Não sei se “Túmulo dos Vagalumes” é o filme mais popular da Ghibli, mas com certeza é um dos mais comentados. Na pior das hipóteses, era o que eu tinha mais vontade de assistir, uma vez que diversas listas exaltaram sua qualidade e o fato de que era uma animação madura. Uma boa notícia como essa não poderia deixar de despertar meu interesse, considerando que se fala de uma obra japonesa. Japoronguice de menos é sempre mais, seja lá qual for o tipo de filme. Talvez minha expectativa tenha sido desproporcional, talvez eu tenha um coração de pedra: eu simplesmente não consegui gostar tanto assim desta animação.
A história se passa no Japão da Segunda Guerra Mundial, em meados dos últimos anos do conflito. O clima é de desespero quando o país é bombardeado sem dó pelas forças dos Aliados, que a cada investida destroem vilarejos e matam milhares. A casa de Seita (Tsutomo Tatsumi), um adolescente, e Setsuko (Ayano Shiraishi), sua pequena irmã, é uma das que se tornam cinzas, deixando os dois irmãos sem lar num país dominado pela fome. Juntos, eles fazem o possível para sobreviver aos horrores da guerra.
Triste, pesado, emocionante, inesquecível e poderoso são todas características comuns quando falam de “Túmulo dos Vagalumes”, então ao menos em termos de entonação é difícil esperar qualquer outra coisa. O cenário de guerra aponta também para uma história que pende mais para o anti-guerra do que para a glória. Com isso em mente, talvez a única coisa que sobra para surpreender o espectador é a qualidade em si, o resto já deixa claro qual a pegada. Infelizmente, é justamente nesse sentido que me decepcionei um pouco, ainda que nenhum dos adjetivos mencionados seja inadequado. O único porém é que este filme não é tão triste, tão pesado, tão emocionante ou tão poderoso como apontam; o que também não significa que o resultado final seja desagradável.
Considerando algumas diferenças óbvias, como o gênero ser animação e a proposta não ser tão centrada no choque, dá pra dizer que “Túmulo dos Vagalumes” anda lado a lado com “Vá e Veja“, outro longa anti-guerra que coloca uma criança enfrentando as adversidades do conflito. Ambos deixam de lado os soldados por um ponto de vista civil do conflito, que deixam de ser cadáveres estirados ou meras inevitabilidades para tornar-se o centro da história. Felizmente, neste ponto não há do que reclamar, uma vez que a escolha de personagens e como eles vivenciam a guerra são bons representantes deste olhar alternativo. Entretanto, não faço essa comparação apenas para apontar que existem semelhanças temáticas, esta não é uma análise comparativa. Pensei nela depois de assistir a “Túmulo dos Vagalumes” não uma, mas duas vezes em sequência por não conseguir pensar numa razão para não ter gostado tanto quanto outras pessoas. Havia algo que me incomodava e eu não sabia o que era, agora um tanto mais claro.
Ambos têm uma premissa similar, mas enquanto “Vá e Veja” está menos preocupado com a trama, ligando suas sequências de forma puramente temática, “Túmulo dos Vagalumes” dá mais atenção para o enredo, deixando um pouco de lado a parte chocante de tudo aquilo. Num cenário ideal, acredito que a combinação entre o que os dois fazem de melhor resultaria numa obra sem igual. Contudo, não é isso que nenhum deles oferece. A história aqui acompanha, de forma solta, o cotidiano dos dois irmãos e as dificuldades enfrentadas por eles. Como na maioria dos filmes, a situação se complica gradativamente até que o clímax traz a maior complicação de todas, colocando tudo em risco. O motivo pelo qual eu não gostei tanto desta obra se resume a eu não me sentir tão envolvido com tudo aquilo a ponto de me comover profundamente. Objetivamente, trabalham este conceito de conflito crescente tanto numa esfera mais óbvia, quanto numa subliminar — os tais vagalumes representam a esperança dos irmãos, que vão desaparecendo conforme tudo se agrava — mas o resultado final parece insuficiente. Sinto que faltou um pouco mais da receita de “Vá e Veja” aqui, ou seja, mostrar mais do lado ruim daquele contexto; esgotar as possibilidades e fazer com que a questão de vida ou morte seja realmente inevitável, em vez de um atalho ou imagem de contraste para os momentos felizes do enredo.
Por outro lado, “Túmulo dos Vagalumes” tem alguns vários acertos inegáveis. O primeiro deles é justamente o que estava criticando até agora: a estrutura da história. Meu ponto nunca foi dizer que o resultado é fraco, apenas que faltou um pouco para chegar lá. Este não é um caso de pontos fortes minados por pontos fracos, o veredito está mais para uma série de acertos com alguns sendo não tão fortes assim. Efetivamente, a história funciona. Os eventos do roteiro estabelecem perfeitamente a conexão entre os dois irmãos em cenas alegres, nas quais se vê que Seita preza por mais que só sobreviver, ele também quer dar a sua irmã o que sobrou de felicidade em um horizonte de escombros. Como ponto de partida para eventos de tensão isso funciona de forma brilhante, pois mostra que as fichas na mesa não são poucas. É por isso também que as coisas que vêm lá na frente têm seu impacto, sem nada em jogo as reviravoltas simplesmente chegam e vão sem mudar nada. Sendo um roteiro mais focado na narrativa do que na justaposição de imagens tematicamente ligadas — um ponto positivo aqui, como dito — esperava um pouco mais de desenvolvimento das tragédias antes de chegar num clímax forte.
O espectador se liga aos eventos, simpatiza com a situação dos personagens e até cria carinho por eles, mas finalmente falta ousar um pouco mais na hora de mostrar estes queridos irmãos se dando mal. Mesmo assim, jamais diria que não gostei de “Túmulo dos Vagalumes”; se fosse uma questão tão simples de juízo de valor, gostar ou não gostar, eu com certeza não teria assistido duas vezes seguidas para ter certeza de minha opinião. É o mínimo que uma obra como essa merece.
3 comments
O filme é bem feito, bonito, mas achei que faltou alguma coisa. Também não gostei muito do filme, esperava mais. Certas coisas não me convenceram, por exemplo: quando foram morar sozinhos, não podiam ter ajudado nos serviços de casa, lavar uma louça, varrer o chão, limpar o banheiro. Me chamam de preguiçoso e simplesmente vou embora? As coisas desgringolam e então aparece um dinheiro quando já é tarde demais? Oi?! Cenas lindas, mas no todo o filme fica devendo.
Exatamente! Esse lance do dinheiro foi uma parada relativamente simples que poderia ter evitado toda a tragédia do filme. Foi uma estupidez que matou o impacto da morte da criança, por exemplo, uma cena muito bonita que poderia ter sido bem mais impactante! Abraço!
O estranhamento de vocês com o dinheiro talvez venha da falta de conhecimento histórico. Em uma situação de guerra, dinheiro é só papel, e muitas vezes vai ser mais útil pra acender fogo que pra qualquer outra coisa. Sem uma perspectiva de vitória, e antes da rendição do japão, a moeda japonesa simplesmente não tinha lastro nem valor real, por isso só e possível utilizar depois da rendição incondicional, momento em que ele descobre também a morte do pai e saca o dinheiro.
Sobre o filme não ser tão forte, imagino que seja uma escolha deliberada. No Brasil muitas pessoas diriam que esse não é um filme para crianças, já no Japão consideram como um filme para todos os públicos. Entender ele como uma animação de temática adulta é um erro na minha opinião, e dentro dessa perspectiva ele consegue um equilíbrio entre realidade crua e narrativa sem precisar chocar visualmente.
Um bom ponto a questão do dinheiro, porém ainda julgo como algo fraco, só o fato da rendição não explica exatamente essa questão, pois partimos de o princípio de: Ele não sabia que o Japão tinha se rendido (isso é mostrado, quando ele recebe a notícia ele fica espantado), sabendo-se que o dinheiro não valia nada e que sua irmã precisa de comida urgentemente uma vez que o médico tenha dito que ela está sofrendo de desnutrição e diarréia não fazia literalmente sentido ele gastar tanto tempo para ir no banco, sendo que no final de tudo o dinheiro não iria mudar nada, o próprio filme nos mostra isso quando ele tenta comprar arroz do fazendeiro lhe oferecendo uma grande quantia de dinheiro e o mesmo recusa (se um fazendeiro que produz o próprio alimento não aceitou o dinheiro, quem aceitaria, tendo vista que todos estavam em escassez???), levando isso em consideração a única opção funcional e que salvaria a garota, seria literalmente ele tentar novamente roubar alguma casa ou até mesmo sua tia, ou tentar pedir desculpa e ver se ela daria alimento pelo menos para a garota. A questão do dinheiro literalmente é uma ponta solta no filme e que não se dá para entender analisando todo o contexto.
A crítica deles é muito válida, literalmente por tudo que se é falado de túmulo de vagalumes ele é um filme que vende como algo “revolucionário mente triste e impactante” o que não ocorre aqui, ele não é tão triste e tão impactante, é um ótimo filme, mas convenhamos que nessas questões ele não exatamente tudo que falam.