Não foi o Oscar ou a mensagem forte de “An Inconvenient Truth” que chamaram minha atenção para este documentário. Curiosamente, foi o jogo “South Park: Stick of Truth” que mais falou dele em sua sátira pesada das predições de Al Gore e sua jornada para salvar o mundo. É no mínimo curioso que um jogo tenha dedicado tanto tempo para falar num tom cômico enquanto em outros círculos a vitória no Oscar não fez muito pela popularidade deste longa. Talvez porque este seja um documentário numa pegada mais tradicional, talvez porque parte das afirmações tenha sido provada errada ou quem sabe um pleno desinteresse,
De um jeito ou de outro, acho que é inegável dizer que, no mínimo, “An Inconvenient Truth” é extremamente bem apresentado. Nenhuma surpresa até aqui quando Al Gore, político americano e ex-candidato à presidência, lidera o discurso ambiental. Combinando objetividade com paixão, Gore mostra que a tal língua de prata é realmente uma característica de políticos em um longo discurso sobre o que, para ele, é a maior ameaça à humanidade: o aquecimento global. Desde pequeno ouço falar do assunto em aulas de geografia ou notícias eventuais na imprensa e, particularmente, nunca dei muita atenção. Não por negligenciar o meio ambiente ou algo do tipo, mas porque nem as aulas, nem as notícias pareceram dar a importância necessária ao assunto. Numa visão geral, dificilmente alguém deixa de dirigir seu carro ou tomar banhos quentes para salvar a natureza. Será desconsideração ou falta de informação?
“An Inconvenient Truth” é direto ao ponto e não perde tempo em qualquer outra coisa que fuja ao assunto em questão. Em um momento ou outro há pequenas divagações sobre a vida pessoal de Al Gore, mas nenhuma delas incomoda ou entra em conflito com o tema do filme. Pelo contrário, elas até ajudam a entender um pouco da motivação do político por trás de seu ativismo, mesmo que de uma forma não tão convincente assim. A quantidade de esforço em prol de uma causa e questões pessoais — envolvendo uma fazenda de gado e um acidente de carro — simplesmente não parecem estar no mesmo nível de importância; ao menos não fica imediatamente nítido como estão conectadas. Estes detalhes à parte, uma coisa bem clara é o domínio do conteúdo do apresentador. Ele sabe comunicar seu ponto com firmeza e parece ter feito seu dever de casa com dezenas de gráficos, depoimentos, dados e imagens reforçando seu já forte discurso. São as palavras certas combinadas com uma apresentação de slides recheada de conteúdo.
Essa é a melhor parte de “An Inconvenient Truth”, com certeza. Poderiam ter falado a maior besteira da história; se fosse do modo planejado e calculado como acontece aqui não culparia ninguém por acreditar. Al Gore pode não estar certo em tudo o que fala — especialmente sobre as previsões feitas sobre furacões e mudanças climáticas no Ártico — mas ele certamente fala muito bem. Usando humor, argumentação concisa e um discurso objetivo, o político passa por esferas do fenômeno do aquecimento global que professoras de geografia nunca pensariam em comentar. Há um explícito e compreensível foco nos Estados Unidos — uma vez que é um político de carreira falando com o povo que o elegeu — e Gore ressalta várias vezes que os Estados Unidos são um dos grandes responsáveis pela poluição mundial, mas nem por isso deixa de comentar sobre os efeitos do aquecimento na Europa, na Antártida na Ásia e como ele funciona em cada um desses lugares. Quem imaginaria que o processo é muito mais do que um aumento de temperatura? Há toda uma complexa dinâmica muito bem apresentada por trás do que o senso comum dita.
Tal qualidade também não poderia estar presente em melhor hora, pois para cada segundo de informação há outro de tédio. “An Inconvenient Truth” é bem explicado e abrange bem o fenômeno do aquecimento global, mas sua apresentação não poderia ser mais perto do tradicional. Isto é, no mau sentido da palavra. Tudo bem, a norma vigente costuma ter boas razões para ser tão popular; se ela não funcionasse não seria aceita, em primeiro lugar. Só que a dinâmica aqui é tão quadradinha que Al Gore mal chega a narrar uma sequência de imagens sobre o assunto, na verdade este longa-metragem é uma palestra dada pelo apresentador em Los Angeles intercalada com outras sequências envolvendo o fenômeno. Não é exatamente a receita pronta para o sucesso de uma obra e pode até pegar de surpresa aqueles que não estão preparados para uma palestra de mais de 1 hora. São imagens informativas? Sim. Elas criam um filme engajante? Não exatamente. Por melhor que as informações sejam transmitidas, permaneceu um certo sentimento de tédio e falta de ritmo, causando um belo estrago na atenção do espectador e até podendo resultar numa perda de interesse pelo assunto.
No final do dia, “An Inconvenient Truth” ainda é um bom documentário. Há muita informação aqui que poderia ter passado batida se não estivesse tão bem organizada e apresentada, o que é sempre relevante quando se fala de um assunto tão sério. Sim, existem várias críticas às alegações e até comprovações de que Al Gore estava errado em certos pontos, entretanto, permanece relevante o alerta de que o mundo é vasto e belo, mas não é de ferro.