Ao menos uma vez na vida toda pessoa deve ter ouvido o nome Agatha Christie. Seja um rato de biblioteca ou não, é relativamente comum encontrar um comentário sobre os mistérios da escritora inglesa. Quem matou Emily French? Quem matou Cassetti? Quem deixou a pista na cena do crime? Foi de propósito ou não? As obras de Christie frequentemente afundam o leitor em perguntas por um bom tempo antes de livrá-lo delas, uma a uma. Mas não há nada de muito complexo em “Murder She Said”. Há mais foco na criação de um clima agradável com um quê de suspense, a sutil marca da autora aqui.
Voltando para casa de trem, Jane Marple (Margaret Rutherford) observa despretensiosamente o que passa por sua janela. Um homem, uma mulher, uma criança mostrando a língua e… um assassinato? As mãos de um homem misterioso na garganta de uma mulher apertam até que a vida saia aos suspiros da vítima. Primeiro ela comunica o evento ao condutor, depois informa a polícia sem nenhum resultado: todos acham que ela estava sonhando ou simplesmente caduca. Nada disso, se ninguém acredita nela, Miss Marple é daquelas que corre atrás de respostas sozinha.
“Murder She Said” é um filme simples, do tipo que passaria na Sessão da Tarde dos Anos 60; uma experiência leve e divertida que pode ser absorvida sem muito esforço. Quebre muito a cabeça para procurar lógica e perfeição e você terá uma enxaqueca, além de estragar uma história humilde. Rodando em menos de 90 minutos, esta trama de mistério com vários toques de comédia está longe da perfeição. Há muita coisa conveniente para seguir com a história e bobinha demais para ser eficiente, enquanto, de alguma forma, conseguem aplicar muito bem a magia da ilusão sutil do cinema. O segredo para melhor aproveitar esta obra é simplesmente sentar, relaxar e aproveitar as partes boas. Só não me entenda mal: não digo para negligenciar os defeitos, apenas aceitar que a existência deles não impede que muito possa ser aproveitado.
Mesmo com o grande nome de Agatha Christie rondando “Murder She Said”, é Margaret Rutherford quem brilha de verdade. Sua interpretação como Miss Marple não é apenas competente, é a avó dos sonhos de todos, até daqueles que têm avós legais: inteligente, divertida, afiada como uma faca e até um pouco atrevida. Sentar ao lado de uma mulher assim e ouvir mil histórias sem falar uma palavra seria mais entretenimento do que costuma se encontrar por aí. Jane Marple viveu o bastante para ter feito mais que uma dúzia de coisas interessantes e nem por isso para por aí, sua ousadia carismática a coloca sempre numa situação curiosa. Dessa vez é o assassinato de uma moça, que de mórbido não tem nada: cada pista é descoberta com a inocência de uma criança. Não foi por nada também que colocaram um garoto para acompanhar a protagonista, embora essa dinâmica jovial seja melhor vista na forma como apresentam a investigação. Ao invés de esmigalhar fatos em busca da verdade, as coisas vão acontecendo. Isso também não quer dizer que o roteiro seja uma sequência de vários deus ex machina, acontece que encontram uma maneira mais singela do padrão nas tramas de detetive. Para investigar melhor uma pista encontrada, Miss Marple arranja um emprego num casarão que ela considera suspeito, dividindo o tempo entre cozinhar e aguentar os desaforos do chefe. Nos intervalos, porém, ela e um garoto exploram a grande propriedade sem levantar suspeitas. Não é exatamente o método de um Sherlock Holmes ou de um Hercule Poirot, mas funciona
Se esta obra merece algo, é mérito por conseguir manter um ritmo agradável de se acompanhar, combinando situações, personagens e trilha sonora numa atmosfera de carisma total. É tudo muito bobo e o espectador mal liga pra isso enquanto está imerso na história, isto é, até a hora em que a história acaba e a mágica perde um pouco do fôlego. Realmente falei para assistir “Murder She Said” sem se prender muito a detalhes, mas já não posso pedir que o mesmo seja feito depois que a história acaba. Após qualquer experiência, simples ou complexa, é apenas natural parar por uns segundos para processar, armazenar e julgar o que acabou de ser experimentado. Se “Murder She Said” fosse um vendedor, comprar algo dele seria excelente, já o pós venda… É quando acontece aquele respiro para pensar no que acabou de acontecer que uma série de defeitinhos aparecem. Bobagens e infantilidades ficam mais evidentes, ao passo que a história deixa de ser tão redondinha, mostrando que todo o mistério era absurdo demais desde o começo. O crime foi cometido com objetivos simples em mente, complicado era tudo dar certo como o meliante esperava.
É complicando as coisas demais que o resultado final fica raso, em vez de complexo, uma vez que os primeiros segundos de “Murder She Said” já deixam claro que o único compromisso é com o entretenimento. Fica simplesmente contraditório colocar um crime complexo numa trama que vai solucioná-lo de forma simples. Cobiçar a grandeza sem entregar algo que corresponda só dá munição aos caçadores de furos no roteiro. Ainda assim, fazer com que o espectador ignore estes deslizes por um tempo e até se divertir bastante no processo é o que acaba salvando a pátria. Se a experiência não fosse tão imersiva certamente mais da parte ruim viria à tona.