais a atenção do que deveria. Gangsteres russos o seguem, roubam o carro e vandalizam sua casa. Eles não sabiam com quem estavam lidando, mas logo saberão.
Como toda obra do gênero que se preze, ter cenas de ação bem executadas é a parte mais elementar para o sucesso. Também não é raro que sua qualidade esteja ligada diretamente a edição e direção além do trabalho dos dublês, é claro. Seguindo essa linha de pensamento, não é surpresa ver que “John Wick” se dá tão bem quando o diretor é o mesmo cara que foi dublê de Reeves em “Matrix” e de tantos outros filmes. Chad Stahelski colocou a mão na massa se jogando de janelas e trabalhou também como supervisor, coordenando outras pessoas se jogando de janelas. Com experiência nos dois lados da arte de fazer o impossível, Stahelski entrega aqui algumas sequências que não devem muito para gigantes do naipe de “The Raid: Redemption“.
Em teoria, as coisas são muito simples. Sendo um assassino profissional, John preza pela precisão acima de tudo, acertar os tiros nos lugares certos sem gastar o pente inteiro no processo; e Stahelski, sendo alguém que preza por estética e execução impecáveis aproveita para tornar essa característica do protagonista em algo bonito de ser ver. Essa arte de tornar tiroteios em composições complexas e estilizadas é chamada de “gun fu”, representada principalmente pelo trabalho de John Woo. Mas a lógica em “John Wick” é melhor trabalhada e bem mais competente, se posso dizer, podendo ser comparado à cena da igreja em “Kingsman” e às acrobacias da Viúva Negra nos filmes da Marvel — como “Captain America: Civil War“. O protagonista não pega cobertura e sai atirando com uma mira digna do Velho Oeste, ele usa soluções criativas para conseguir aquele tiro na cabeça a mais. Uma hora é numa discoteca, atirando nos lugares certos para não pegar nenhum inocente enquanto passa pela multidão; em outra é mais complexo e exibido, dirigindo um carrão enquanto distribui chumbo. São cenas complexas e ambiciosas que só poderiam funcionar com uma direção competente, uma que abusa das tomadas longas para mostrar claramente como John quase escala no pescoço de seu inimigo para eliminá-lo rápido e já partir para o próximo. O melhor de tudo isso é que as coreografias são cuidadosas a ponto de se adaptar ao enredo. Nos primeiros momentos, o protagonista mal se esforça para acabar com seus inimigos; ao passo que cada soco, tiro e facada que ele leva são sentidos, mudando a dinâmica das lutas no processo. Enquanto no começo ele era ágil e infalível, mais adiante seus movimentos ficam mais lentos e violentos para compensar o cansaço.
“John Wick” começa humilde, sem nenhuma pretensão de ser um marco na história dos filmes de ação. Não abusam das explosões para mostrar quantos pixels são necessários para queimar dinheiro em efeitos especiais, apenas preferem apostar no básico. Talvez essa seja parte do motivo para o filme ter feito sucesso: ninguém esperava grande coisa depois de ver na sinopse mais uma história de vingança; é bem fácil ver um “Taken” de baixo orçamento aqui. A trama e o personagem de Keanu Reeves começam modestos, falando apenas o necessário para que o espectador continue curioso. Conforme a história progride vão revelando que, na verdade, ela é bem simples, ao passo que compensam essa simplicidade com ação mais frequente e intensa. Porém quanto mais perto dos momentos finais, mais o roteiro e o elenco parecem esquecer de como as coisas eram no começo. Vão do mistério sobre quem é John Wick a adesão de um papel de super-herói que enche o peito para soltar frases dignas de vergonha. Vão de “John era um homem de foco. Compromisso. Pura força de vontade. Algo que você não conhece bem” ao “Então você pode me entregar seu filho ou morrer gritando ao lado dele!”.
No fim das contas, se ater ao básico e executá-lo de forma competente é o ponto mais forte de “John Wick”. São cenas de ação bem boladas — que só alguém da área de dublês poderia pensar — combinadas com uma direção que mostra cada movimento claramente. Não que seja um esforço muito absurdo capturar algo que já é naturalmente bem planejado, fica bem claro que tais sequências foram coreografadas minuciosamente. Infelizmente, esse sentimento de se ater ao básico se perde um pouco em certo ponto da trama, trocando aquela atmosfera sórdida por um heroísmo fantasioso e incompatível com o que veio antes. Uma mudança tão drástica que acho difícil passar despercebida, sem incomodar.