Hollywoodizaram um filme que já era Hollywoodiano. Seria isso um paradoxo ou uma grande burrice? O segundo caso é a resposta mais lógica, embora pouco sensata, enquanto o paradoxo só não funciona porque os tempos mudaram para Hollywood. Ela não foi sempre assim. Décadas atrás, as produções já foram censuradas fortemente e até chegaram perto da mecanização. Hoje as coisas não funcionam dessa forma, mas algumas manias feias permanecem, como tirar franquias e clássicos de seu descanso para uma nova rodada nas bilheterias. Agora foi a vez de um clássico entre clássicos: “Ben-Hur”, um Épico bíblico bem querido até hoje.
Judah Ben-Hur (Jack Huston) é o primogênito de uma rica família judia em Jerusalém, cidade que serve palco para uma série de conflitos entre o opressor Império Romano e rebeldes. Tensões dentro de casa também não deixam de mostrar presença, as quais levam Messala (Toby Kebbell), o irmão adotivo de Judah, a sair de casa em busca de seu próprio destino. Entre atritos crescentes na cidade, Messala volta depois de meses sem dar notícias apenas para entregar uma adaga nas costas da família que o acolheu. Traído e enviado para a escravidão, Judah jura retornar por vingança.
Antes de mais nada, devo dizer que não tenho nada contra Hollywood. Pelo contrário, eu só tenho a agradecer por tantos anos de tantos filmes excelentes. Dizer que a fábrica de sonhos americana é um reduto de clichês é um clichê em si, além de uma colossal generalização. Entretanto, isso também não quer dizer que todas as produções são excelentes e “Ben-Hur” é a prova viva disso. O filme não é só um remake desnecessário como também ignora, distorce ou simplifica muitas coisas do clássico de 1959. Por um lado é até compreensível que uma nova versão de 4 horas esteja completamente fora da realidade, mas poderiam ter feito uma adaptação mais digna. Ainda que com quase metade do tempo, não é impossível entregar um bom trabalho em 124 minutos.
São obras como essa que alimentam as generalizações quando uma grande história é simplificada para ser supostamente mais digerível pela audiência. Com uma abordagem dessas, o único resultado concreto é fazer esta mesma audiência achar que a ineficiência vista aqui está também na versão de William Wyler. Mas como é possível estragarem tanto? Para pensar nos defeitos encontrados aqui basta lembrar de “Movie: The Movie” e sua lista interminável de clichês. Nada tão exagerado, obviamente, mas não deixa de ser uma grande frustração, mesmo assim. É como se tivessem lembrado vagamente de um filme antigo sobre vingança e corrida de cavalos na Roma Antiga e lançado este remake, o qual não é muito mais que essas mesmas características distribuídas ao longo de 2 horas.
Quem assistiu ao antigo sabe que os temas e subtemas vão além de uma rixa que vai longe demais; Judah Ben-Hur sofre uma verdadeira injustiça quase gratuitamente. Não há razão concreta para aquilo e os resultados catastróficos de tal traição só alimentam ódio e vingança. O resultado é uma jornada que vai de cá para lá e de volta outra vez enquanto mantém protagonista e espectador sob o mesmo objetivo de ver como será o acerto de contas. Há mais de 50 anos os fatos estão na mesa, lançar uma nova versão era apenas uma tarefa de reorganizar os eventos para encaixar numa nova dinâmica, mais curta e para um novo público. Se por um lado acertam na duração, erram muito feio em capturar o espírito épico de antes ou simplesmente contar uma história decente, diga-se de passagem. Erros crassos no roteiro mostram uma completa falta de tato na hora de apresentar revelações ou mesmo dar uma motivação forte para os envolvidos. Fica claro que existe um sentimento de vingança intenso, ainda que seja ausente de suporte da história. Deixam o valor mais forte da trama por isso mesmo enquanto apostam no que costuma dar retorno: uma produção enorme, cenas de ação barulhentas e soluções mornas para grandes problemas.
Curiosamente, o mesmo fator que estraga tanto a obra guarda também as únicas partes boas. O final do filme, por exemplo, é uma grande afronta a tudo que foi construído em 1959 e até mesmo ao que tentou se construir aqui de uma forma muito mais apressada. Queria eu ser apenas um decepcionado fã do clássico, mas nem sozinho “Ben-Hur” consegue ser consistente. Ao mesmo tempo, ser uma tentativa de blockbuster rende os únicos elogios que posso dar, pois ao menos visualmente e em alguns elementos pontuais a produção acerta em cheio. É bom ver uma história clássica recontada sob uma visão artística diferente, além de ter um orçamento farto bancando figurinos, sets e uma caracterização que no mínimo saciará um pouco da nostalgia. Na verdade, o apelo é muito mais para os olhos do que para o coração de quem assiste, então nada que toque a apresentação da obra fica exatamente ruim. Os atores, por exemplo, são bem escolhidos e entregam interpretações competentes, dramatizando surpreendentemente bem uma irmandade tornada em ódio apesar do roteiro não nutrir esses sentimentos. O mesmo sucesso pode ser visto na tão destacada corrida de cavalos, o clímax da história que também concentra quase todos os pontos positivos deste longa. É uma sequência bonita, bem executada e excitante, que junta todo glamour de efeitos especiais e do 3D com cores quentes e um entretenimento mórbido tipicamente romano. Francamente, é difícil dar errado quando houve tamanha obsessão pela sequência; tanto que começaram um filme linear com um trecho da corrida por nenhuma outra razão além de assegurar aos fãs do clássico que ela não seria negligenciada.
Infelizmente, esquecem completamente que as pessoas não encaram quase 4 horas de filme por uma corrida de cavalos. O “Ben-Hur” de 1959 tocava tantos pontos diferentes e conseguia manter pulso firme com a história que sua sua reputação é invejável até hoje. Ainda pode-se aproveitar um pouco esta nova versão pelos acertos compensarem parcialmente as atrocidades do roteiro. Os mesmos personagens e as mesmas situações de caras novas ao menos recebem a devida atenção. É apenas infeliz que uma nova versão tenha tantos recursos e entregue uma experiência limitada, uma reinvenção que está mais para retrocesso.