A Netflix estar investindo pesado em produções originais não é novidade para ninguém, e por mais que nem tudo seja excelente ou popular ainda existem alguns ótimos resultados. Mas mesmo os mais populares não chegaaram no mesmo nível de “Stranger Things”. Uma coisa chamar mais a atenção que outra não tem nada de mais, a surpresa mesmo é uma série com pegada Anos 80 superar uma com selo Marvel, especialmente quando uma parte considerável dos espectadores sequer viveu nessa época. Qual o segredo, então? Referências e inspirações; pegar obras como “The Goonies” e “Stand By Me” e adaptar para um público novo, usando apenas o que há de melhor nelas. É uma idéia boa e ainda mais sensata quando o material de inspiração tem seus próprios defeitos.
Quando o bairro de um grupo de amigos é ameaçado pela construção de um campo de golfe, a única salvação é conseguir dinheiro para quitar as hipotecas. Mas onde um bando de crianças que se auto-intitulam “Goonies” pode conseguir dinheiro? A resposta aparece quando eles encontram um mapa esquisito no sótão da casa, o qual mostra o caminho para um lendário tesouro pirata. Sem demora eles saem em busca de ouro e jóias, mas um bando de criminosos que cruza seu caminho promete não facilitar a vida deles.
Não sou o que se pode chamar de louco pelos Anos 80. Claro, nessa década saíram uma porção de filmes dos quais gosto muito, porém me refiro mais à ser fã de algumas tendências características da época. Filmes de músculos e metralhadoras são um desses modelos; outro pode ser visto nas histórias com crianças, uma visão mais infantil da realidade. “The Goonies” é exatamente isso. No sórdido mundo real essas crianças teriam de mudar para outro lugar e provavelmente nunca mais se veriam, mas aqui há uma chance de virar o jogo. É uma visão otimista que abre um leque de possibilidades de história, nesse caso uma grande aventura debaixo da terra em busca de tesouro. Sendo relativamente simples, essa fórmula acerta em cheio em alguns pontos e em outros nem tanto.
Depois que a aventura começa nada mais divide tempo de tela. O que importa é como ela se desenrola e como cada um lida com ela, em outras palavras, como o espectador se diverte ao ver todos se virarem dos jeitos mais ingenuamente desesperados. Ter uma dinâmica tão simples como guia parece ser fácil de executar, mas não é bem assim; depender do carisma de personagens e das reviravoltas da jornada pode ser um tiro no pé se o filme inteiro ficar na mesmice. Ou pior, se ele sair disso para marés ruins. De certa forma, é o que acontece com “The Goonies”. embora apenas pontualmente e nunca o bastante para estragar a história.
Ainda assim, não é tão simples separar o bom do mediano. O segredo para não tornar a história uma fantasia boba do começo ao fim é apostar no carisma do elenco e na novidade das situações. Nisso eu dificilmente posso colocar defeito, uma vez que escolhem atores e personagens para deixar a aventura o mais variada possível. O ambiente se limita a uma cadeia de cavernas e é muito mais do que isso ao mesmo tempo, com cada lugar guardando suas próprias surpresas. Na pior das hipóteses a única qualidade será visual, na melhor a aventura será um conjunto de carisma, diversão e até um pouco de perigo. No grupo de crianças há Data (Jonathan Ke Quan), o inventor que tem o Inspetor Bugiganga como ídolo; Chunk (Jeff Cohen), o gordinho que come por compulsão e sem motivo em especial; Mouth (Corey Feldman), o espertinho; e Mikey (Sean Astin), o líder deles. Juntam-se também Brand (Josh Brolin), irmão de Mikey, sua namoradinha e a amiga de sua namorada. A única coisa que poderia dar errado aqui é pecar pelo excesso, pois há um pouco de cada tipo de personagem para todos os gostos. As crianças descobrem algo extraordinário, os adolescentes acham que é bobagem e logo vêem que elas estavam certas, então todos entram numa grande jornada sem saber o que fazer ao certo. Aos trancos e barrancos eles fogem de tiros enquanto resolvem enigmas e tentam descobrir onde diabos estão indo.
A parte boa é que colocar campeões improváveis numa aventura que só um Indiana Jones encararia com seriedade funciona muito bem. Mikey quer muito encontrar algum tesouro porque seu futuro depende do que quer que eles encontrem, já os outros começam empolgados, mas logo se arrependem quando o perigo mostra ser mais do que o esperado. Ver eles indo de super heróis mirins — o que eles sonham em ser — a grandes medrosos — o que eles abominam — é bom demais para não se divertir. Meu único porém está nas já mencionadas ocasiões em que saem desse padrão para algo não tão bom; como quando o desespero toma conta e todos entram numa rotina de gritar histericamente sem fazer nada de útil. Até entendo que em nenhum momento pensam com a cabeça realmente no lugar — boa parte da trama acontece na base da intuição — mas tais cenas desagradam tanto adultos como crianças; isto é, a não ser que exista quem goste de berros impossíveis de entender e crianças rodando no lugar sem fazer nada. Outro ponto em que o filme de Richard Donner deixa a desejar é o final, que mostra-se exageradamente otimista e feliz mesmo para os padrões de um filme infantil. A questão não é querer algo diferente de feliz, pois um filme que começa com a proposta de salvar o bairro não poderia ser diferente, apenas acho que poderiam ter amarrado melhor as pontas, de um jeito que uma conclusão radiante não fosse tão explícita.
De resto, “The Goonies” pode ser resumido a um entretenimento descompromissado que facilmente ocupa o tempo sem deixar as horas serem notadas. Afinal, mesmo com infantilidades e momentos de histeria aleatória, quão errado pode dar uma história sobre cavernas subterrâneas, um tesouro pirata e três bandidos italianos?