“Beleza não é tudo, é a única coisa”. Poucas vezes uma fala foi tão verdadeira e auto-consciente como essa, especialmente relevante pelo tom não ser de auto-sátira. Em outro contexto isso poderia ter um significado, mas tratando-se de um filme de Nicolas Winding Refn, não sei se tal frase seja algo preocupante. “The Neon Demon” é muita estética para pouco conteúdo e só apoia a infeliz teoria de que Refn não seja um diretor tão competente assim. Afinal de contas, tudo indica que essa frase é a pior maneira de falar alguma besteira: realmente acreditar nela.
Um dos maiores problemas é apontar uma história propriamente dita aqui, pois há mais uma exposição de temas do que um enredo ligando os tópicos como normalmente acontece. Para começo de conversa, não há nenhum demônio, muito menos um de neon. A história acompanha Jesse (Elle Fanning), uma adolescente que, na falta de outras habilidades, tenta ganhar a vida no mundo da moda com sua aparência. Uma beleza tão ingênua, natural e intocada não poderia deixar de atrair a inveja dos outros, os olhos de quem já estava no mercado antes e não aprecia concorrência. Até o fim a premissa não passa longe desse resumo e é exatamente aí que começam os vários problemas.
De tudo que há nesta obra, não posso deixar de dar atenção aos pontos positivos, ainda que não sejam muitos. O mais óbvio deles é justamente esse aspecto estético tão valorizado pelo diretor. Difícil errar, na verdade, quando toda e qualquer cena, com ou sem propósito, tem seu apelo visual. Acho que Refn ficou tão lisonjeado com a repercussão da identidade audiovisual de “Drive” que repetiu a dose em “Only God Forgives” e finalmente fez um filme inteiro centrado neste aspecto. Por um lado, este foco traz a gama de problemas que coloca “The Neon Demon” num nível de qualidade baixo; por outro é pincel e tinta na mão de um cineasta muito empolgado com esse estilo, o que traz resultados bem mais ambiciosos e belos do que os vistos antes. Entretanto, seu impacto para além do óbvio — a beleza de imagens complexas — é limitadíssimo, podendo ser uma alusão para a vaidade do ser humano na melhor das hipóteses. Ainda mais complicado é o roteiro simplesmente não reforçar uma suposição como essa, tornando o que seria uma interpretação embasada num mero achismo, uma suavização do fato que não há um foco narrativo relevante aqui.
O outro ponto positivo é a escolha de Elle Fanning como protagonista. Na única parte subjetiva que pode ser levada em conta temos a garota como um marco entre diversas modelos, alguém que tem algo que elas não tem. É difícil especificar o que é esse algo, apenas existe tem um certo charme, um jeito que falta às outras. É um misto de ingenuidade com juventude, de uma atuação competente com uma escolha de elenco adequadíssima. Elle Fanning tem apenas 18 anos e não se encaixa exatamente nos padrões de beleza hollywoodianos; sua presença entre queixos perfeitos e cabelos lisos cria um bom contraste, ao passo que manter uma pose de eterna curiosidade juvenil completa esse realce interessante.
E então acabam os prós de “The Neon Demon”. O resto sofre de uma condição que pode ser facilmente notada em outras obras de Nicolas Winding Refn: se forem cortados todas os momentos em que personagens se olham sem falar nada, contemplam sua existência com atos banais e fazem coisas sem sentido ou propósito, sobraria material para apenas um curta-metragem. O estilo do diretor é vagaroso, sem pressa de contar a história ou de mostrar as coisas acontecendo. Num primeiro momento isso não é problema e até pode funcionar; como em “Drive“, no qual olhares e jogos de câmera falam mais do que palavras em muitas outras histórias. Comunicação nem sempre é dependente de ação ou diálogo. Porém quando não há algo concreto, subliminar ou minimamente sugestivo fica difícil absorver qualquer tipo de significado. Normalmente quando isso acontece o espectador pode se agarrar a quaisquer rastros de significado para dar sentido ao que ele está vendo. Embora isso dificilmente salve uma obra de si mesma, já é um tipo de controle de danos. Aqui dificilmente se encontrará uma margem razoável que seja para explicar a obra.
Refn não parece estar minimamente preocupado com isso. Seu roteiro se baseia num tema como qualquer outro longa, mas ignora a fase em que o embrião de idéia torna-se um argumento e eventualmente uma história inteira. É essa limitação que caracteriza o maior pecado aqui: ser uma experiência absolutamente rasa. Poderia até dizer que é um filme vazio, só que não seria verdade. Há alguns temas na superfície que dão uma idéia da proposta — como a vaidade, a inveja e a soberba do ser humano nas passarelas. Tudo isso está visível em um lugar ou outro, sempre de forma rasa e sem desenvolvimento. Fica ainda mais difícil chegar ao fim quando certas cenas matam qualquer dúvida quanto ao real propósito deste longa; nada mais, nada menos que gastar uma boa quantia de dinheiro em figurino, sets complexos e jogos de iluminação surreais. Não vou repetir o quanto essas cenas funcionam em termos de apelo visual, é o fato delas se limitarem a isso que faz com que “The Neon Demon” seja mais uma série de cenas individualmente legais e irrelevantes quando unidas. Muito mais uma coletânea de artes plásticas justapostas que uma história contada em imagem e som. A gota d’água vem quando o diretor vira drasticamente na via do choque, tentando surpreender o espectador com a imprevisibilidade de cenas desconcertantes após mais de uma hora de ausência de conteúdo. Nesse ponto já nem sei dizer se o diretor apela para o chocante num ato de desespero, se ele mostra uma faceta bizarra de sua personalidade ou se eu eu realmente me importo.
Se há algo que “The Neon Demon” não faz é me prender em seu universo de forma que eu me interesse e ligue para o que é apresentado. Chega um momento em que uma boa escolha de atriz e efeitos visuais incríveis esgotam seu potencial de entreter, finalmente revelando quão rasa e sem propósito a experiência é. Mais do que qualquer outra obra do diretor que eu vi, esse é um ótimo exemplo do estilo de um cineasta inovador dando terrivelmente errado.